quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Acto impugnável

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:
00864/06.4BECBR
Secção:
1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:
06-11-2008
Tribunal:
TAF de Coimbra
Relator:
Drº José Augusto Araújo Veloso
Descritores:
ACTO IMPUGNÁVELCPTA
Sumário:
I. No âmbito do CPTA, acto administrativo impugnável é o acto dotado de eficácia externa, actual ou potencial, neste último caso desde que seja seguro ou muito provável que o acto irá produzir efeitos;II. A lesividade subjectiva constitui mero critério, mas talvez o mais importante, de aferição da impugnabilidade do acto administrativo, coloca a sua impugnabilidade sob a alçada da garantia constitucional, e confere ao recorrente pleno interesse em agir;III. A lesividade subjectiva não pode nem deve ser aferida em termos meramente abstractos, mas antes tendo em conta os vícios concretos que são imputados pelo autor da acção impugnatória ao acórdão impugnado;IV. O acórdão do Conselho Superior da OA [Ordem dos Advogados] que revoga acórdão do seu Conselho de Deontologia, que tinha absolvido o arguido em processo disciplinar, para que fosse efectuada uma diligência probatória que ele considera ilegal, constitui acto lesivo dos seus interesses legalmente protegidos, e, enquanto tal, acto contenciosamente impugnável. ** Sumário elaborado pelo Relator
Data de Entrada:
27-11-2007
Recorrente:
J...
Recorrido 1:
Conselho Superior da Ordem dos Advogados e J...
Votação:
Unanimidade
Meio Processual:
Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:
Concede provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
Negar provimento ao recurso
1
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:RelatórioJ... - com domicílio na rua ..., em Cantanhede – interpõe recurso jurisdicional da sentença [saneador/sentença] proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal [TAF] de Coimbra – em 31.05.2007 – que absolveu da instância a ORDEM DOS ADVOGADOS [OA] por falta de impugnabilidade contenciosa do acórdão do seu Conselho Superior [15.09.2006] que decidiu revogar o aresto do Conselho Deontológico de Coimbra [23.09.2005] e ordenar a baixa do processo disciplinar contra ele instaurado, para ser realizada uma diligência considerada essencial. Conclui as suas alegações da forma seguinte:1- O ora recorrente, no final do artigo 104 da petição inicial, requereu que se oficiasse ao Conselho Superior da OA para mandar apensar o Processo Disciplinar [PD] R/8/06, pelo que, antes de se ordenar a citação dos réus, a secção devia ter levado o processo concluso ao juiz para mandar oficiar ao Conselho Superior a remessa do PD a tribunal até esta acção transitar em julgado, pelo que é nulo todo o processado a partir da entrada da petição inicial;2- O recorrente sempre esteve convencido, em face das posições tomadas na petição inicial, na resposta às excepções e nas alegações, que o PD R/8/06 estava apenso à presente acção;3- Sem o PD R/8/06 a juíza a quo não tinha matéria para decidir como decidiu;4- No PD do Conselho de Deontologia de Coimbra o J... requereu que se fizesse exame à escrita do recorrente, sendo tal pedido indeferido com o argumento de que havia violação da confidencialidade da escrita, protegida legalmente;5- E o Governo pretendeu que se violasse tal confidencialidade das escritas dos cidadãos, e o AC do Tribunal Constitucional nº442/2007 de 14.08.2007, pronunciou-se pela inconstitucionalidade de tais normas;6- A decisão do Conselho de Deontologia de Coimbra constitui caso julgado material, dado que J... não interpôs o competente recurso, pelo que nos termos do artigo 675º do CPC, havendo duas decisões contraditórias, cumprir-se-á a que transitou em julgado em primeiro lugar. No caso concreto, foi a decisão do Conselho de Deontologia de Coimbra;7- O recorrente alegou que o Conselho Superior tinha tomado uma decisão discricionária, porquanto não fundamentou o seu acórdão, sendo nulo este acórdão nos termos do artigo 668º do CPC, e também a juíza a quo não se pronunciou sobre este ponto, pelo que é nula a sua decisão;8- Assim, o recorrente sentiu-se prejudicado, tinha e tem todo o interesse em agir, como ensinam os tratadistas;9- Indicam-se como violados, entre outros, os artigos 29º, 61º, e 374º do CPP, os artigos 3º, 3º-A, 668º e 675º do CPC, a Lei Tributária e os artigos 20º, 32º, 268º e 278º da CRP;10- Assim, nos termos expostos, deve conceder-se provimento a este recurso, devendo ordenar-se a apensação, e a final absolver-se o recorrente, só assim se fazendo justiça.A entidade recorrida contra-alegou, apresentando as seguintes conclusões:1- No prazo concedido para a contestação, e em conformidade com o disposto no artigo 84º do CPTA, a entidade recorrida procedeu à junção aos autos do processo instrutor, não se mostrando, como tal, verificada a nulidade arguida pelo recorrente no ponto 1 das suas conclusões;2- Ao contrário do arguido pelo recorrente, a recorrida procedeu à remessa aos presentes autos do procedimento administrativo no âmbito do qual foi proferido o acórdão impugnado;3- Porventura, a confusão do recorrente advém do facto de ter ocorrido uma renumeração do processo instrutor aquando da subida do recurso interposto pelo participante para o Conselho Superior, pois que o referido processo instrutor obteve inicialmente o número 77/04, tendo-lhe sido posteriormente atribuído o número R/8/06; 4- Tal como resulta explícito do teor do acto impugnado, não foi por este determinada a condenação do recorrente, e a consequente aplicação de sanção disciplinar, pelo que, não se mostram feridos, ainda que de forma indelével, os princípios da presunção de inocência e do in dubio pro reo que regem o processo disciplinar;5- Ou seja, o acórdão do Conselho Superior da OA, proferido no âmbito do PD R/8/06 não constitui um acto impugnável, já que o acto em causa não produz ainda efeitos na esfera jurídica do autor, não definindo ainda a sua situação disciplinar, que permanece em aberto, nem causando ao autor consequências lesivas [ademais não alegadas];6- Pelo que bem andou a sentença recorrida em considerar que se mostrava verificada a excepção dilatória de inimpugnabilidade do acto impugnado, não enfermando de qualquer erro de julgamento;7- E nem se diga, como faz o recorrente, que este tinha todo o interesse em agir porquanto o acórdão impugnado contrariou o caso julgado produzido pela decisão do Conselho de Deontologia de Coimbra;8- Em primeiro lugar, não cuida o recorrente de especificar qual a decisão do Conselho de Deontologia que, no seu entender, constitui caso julgado, sendo certo que o único acórdão que foi produzido por esse órgão foi legal e tempestivamente impugnado pelo participante;9- Por outro lado, perpassado o processo instrutor apenso aos autos, não é possível vislumbrar qualquer requerimento ou decisão com o teor referido pelo recorrente no ponto 4 das suas conclusões;10- Efectivamente, o participante, por requerimento junto a folha 99, limitou-se a requerer que fosse solicitado ao aqui recorrente que juntasse aos autos […] documentos comprovativos das contas que alega ter efectuado com o participante [recibos das seguradoras, notas de despesas, recibos verdes, etc.]. Por despacho datado de 08.10.2004, proferido pela Relatora, foi indeferida tal prova com fundamento na circunstância de que o […] recibo da seguradora e recibo verde já se encontram juntos aos autos;11- Tão pouco assiste razão ao recorrente quando fundamenta o seu interesse em agir no alegado carácter discricionário da decisão contida no acórdão impugnado por falta de fundamentação;12- Em boa verdade, o acto impugnado encontra-se devidamente fundamentado de facto e de direito, cumprindo de resto o disposto no artigo 125º do CPA. É clara a motivação do referido acto, o qual, fundamentando-se na omissão da realização de diligências probatórias essenciais à descoberta da verdade, revogou o acórdão proferido pelo Conselho de Deontologia de Coimbra e, em consequência, ordenou a baixa do processo com vista à produção de prova complementar.Termina pedindo a manutenção da sentença recorrida.O contra-interessado [J...] contra-alegou, concluindo deste modo:1- A sentença recorrida decidiu bem, não merecendo qualquer reparo;2- Soçobram as asserções conclusivas do recorrente;3- Não foram violadas quaisquer normas ou preceitos, nem os indicados pelo recorrente, nem quaisquer outros. Termina, também, pedindo que seja mantida a decisão judicial recorrida.O Ministério Público pronunciou-se [artigo 146º nº1 do CPTA] pelo não provimento do recurso jurisdicional.De FactoÉ o seguinte o teor da decisão judicial recorrida:[…] O acto impugnado nos presentes autos é o Acórdão do Conselho Superior da Ordem dos Advogados – acto vertido no documento junto com à petição inicial e constante de folha 253 do PA apenso – proferido no âmbito do PD R/8/06 instaurado pela OA ao advogado J..., autor nos presentes autos. Como resulta do seu teor, por tal acórdão foi revogado o acórdão do Conselho Deontológico de Coimbra datado de 23.09.2005, que havia absolvido o autor, e foi ordenada a baixa do processo disciplinar a fim de ser realizada diligência considerada essencial. Por conseguinte, o acórdão do Conselho Superior, aqui impugnado, está inserido no procedimento disciplinar instaurado ao autor, não lhe tendo posto ainda fim, antes o mandando prosseguir a fim de ser ainda produzida prova. Não constitui, pois, o acto decisório do procedimento disciplinar. E se bem que estejam hoje afastados os anteriores paradigmas do contencioso administrativo, designadamente a definitividade do acto, e que assim seja admissível, nos termos do disposto no artigo 51º nº1 do CPTA, a impugnação de actos administrativos inseridos num procedimento administrativo, é condição da sua impugnabilidade que os mesmos sejam dotados de eficácia externa. Com efeito dispõe o artigo 51º nº1 do CPTA o seguinte: “Ainda que inseridos num procedimento administrativo, são impugnáveis os actos administrativos com eficácia externa, especialmente aqueles cujo conteúdo seja susceptível de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos”. À luz do novo contencioso administrativo, e como afirma Mário Aroso de Almeida [in O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, Coimbra, Fevereiro 2003, página 117] “O elemento decisivo da noção de acto administrativo impugnável é a eficácia externa”, e [a página 119] “Decisivo, portanto, para que um acto administrativo possa ser considerado impugnável é que os efeitos que ele se destina a introduzir na ordem jurídica sejam susceptíveis de se projectar na esfera jurídica de qualquer entidade, privada ou pública, […] em condições de fazer com que para elas possa resultar um efeito útil de remoção do acto da ordem jurídica”. O conceito de acto administrativo impugnável começa por pressupor, pois, um conceito material de acto administrativo. Ora, o artigo 120º do CPA diz considerarem-se actos administrativos “as decisões dos órgãos da administração que ao abrigo de normas de direito público visem produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta”. E a doutrina tem consolidado o conceito de acto administrativo como “acto jurídico unilateral praticado por um órgão da administração no exercício do poder administrativo e que visa a produção de efeitos jurídicos sobre uma situação individual num caso concreto” [ver Freitas do Amaral, in Direito Administrativo, volume III, página 66], ou como “medida ou prescrição unilateral da Administração que produz directa, individual e concretamente efeitos de direito administrativo vinculantes de terceiros” [ver Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e Pacheco de Amorim, in Código de Procedimento Administrativo Comentado, 2ª edição, Almedina, Janeiro de 2003, página 550]. A esta luz, é forçoso concluir que o acórdão do Conselho Superior da OA, proferido no âmbito do PD R/8/06 movido ao autor, não constitui um acto impugnável, já que não produz ainda efeitos na esfera jurídica do autor, não definindo ainda a sua situação disciplinar, que permanece em aberto, nem causando ao autor consequências lesivas [ademais não alegadas]. E a tal não obsta o disposto no artigo 6º nº3 do Estatuto da Ordem dos Advogados, invocado pelo autor para sustentar a impugnabilidade do acto, cuja redacção é a seguinte: “dos actos praticados pelos órgãos da Ordem dos Advogados cabe, ainda, recurso contencioso para os tribunais administrativos, nos termos gerais de direito”. É que os actos praticados pelos órgãos da OA são contenciosamente impugnáveis, nos termos gerais de direito, ou seja, e actualmente, nos termos das disposições legais contidas CPTA.E, como já vimos, à luz do disposto no artigo 51º nº1 do CPTA o acto impugnado na presente acção não é um acto administrativo impugnável. O que constitui excepção dilatória que obsta ao conhecimento do mérito da acção e determina a absolvição do réu da instância – artigo 89º nº1 alínea c) do CPTA. Pelo exposto, julgo verificada a excepção da inimpugnabilidade do acto impugnado, e em consequência absolvo o réu da instância - artigos 51º nº1 e 89º nº1 alínea c) do CPTA, e artigo 288º nº1 alínea e) do CPC. De DireitoI. Cumpre apreciar as questões suscitadas pelo recorrente, o que deverá ser efectuado dentro das balizas estabelecidas, para o efeito, pela lei processual aplicável – ver artigos 660º nº2, 664º, 684º nº3 e nº4, e 690º nº1, todos do CPC, aplicáveis ex vi 140º do CPTA, e ainda artigo 149º do CPTA, a propósito do qual são tidas em conta as considerações interpretativas tecidas por Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa (Lições), 8ª edição, páginas 459 e seguintes, e por Mário Aroso de Almeida e Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, página 737, nota 1.II. O autor da acção administrativa especial pediu ao TAF de Coimbra que anulasse o acórdão do Conselho Superior da Ordem dos Advogados [15.09.2006] que decidiu revogar o acórdão do Conselho Deontológico de Coimbra [23.09.2005], e ordenar a baixa do processo disciplinar contra ele instaurado na sequência de participação do aqui contra-interessado [J...], a fim de ser realizada diligência considerada essencial. Alega, para o efeito, que a decisão administrativa impugnada menospreza a prova por ele feita no processo disciplinar, desrespeita os princípios do in dubio pro reo [artigo 32º da Constituição da República Portuguesa] e da confidencialidade [então artigo 17º do Código de Procedimento Tributário, aprovado pelo DL nº154/91 de 23.04, e agora artigo 64º da Lei Geral Tributária aprovada pelo DL nº398/98 de 17.12], e carece da devida fundamentação [artigos 154º do Estatuto da Ordem dos Advogados, 374º do Código de Processo Penal, e 659º do Código de Processo Civil].Em sede de saneador [artigo 87º CPTA], e conhecendo de excepção dilatória por ele oficiosamente suscitada, o TAF de Coimbra, após ter cumprido o contraditório, considerou que o acórdão posto em causa era contenciosamente inimpugnável, e, em conformidade, absolveu a OA da instância [artigos 51º nº1 e 89º nº1 alínea c) do CPTA e 288º nº1 alínea e) do CPC].O autor da acção administrativa impugnatória, ora na veste de recorrente, reage a esta decisão judicial, concluindo, em suma, pela nulidade dos presentes autos, a partir da petição inicial, por não ter sido solicitado o respectivo procedimento administrativo [PA] antes da citação do réu [conclusões 1ª a 3ª], pela nulidade da sentença recorrida por falta da devida e necessária fundamentação [conclusões 7ª e 8ª], e concluindo, ainda, que a decisão judicial nela tomada padece de erro de julgamento de direito [conclusões 4ª a 6ª e 9ª].III. Invoca o recorrente jurisdicional a nulidade de tudo o que foi processado na acção administrativa especial a partir da entrada em juízo da petição inicial, e isto pelo facto de ter requerido, nesse articulado, que fosse solicitado ao Conselho Superior da OA o envio a tribunal, a fim de ficar apenso aos autos até neles ser proferida a decisão final, o procedimento disciplinar em causa, e isso não ter sido feito.Constata-se, pela análise da presente acção impugnatória, que o seu autor, na parte final da petição inicial, requer que se oficie ao Conselho Superior da Ordem dos Advogados para enviar para este tribunal o processo R/8/06, a fim de ser apensado a esta acção, enquanto ela não transitar em julgado [sic], sendo que esse procedimento administrativo acabou por ser junto ao processo judicial aquando da apresentação da contestação da OA, e foi a ele apenso [ver folha 62 e 67 dos autos].Tudo se passou, portanto, nos termos normais ordenados no artigo 84º nº1 do CPTA [segundo o qual com a contestação, ou dentro do respectivo prazo, a entidade demandada é obrigada a remeter ao tribunal o processo administrativo, quando exista, e todos os demais documentos respeitantes à matéria do processo de que sela detentora, que ficarão apensados aos autos], não se mostrando, no caso, necessária a adopção de outro tipo de procedimento, sendo que tão pouco se pode concluir do referido requerimento do autor que este o solicitou ou justificou.Verifica-se, assim, que não foi adoptada pelo tribunal recorrido qualquer conduta processualmente anormal, que de alguma forma pudesse, sequer, suscitar a hipótese de irregularidade, quanto mais de nulidade [artigos 193º a 208º do CPC supletivamente aplicáveis ao CPTA], como quer o autor.Deve, pois, ser julgada improcedente esta invocada nulidade do processo.Invoca o recorrente a nulidade da sentença recorrida por falta de fundamentação [artigo 668º nº1 alínea b) do CPC].Nos termos do artigo 668º nº1 alínea b) do CPC a sentença é nula quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.A jurisprudência dos tribunais superiores vem concluindo, de forma praticamente uniforme, que a nulidade da sentença por falta de fundamentação apenas ocorre quando se verifique uma completa ausência dessa fundamentação, e não quando esta seja incompleta ou deficiente, pois só no primeiro caso o destinatário da sentença fica na ignorância das razões, de facto ou de direito, pelas quais foi tomada tal decisão, e o tribunal superior fica impedido de sindicar a lógica inerente ao silogismo judiciário que a ela presidiu – ver, por todos, AC STJ 26.02.2004, Rº03B3798, e AC STA de 26.07.2000, Rº46382.Ora, no presente caso não se configura, assim o cremos, a falta completa de fundamentação de facto e de direito da sentença.E se isto é bastante óbvio no que respeita à fundamentação de direito, na qual o tribunal recorrido se limitou a conhecer, de forma coerente e bastante, da excepção dilatória que tinha antes suscitado, o certo é que, também no tocante à fundamentação de facto, muito embora a sentença recorrida não contemple uma parte formalmente dedicada a essa matéria, ela não deixa de chamar à colação, e ter na devida conta, a factualidade considerada pertinente e suficiente para fundamentar a decisão tomada, e que se reduz, na sua perspectiva, ao conteúdo do acórdão impugnado [vertido no documento junto com a petição inicial e constante de folha 253 do PA]. Deve, pois, ser julgada improcedente esta invocada nulidade da sentença.Para além destas duas nulidades invocadas pelo recorrente, e julgadas improcedentes, uma delas directamente dirigida à sentença recorrida, e outra que acabaria por afectá-la como acto subsequente à petição inicial, constata-se que ele, embora de uma forma assaz nebulosa, porque juridicamente pouco precisa, acaba imputando erro de julgamento de direito à decisão judicial recorrida, que, recorde-se, julgou procedente a excepção da inimpugnabilidade contenciosa do acórdão proferido pelo Conselho Superior da OA [15.09.06], e absolveu esta entidade da instância.Antes de mais, circunstanciemos o acto impugnado nesta acção administrativa especial, em ordem a aferirmos se estamos ou não perante um acto impugnável contenciosamente. Resulta do PA [apenso aos autos], que por acórdão de 23.09.2005, o Conselho de Deontologia de Coimbra da OA aprovou o relatório final da relatora do processo disciplinar movido ao ora recorrente [aí arguido], e decidiu absolvê-lo das infracções disciplinares pelas quais vinha acusado [folhas 185 a 191 PA]. No entanto, o aí participante, agora contra-interessado, inconformado com esta decisão administrativa, da qual foi notificado através de ofício datado de 30.09.2005 [folha 194 PA], dela interpôs recurso gracioso, em 07.10.2005, para o Conselho Superior da OA [artigos 132º nº1, 133º nº1 e nº3, 134º nº2, do Estatuto da Ordem dos Advogados (EOA) na versão decorrente da sexta alteração produzida pela Lei nº80/2001 de 20.07, e 205º dos EOA aprovado pela Lei 15/2005 de 26.01], o qual, através do seu acórdão de 15.09.2006, decidiu revogar aquela decisão de absolvição, e ordenou a baixa do processo disciplinar ao Conselho de Deontologia de Coimbra a fim de ser realizada diligência probatória considerada necessária [ver folhas 249 a 253 do PA]. Nos termos dos artigos do EOA aplicáveis ao caso concreto [note-se que, de acordo com o artigo 205º da Lei nº15/2005 de 26.01 o novo EOA só se aplica aos processos disciplinares instaurados após a sua entrada em vigor], os actos praticados pelos órgãos da OA no exercício das suas atribuições admitem os recursos hierárquicos previstos no presente Estatuto [artigo 5º nº1 do EOA na versão decorrente da sexta alteração produzida pela Lei nº80/2001 de 20.07], dos actos definitivos e executórios dos órgãos da OA cabe recurso contencioso para os tribunais administrativos, nos termos gerais de direito [artigo 5º nº3 do EOA na versão decorrente da sexta alteração produzida pela Lei nº80/2001 de 20.07], e das deliberações dos conselhos de deontologia ou das suas secções cabe recurso para o conselho superior [artigo 132º nº1 do EOA na versão decorrente da sexta alteração produzida pela Lei nº80/2001 de 20.07], sendo o prazo para a sua interposição de 10 dias a contar da notificação ou de o 15 dias a contar da afixação do edital [artigo 133º nº3 do EOA na versão decorrente da sexta alteração produzida pela Lei nº80/2001 de 20.07].Da conjugação destas normas, nomeadamente da conjugação do referido artigo 5º, nº1 e nº3, com a norma do também referido artigo 132º, nº1, parece dever concluir-se que o recurso interposto em 07.10.2005 para o Conselho Superior da OA, pelo respectivo participante no processo disciplinar [agora contra-interessado], configura um recurso hierárquico necessário, e que o acórdão que a respeito veio a ser proferido pelo Conselho Superior da OA em 15.09.06, configura decisão administrativa definitiva e executória [usando a terminologia do então EOA] para efeitos de recurso aos tribunais. Efectivamente, cremos que a expressa limitação da abertura da via contenciosa aos actos definitivos e executórios [artigo 5º nº3 do EOA na versão decorrente da sexta alteração produzida pela Lei nº80/2001 de 20.07, em consonância com o que estipulava o artigo 25º da LPTA], mesmo interpretada de acordo com o que ao momento já consagrava a Lei Fundamental [artigo 268º nº4 CRP], exige, como pressupostos da impugnabilidade do acto junto dos tribunais administrativos, que o mesmo seja verticalmente definitivo e dotado de lesividade actual, isto é, exige que nos deparemos com um acto que não esteja sujeito a recurso hierárquico necessário, e que seja dotado, já, de eficácia externa lesiva da esfera jurídica do recorrente. É este, pois, o sentido interpretativo a dar às referidas normas do EOA [na versão decorrente da sexta alteração produzida pela Lei nº80/2001 de 20.07] que são aplicáveis ao caso sub judice, e que, como podemos constatar com bastante facilidade, não coincidem inteiramente com as normas que foram consagradas no CPTA [artigos 51º nº1 e 54º nº1 alínea b)].Sabemos que este novo código [CPTA] teve como pano de fundo, a respeito da impugnabilidade contenciosa do acto administrativo, e como não poderia deixar de ser, a norma constitucional do artigo 268º nº4, que continuava a garantir aos administrados o direito a impugnar junto dos tribunais quaisquer actos administrativos que os lesem, independentemente da sua forma. Trata-se de uma garantia impositiva, mas não limitativa. Isto é, a norma constitucional impõe ao legislador ordinário que respeite a impugnabilidade contenciosa dos actos lesivos, mas dela não decorre que apenas tais actos sejam impugnáveis junto dos tribunais. Na senda do legislador constitucional, o CPTA veio consagrar, como princípio geral, o seguinte: ainda que inseridos num procedimento administrativo, são impugnáveis os actos administrativos com eficácia externa, especialmente aqueles cujo conteúdo seja susceptível de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos – ver artigo 51º nº1 do CPTA.Este princípio geral definiu o acto administrativo impugnável, portanto, como sendo o dotado de eficácia externa, remetendo a lesividade [subjectiva] para mero critério [talvez o mais importante] de aferição dessa impugnabilidade. Destarte, cabendo no conceito legal de acto impugnável todos os actos lesivos de direitos e interesses legalmente protegidos, resulta respeitada a garantia constitucional impositiva, que acaba, no entanto, por ser estendida pelo legislador ordinário a todos aqueles actos que, mesmo não sendo lesivos de direitos subjectivos, são dotados de eficácia externa. Com este conceito, não é apenas o critério da definitividade e executoriedade [anteriormente consagrado no artigo 25º da LPTA] que acaba sendo ultrapassado, enquanto definidor da impugnabilidade contenciosa, mas também o é o próprio critério da lesividade, seja ela subjectiva ou objectiva – como se sabe, a eficácia externa tanto abarca a lesividade subjectiva [lesão de direitos ou interesses legalmente protegidos dos administrados] como a lesividade objectiva [lesão da legalidade objectiva] que pode ser impugnada no exercício de acção pública [artigo 55º nº1 alíneas b) e e) do CPTA] ou de acção popular [artigo 55º nº2 do CPTA].Além disso, sublinhamos, a própria eficácia externa, enquanto definidora de impugnabilidade contenciosa, não tem de ser actual, podendo ser uma eficácia externa potencial desde que seja seguro ou muito provável que o acto irá produzir efeitos. Na verdade, e como já defendemos [ver AC do TCAN de 29.05.08, Rº1006/05.9BEPRT], esta interpretação extensiva do nº1 do artigo 51º do CPTA [actos administrativos com eficácia externa] não só é permitida pela letra da lei, como acaba sendo imposta pela sua conjugação com o disposto no artigo 54º nº1 alínea b) do mesmo código – reza esta norma que um acto administrativo pode ser impugnado ainda que não tenha começado a produzir efeitos jurídicos, quando: […] b) Seja seguro ou muito provável que o acto irá produzir efeitos […].Temos, portanto, que ao abrigo do actual regime, consagrado no CPTA [desde Janeiro de 2004], não só é contenciosamente impugnável o acto administrativo dotado de eficácia externa actual, como também o é o acto administrativo dotado de eficácia externa ainda potencial, desde que seja seguro ou muito provável que a virá a ter, sendo que a sua capacidade subjectivamente lesiva apenas virá colocar essa sua impugnabilidade sob a alçada da garantia constitucional.Em consonância com isto, o actual EOA [Lei nº15/2005 de 26.01] deixou de prescrever que dos actos definitivos e executórios dos órgãos da OA cabe recurso contencioso para os tribunais administrativos, nos termos gerais de direito, para se limitar a dizer que os actos praticados pelos órgãos da OA no exercício das suas atribuições admitem os recursos hierárquicos previstos no presente Estatuto [artigo 6º nº1] e que dos actos praticados pelos órgãos da OA cabe, ainda, recurso contencioso para os tribunais administrativos, nos termos gerais de direito [artigo 6º nº3]. Ou seja, cremos que a impugnação contenciosa de qualquer acto emanado de órgãos da OA passou a exigir, somente, a verificação dos critérios consagrados no actual CPTA: ter eficácia externa, sobretudo lesiva de direitos ou interesses legalmente protegidos, e isto, mesmo que se trate de acto inserido num procedimento administrativo [artigo 51º nº1 do CPTA].Perante esta síntese sobre os pressupostos da impugnabilidade do acto administrativo, quer em face do EOA aplicável ao presente caso [EOA na versão decorrente da sexta alteração produzida pela Lei nº80/2001 de 20.07], quer em face da lei actual [EOA aprovado pela Lei nº15/2005 de 26.01, e artigo 51º nº1 do CPTA], somos obrigados a concluir que, decisivo para a apreciação e decisão do erro de julgamento invocado pelo recorrente, é saber se a decisão tomada pelo acórdão de 15.09.2006 do Conselho Superior da OA é actualmente lesivo da sua esfera jurídica [a lesividade potencial, nos termos decorrentes da conjugação dos artigos 51º nº1 e 54º nº1 alínea b) do CPTA, não vinha sendo admitida durante a vigência do artigo 25º da LPTA, mesmo interpretado de acordo com o artigo 268º nº4 da CRP].Cremos que esta lesividade não pode nem deve ser aferida em termos meramente abstractos, mas antes tendo em conta os vícios concretos que são imputados pelo autor da acção impugnatória ao acórdão impugnado, ou seja, menosprezo pela prova por ele feita no âmbito do procedimento disciplinar, desrespeito pelos princípios do in dubio pro reo e da confidencialidade, e falta da devida fundamentação. Isto significa, em termos de causa de pedir, que o autor da acção especial, ora recorrente, para além de alegar não entender, de forma clara e bastante, quais são os motivos da revogação do acórdão que o absolveu [falta de fundamentação], entende também que esta revogação acaba por lhe impor um ónus probatório que não lhe compete como arguido, e por violar, como escreve, a confidencialidade das escritas dos cidadãos.Com razão de fundo, ou sem ela, não é assunto que importe de momento apreciar, o certo é que a revogação da decisão absolutória, proferida pelo Conselho Superior da OA, embora com a finalidade de complementar a instrução do procedimento disciplinar, acaba por se reflectir, já, e de forma negativa, na esfera jurídica do recorrente. Na verdade, este, por via dessa revogação, deixa de estar absolvido da acusação que contra ele foi formulada, para continuar arguido em processo disciplinar pendente, e correndo o sério risco de vir a ser nele condenado. É que, não podemos deixar de sublinhar, o simples facto da prova produzida ter sido considerada insuficiente, e ter sido ordenada a produção de diligência considerada indispensável, aponta desde logo para a ocorrência de dúvida sobre a bondade da decisão absolutória.O recorrente, deixa de ter o estatuto de absolvido, com todo a paz de espírito pessoal que isso significa, e com a sua credibilidade profissional bastante recuperada perante a clientela, para arcar, de novo, com o peso e a intranquilidade gerada por uma acusação, com todas as consequentes repercussões a nível profissional. Nem se diga que estes efeitos factuais lesivos, derivados do acto impugnado, não foram alegadas pelo autor da acção impugnatória, pois que, como factos notórios que são, não carecem de alegação e de prova [artigo 514º do CPC supletivamente aplicável ao abrigo do artigo 1º do CPTA]. Importa frisar, ainda, que o acórdão impugnado, que revogou a decisão absolutória do recorrente, configura um acto administrativo perfeitamente destacável do todo procedimental em que se insere, de tal forma que, a não ser agora impugnado contenciosamente pelo recorrente, sobre ele viria a recair a força de caso resolvido. Em suma, cremos que o acórdão de 15.09.2006, proferido pelo Conselho Superior da OA, que revogou o acórdão de 23.09.2005 do Conselho de Deontologia de Coimbra que absolveu o ora recorrente da acusação disciplinar contra ele formulada, a fim de se proceder a diligência de prova considerada indispensável, constitui uma decisão administrativa dotada de eficácia externa, e actualmente lesiva dos interesses legalmente protegidos do recorrente. Como tal, deve ser considerado acto administrativo contenciosamente impugnável. Na medida em que assim não entendeu e decidiu, a sentença recorrida [saneador/sentença] deve ser revogada, bem como deve a presente acção impugnatória prosseguir os seus trâmites normais, em ordem ao conhecimento do respectivo mérito, caso nada mais obste a tal. DECISÃO Nestes termos, decidem os juízes deste tribunal, em conferência, o seguinte: - Conceder provimento ao recurso jurisdicional, e, em conformidade, revogar a decisão judicial recorrida; - Ordenar a baixa dos autos ao TAF de Coimbra, para aí prosseguirem a sua tramitação, caso nada mais obste a tal. Custas pela entidade recorrida e pelo contra-interessado, com taxa de justiça fixada em 6 UC, já reduzida a metade – artigos 446º do CPC, 189º do CPTA, 73º-A, 73º-D nº3, e 73º-E nº 1 alínea a) do CCJ. Porto, 6 de Novembro de 2008Ass. José Augusto Araújo VelosoAss. Maria Isabel São Pedro SoeiroAss. Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia

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