terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Acto administrativo de conteúdo negativo

Processo: 00219/04.5BEPRT

Secção: 1ª Secção - Contencioso Administrativo


Data do Acordão: 07/05/2007

Tribunal: TAF do Porto

Relator: Drº Carlos Luís Medeiros de Carvalho

Descritores: PEDIDO INFORMAÇÃO PRÉVIA
VIABILIDADE CONSTRUÇÃO
DEFERIMENTO TÁCITO
ERRO SOBRE PRESSUPOSTOS

Sumário: I. Num procedimento de “pedido de informação prévia” o requerente tem em vista uma concreta pretensão urbanística relativamente à qual pretende que a Administração dê resposta no sentido de saber se a mesma, por respeitar as normas urbanísticas em vigor, está em condições de ser deferida.
II. Não integra tal pretensão o requerimento do seguinte teor “… vem apresentar a … o “Projecto de Licenciamento” referente a um prédio situado na Rua …, …, solicitando a licença de construção para um prazo de 720 dias …”.
III. Em sede de análise do erro sobre os pressupostos e respectivo ónus probatório há que distinguir consoante o acto impugnado é um acto de conteúdo positivo, que exprime uma posição da Administração cujos fundamentos a ela cumpre demonstrar pela positiva ou, pelo contrário, é um acto de conteúdo negativo, que se limita a refutar uma pretensão que tinha sido apresentada pelo particular.
IV. Se a Administração respondeu ao requerente por impugnação, alegando que não se preenchiam os pressupostos da pretensão do interessado e é isso que ele vem contestar com a acção sobre o A. deve recair o risco da falta de prova do preenchimento dos pressupostos. Se, ao invés, a Administração respondeu ao requerente por excepção, invocando a existência de factos impeditivos, modificativos ou extintivos da sua pretensão e é isso que, na acção, o interessado questiona, sobre a Administração impende o ónus probatório, recaindo sobre si o risco da falta da respectiva demonstração.
V. Estando perante um acto de conteúdo negativo em que a Administração, sustentando-se não numa defesa por excepção mas antes numa defesa por impugnação visto se traduzir numa negação motivada da pretensão edificadora deduzida pelo A. sem que nesses fundamentos constem quaisquer factos novos que se possam qualificar como impeditivos, modificativos ou extintivos da pretensão é ao A., enquanto titular da pretensão substantiva e que pretende ver satisfeita com a emissão de um acto administrativo favorável, que caberia a prova daquele erro sobre os pressupostos. *

* Sumário elaborado pelo Relator


Data de Entrada: 10/17/2006
Recorrente: A...
Recorrido 1: Município do Porto
Votação: Unanimidade


Meio Processual: Acção Administrativa Especial para Condenação à Prática Acto Devido (CPTA) - Recurso Jurisdicional


Aditamento:

Parecer Ministério Publico: Negar provimento ao recurso

1

Decisão Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. RELATÓRIO
A…, devidamente identificado nos autos, inconformado veio interpor recurso jurisdicional da decisão do TAF do Porto, datada de 19/09/2005, que julgou totalmente improcedente a acção administrativa especial deduzida pelo mesmo contra o “MUNICÍPIO DO PORTO”.
Formula, nas respectivas alegações (cfr. fls. 85 e segs. e correcção de fls. 125/127 após despacho do relator de fls.120 - paginação processo em suporte físico tal como as referências posteriores a paginação salvo expressa indicação em contrário), as seguintes conclusões:
“(…)
1. O objecto do presente recurso jurisdicional concretiza-se no segmento decisório do Tribunal a quo que considerou não ter existido deferimento tácito da pretensão apresentada pelo autor, o aqui recorrente;
2. No entanto, entende o recorrente que o Digníssimo Tribunal a quo incorreu num erro de julgamento ao não aderir à alegação de que em causa está um pedido de viabilidade construtiva – informação prévia;
3. Tal erro assenta no pressuposto de que o pedido de licenciamento da obra tem uma autonomia própria em relação ao pretendido procedimento de licenciamento, na sua fase de apreciação de viabilidade construtiva acompanhado de um anteprojecto de arquitectura;
4. No entanto ao fazê-lo, o Tribunal a quo acabou por denegar a Justiça do caso, porquanto não entendeu que esse mesmo conceito de licenciamento não traduz – com propriedade – a realidade que lhe é subjacente: o pedido de viabilidade de um projecto de obra;
5. Noutro conspecto – e sem conceder na tese do pedido de informação prévia – sempre teremos que reafirmar que à data do pedido de licenciamento inexistiam quaisquer plano de urbanização, de pormenor ou medidas preventivas devidamente aprovadas e publicadas que impedissem a construção projectada;
6. De igual modo, o Tribunal a quo ao referir que a pretensão do Autor estaria sujeita a prévia promoção de operação de loteamento para validar o indeferimento, está a transformar um ponto meramente condicionante numa razão base;
7. A douta sentença a quo violou os artigos 16.º/1, 17.º/1, 24.º/1 alínea a) a contrario e 111.º alínea c) ambos do DL n.º 555/99,de 16/12 com as alterações introduzidas pelo DL n.º 177/01,de 04/06;
8. Mais, violou o artigo do 133.º/2 alínea h) do Código do Procedimento Administrativo. (…).”
O ente público R., ora recorrido, apresentou contra-alegações (cfr. fls. 94 e segs.) nas quais pugna pela manutenção do julgado não formulando, contudo, quaisquer conclusões.
O Ministério Público junto deste Tribunal notificado nos termos e para efeitos do disposto no art. 146.º do CPTA emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso (cfr. fls. 136 e 137), parecer esse que objecto de contraditório mereceu apenas resposta por parte do aqui recorrido concordando com o mesmo (cfr. fls. 140).
Colhidos os vistos legais juntos dos Exmos. Juízes-Adjuntos foram os autos remetidos à Conferência para julgamento.

2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo recorrente, sendo certo que, pese embora por um lado, o objecto do recurso se ache delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos arts. 660.º, n.º 2, 664.º, 684.º, n.ºs 3 e 4 e 690.º, n.º 1 todos do Código de Processo Civil (CPC) “ex vi” arts. 01.º e 140.º do CPTA, temos, todavia, que, por outro lado, nos termos do art. 149.º do CPTA o tribunal de recurso em sede de recurso de apelação não se limita a cassar a sentença recorrida, porquanto ainda que declare nula a sentença decide “sempre o objecto da causa, conhecendo de facto e de direito”, pelo que os recursos jurisdicionais são “recursos de ‘reexame’ e não meros recursos de ‘revisão’” [cfr. Prof. J. C. Vieira de Andrade in: “A Justiça Administrativa (Lições)”, 8ª edição, págs. 459 e segs.; Prof. M. Aroso de Almeida e Juiz Cons. C. A. Fernandes Cadilha in: “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, 2.ª edição revista, págs. 850 e 851, nota 1; Dr.ª Catarina Sarmento e Castro em “Organização e competência dos tribunais administrativos” - “Reforma da Justiça Administrativa” - in: “Boletim da Faculdade de Direito Universidade de Coimbra - Stvdia ivridica 86”, págs. 69/71].
As questões suscitadas reconduzem-se, em suma, em determinar se a decisão judicial recorrida ao julgar totalmente improcedente a presente acção administrativa incorreu em erro de julgamento infringindo o dispostos nos arts. 16.º, n.º 1, 17.º, n.º 1, 24.º, n.º 1 al. a), 111.º, al. c) todos do RJUE (DL n.º 555/99, de 16/12 com as alterações introduzidas pelo DL n.º 177/01, de 04/06) e 133.º, n.º 2, al. h) do CPA [cfr. alegações e conclusões de recurso supra reproduzidas].

3. FUNDAMENTOS
3.1. DE FACTO
Com interesse para a decisão da causa, vista factualidade fixada na decisão recorrida não objecto de impugnação [carecida de correcções decorrentes do seu confronto com os elementos documentais juntos aos autos] e a documentação junta, têm-se como provados os seguintes factos:
I) O Autor, através do requerimento registado sob o n.º 14318/02, 25/07, apresentou na Câmara Municipal do Porto um pedido de licenciamento “Projecto de Licenciamento” referente a um prédio situado na Rua …, de acordo com o Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro “… solicitando a licença de construção para um prazo de 720 dias …” - cfr. doc. n.º 1 do PA;
II) O pedido atrás referenciado foi apreciado pelos serviços da CMP e objecto de indeferimento por despacho proferido em 28/10/2003 pelo Sr. Vereador do Pelouro de Urbanismo e Mobilidade, com fundamento na informação técnica elaborada pelo Sr. Arquitecto Aníbal Caldas - cfr. fls. 08/10;
III) Por oficio n.º 4547/03/DMEU, de 20/08/2003, o Autor foi notificado, nos termos do art. 100.º do CPA, de que era intenção da CMP indeferir o projecto aludido em I) “… pelos factos e fundamentos constantes da informação técnica e do despacho do Sr. Director Municipal de Planeamento e Gestão Urbanística …” - cfr. o doc. n.º 2 junto com a p. i.;
IV) Factos não provados: os demais alegados na p.i., mormente que o aqui A. tenha apresentado na … CMP “… um pedido de viabilidade de construção (informação prévia) …”.
«»
3.2. DE DIREITO
Assente a factualidade apurada cumpre, agora, entrar na análise das várias questões suscitadas para se concluir pela procedência ou improcedência da argumentação desenvolvida pelo recorrente no recurso jurisdicional “sub judice”. Estribou-se a decisão judicial recorrida na seguinte argumentação:
“… o objecto do acto de indeferimento do Sr. Vereador do Pelouro de Urbanismo e Mobilidade da CMP, com fundamento na informação técnica elaborada pelo Sr. Arquitecto Aníbal Caldas, foi o projecto de arquitectura apresentado sob o n.º 14318/02.
Deste modo, não houve qualquer deferimento tácito da pretensão apresentada pelo Autor e registada nos serviços da CMP sob o n.º 14318/02.
…, tal só poderia ter-se verificado se se estivesse perante um pedido de informação prévia, o que não aconteceu.
Ora, na ausência de prova do suporte fáctico aventado na p.i. e dado que o despacho “sub judice” se limitou a apreciar (indeferindo-a) a pretensão então apresentada e não aquela que aqui se faz crer, é evidente que o pedido dos autos está condenado ao insucesso.
Repete-se que o A. labora em erro quando alude a requerimento/pedido de viabilidade de construção (informação prévia); como tal, toda a restante argumentação aqui trazida está prejudicada.
Dito de outro modo, o despacho de 28/10/2003 apreciou o “Projecto de Licenciamento” referente a um prédio situado na Rua … e, de acordo com a fundamentação invocada, indeferiu-o, razão pela qual não faz sentido o apelo ao deferimento tácito.
Da fundamentação do acto resulta, por um lado, que o prédio projectado não se integra nas características morfológicas e de volumetria da Rua … e, por outro lado, que a pretensão do Autor estaria sujeita a prévia promoção de operação de loteamento.
Assim sendo, na falta de prova de que o acto posto em crise enferme dos vícios que lhe são atribuídos, ele manter-se-á …”.
O recorrente insurge-se contra esta decisão invocando, no essencial, duas ordens de razões:
I) Que formulou não um pedido de licenciamento mas antes um pedido de viabilidade de construção pelo que ocorreu deferimento tácito do pedido;
II) Que à data do pedido de licenciamento inexistiam quaisquer planos de urbanização, de pormenor ou medidas preventivas devidamente aprovadas e publicadas que impedissem a construção projectada.
Houve, segundo argumenta, errada interpretação e aplicação dos arts. 16.º, n.º 1, 17.º, n.º 1, 24.º, n.º 1 al. a), 111.º, al. c) todos do RJUE e 133.º, n.º 2, al. h) do CPA.
Façamos o prévio cotejo dos normativos a considerar para a apreciação das questões em presença.
Assim, decorre do art. 14.º do RJUE, sob a epígrafe de “Pedido de informação prévia”, que:
“1 - Qualquer interessado pode pedir à câmara municipal, a título prévio, informação sobre a viabilidade de realizar determinada operação urbanística e respectivos condicionamentos legais ou regulamentares, nomeadamente relativos a infra-estruturas, servidões administrativas e restrições de utilidade pública, índices urbanísticos, cérceas, afastamentos e demais condicionantes aplicáveis à pretensão.
2 - Quando o pedido respeite a operação de loteamento, em área não abrangida por plano de pormenor, ou a obra de construção, ampliação ou alteração em área não abrangida por plano de pormenor ou operação de loteamento, o interessado pode requerer que a informação prévia contemple especificamente os seguintes aspectos, em função dos elementos por si apresentados:
a) A volumetria da edificação e a implantação da mesma e dos muros de vedação;
b) Condicionantes para um adequado relacionamento formal e funcional com a envolvente;
c) Programa de utilização das edificações, incluindo a área bruta de construção a afectar aos diversos usos e o número de fogos e outras unidades de utilização;
d) Infra-estruturas locais e ligação às infra-estruturas gerais;
e) Estimativa de encargos urbanísticos devidos.
3 - (…).
4 - (…)”.
Prevê-se no n.º 1 do art. 16.º do mesmo diploma, com a epígrafe de “Deliberação”, que:
“A câmara municipal delibera sobre o pedido de informação prévia no prazo de 20 dias ou, no caso previsto no n.º 2 do artigo 14.º, no prazo de 30 dias contados a partir:
a) Da data da recepção do pedido ou dos elementos solicitados nos termos do n.º 4 do artigo 11.º; ou
b) Da data da recepção do último dos pareceres, autorizações ou aprovações emitidos pelas entidades exteriores ao município, quando tenha havido lugar a consultas; ou ainda
c) Do termo do prazo para a recepção dos pareceres, autorizações ou aprovações, sempre que alguma das entidades consultadas não se pronuncie até essa data.”
Resulta, ainda, do n.º 1 do art. 17.º do RJUE que “O conteúdo da informação prévia aprovada vincula as entidades competentes na decisão sobre um eventual pedido de licenciamento ou autorização da operação urbanística a que respeita, desde que tal pedido seja apresentado no prazo de um ano a contar da data da notificação da mesma ao requerente.”
Por outro lado, na subsecção seguinte relativa à “Licença” prevê-se no art. 18.º que:
“1 - Obedece ao procedimento regulado na presente subsecção a apreciação dos pedidos relativos às operações urbanísticas previstas no n.º 2 do artigo 4.º.
2 - No âmbito do procedimento de licenciamento há lugar a consulta às entidades que, nos termos da lei, devam emitir parecer, autorização ou aprovação sobre o pedido, excepto nos casos previstos no n.º 2 do artigo 17.º.”
E na al. a) do n.º 1 do art. 24.º, sob a epígrafe de “Indeferimento do pedido de licenciamento“, estipula-se que:
“O pedido de licenciamento é indeferido quando:
a) Violar plano municipal de ordenamento do território, plano especial de ordenamento do território, medidas preventivas, área de desenvolvimento urbano prioritário, área de construção prioritária, servidão administrativa, restrição de utilidade pública ou quaisquer outras normas legais e regulamentares aplicáveis; (…).”
Decorre da al. c) do art. 111.º do mesmo diploma que:
“Decorridos os prazos fixados para a prática de qualquer acto especialmente regulado no presente diploma sem que o mesmo se mostre praticado, observa-se o seguinte:
(…) c) Tratando-se de qualquer outro acto, considera-se tacitamente deferida a pretensão, com as consequências gerais.”
Por fim, estipula-se no art. 133.º do CPA, sob a epígrafe “actos nulos”, que:
“1 - São nulos os actos a que falte qualquer dos elementos essenciais ou para os quais a lei comine expressamente essa forma de invalidade.
2 - São, designadamente, actos nulos:
a) Os actos viciados de usurpação de poderes;
b) Os actos estranhos às atribuições dos ministérios ou das pessoas colectivas referidas no artigo 2.º em que o seu autor se integre;
c) Os actos cujo objecto seja impossível, ininteligível ou constitua um crime;
d) Os actos que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental;
e) Os actos praticados sob coacção;
f) Os actos que careçam em absoluto de forma legal;
g) As deliberações de órgãos colegiais que forem tomadas tumultuosamente ou com inobservância do quórum ou da maioria legalmente exigidos;
h) Os actos que ofendam os casos julgados;
i) Os actos consequentes de actos administrativos anteriormente anulados ou revogados, desde que não haja contra-interessados com interesse legítimo na manutenção do acto consequente.”
Sendo este o quadro legal no âmbito do qual nos movemos e que importa considerar apreciemos, então, de per si cada um dos fundamentos de recurso.
Ora temos que, desde logo, não se vislumbra o mínimo de consistência e sustentabilidade quanto ao primeiro fundamento.
Na verdade, não se descortina pela simples análise dos factos provados, aliás, não postos minimamente em causa no âmbito do presente recurso, e do procedimento administrativo apenso, onde e em que momento o aqui recorrente formulou junto do R. algum pedido de informação prévia sobre viabilidade de construção.
O requerimento pelo mesmo deduzido e subscrito pelo seu teor e termos é claro e inequívoco no sentido de que se tratava de um pedido de “licenciamento” e não dum pedido de “informação prévia”. Do mesmo consta que “A… …, vem apresentar a V. Ex.ª o “Projecto de Licenciamento” referente a um prédio situado na Rua …, …, solicitando a licença de construção para um prazo de 720 dias. (…)” (sublinhados nossos).
Ora dúvidas não se nos colocam que o mesmo formulou junto do R. foi não um procedimento de “informação prévia” disciplinado pelos arts. 14.º e segs. do RJUE mas sim um pedido de “licenciamento” regulado pelos arts. 18.º e segs. do mesmo diploma.
Num procedimento de “pedido de informação prévia” o requerente tem em vista uma concreta pretensão urbanística relativamente à qual pretende que a Administração dê resposta no sentido de saber se a mesma, por respeitar as normas urbanísticas em vigor, está em condições de ser deferida.
Tal como referem Dr.ªs Maria José Castanheira Neves, Fernanda Paula Oliveira e Dulce Lopes “… A informação prévia fornecida pela câmara municipal não é uma mera actuação de natureza declarativa mas um verdadeiro acto administrativo que se pronuncia (de forma prévia ou antecipada) sobre uma determinada operação urbanística. Trata-se de um acto prévio de natureza verificativa e sem carácter permissivo, na medida em que não é com base nele que o particular pode promover e executar a operação urbanística apreciada. Para tal o particular terá de dar início a outro procedimento administrativo tendente ao licenciamento da operação urbanística, este sim, o acto que se pronuncia, de forma final e definitiva, sobre a operação urbanística, tendo, por isso, natureza permissiva. (…), estamos perante um acto prévio a um acto de licenciamento ou de autorização pelo que só tem razão de ser em função deles …” (in: “Regime Jurídico da Urbanização e Edificação - Comentado”, págs. 157).
Na situação vertente, pelos termos em que se mostra formulada a pretensão administrativa, dúvidas não existem de que não se trata de qualquer “pedido de informação prévia” e, como tal, que quanto ao mesmo se haja formado deferimento tácito [art. 111.º, al. c) do RJUE], pelo que não ocorre infracção ou errada aplicação do regime decorrente dos arts. 16.º, n.º 1, 17.º, n.º 1, e 111.º, al. c) todos do RJUE.
De igual modo, não se descortina ter havido qualquer violação do regime decorrente do art. 133.º, n.º 2, al. h) do CPA por existência de um alegado “caso resolvido administrativo” visto ser, desde logo, duvidosa a inclusão do “caso resolvido administrativo” no âmbito da previsão da aludida alínea (cfr., por todos, Dr. Esteves de Oliveira e outros in: “Código de Procedimento Administrativo”, 2.ª edição, actualizada, revista e aumentada, pág. 650), e, por outro, a entender-se que a situação do “caso resolvido administrativo” em tese se subsume naquele normativo temos que no caso vertente inexiste acto que ofenda qualquer caso julgado/resolvido administrativo, não se vislumbrando inclusive da alegação vertida nos autos pelo A., aqui recorrente, pelos motivos atrás expostos sustentabilidade nesta pretensa ilegalidade já que a mesma não se estriba em qualquer fundamento fáctico-jurídico válido.
Por fim, sustenta o recorrente que “… a entidade recorrida não prova – sobre ela recaía o ónus de efectivar a prova – que o prédio projectado não se integra nas características morfológicas e de volumetria da Rua … e que a operação urbanística “sub judice” estaria sujeita a prévia promoção de operação de loteamento …”.
Refira-se, desde já, que também este fundamento não procede.
Explicitemos o nosso entendimento.
O objecto do acto de indeferimento proferido pelo Sr. Vereador do Pelouro de Urbanismo e Mobilidade da CMP, com fundamento na informação técnica elaborada pelo Sr. Arquitecto Aníbal Caldas, foi o projecto de arquitectura apresentado pelo A. sob o n.º 14318/02 com o aditamento n.º 7285/03.
Tal indeferimento sustenta-se no facto de que:
“2 - De acordo com a alínea i) do artigo 2.º do DL 555/99 com actual redacção, a pretensão do requerente está sujeita a uma operação de loteamento.
3 - Entende-se que a proposta não se integra adequadamente nas características tipo morfológicas e volumétricas da Rua …, que – com excepção do edifício multifamiliar existente constituído por cave + R/C + 3 + 1 recuado adjacente aos edifícios do requerente – apenas possui construções de R/C + 1 ou R/C + recuado de ambos os lados da rua, características do séc. XIX e que têm sido objecto de intervenções recentes de recuperação, contrariando o art. 125.º do RGEU.
4 - Face ao exposto proponho o indeferimento da pretensão com base na alínea a) do n.º 1 e n.º 4 do art. 24.º do DL 555/99 … ”.
Ora temos que, desde logo, o A., aqui recorrente, logo em sede de petição inicial não invoca, nem ataca todos os fundamentos de ilegalidade vertidos no acto administrativo impugnado, mormente, a infracção aos arts. 02.º, al. i) e 24.º, n.º 4 ambos do RJUE, e, por outro lado, a alegação vertida naquele articulado também se mostra insuficiente e inidónea quanto ao pretenso erro sobre os pressupostos de facto de molde a se lograr obter provimento na pretensão impugnatória, sendo certo ainda que todas as ilegalidades assacadas se reportam a um pedido de “informação prévia”, de viabilidade construtiva, que como vimos inexiste na realidade.
Para além disso o mesmo recorrente não invocou, com suficiência, em que medida a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, em que circunstância ocorre violação do art. 24.º, n.º 1, al. a) do RJUE.
É certo que no mesmo se refere o “art. 125.º” do RGEU quando o que estava em crise era o art. 121.º do RGEU, situação que se deveu alegadamente a lapso de escrita tal como invocado na contestação pelo R. e que não mereceu contraditório por parte do A. [cfr. alegações produzidas ao abrigo do art. 91.º do CPTA], sendo que este, quando notificado no âmbito do procedimento, também não havia contraditado ou argumentado algo no sentido de não haver compreendido correctamente o projecto de indeferimento, mormente, os normativos em crise.
O art. 121.º dispõe que “As construções em zonas urbanas ou rurais, seja qual for a sua natureza e o fim a que se destinem, deverão ser delineadas, executadas e mantidas de forma que contribuam para dignificação e valorização estética do conjunto em que venham a integrar-se. Não poderão erigir-se quaisquer construções susceptíveis de comprometerem, pela localização, aparência ou proporções, o aspecto das povoações ou dos conjuntos arquitectónicos, edifícios e locais de reconhecido interesse histórico ou artístico ou de prejudicar a beleza as paisagens”.
Já o art. 125.º do mesmo diploma diz respeito regras sobre instalação de publicidade prevendo que “… As câmaras municipais poderão proibir a instalação de elementos ou objectos de mera publicidade e impor a supressão dos já existentes quando prejudiquem o bom aspecto dos arruamentos e praças ou das construções onde se apliquem”.
Temos, pois, que os fundamentos do indeferimento do pedido de licenciamento formulado pelo A. assentam não apenas na violação do art. 121.º do RGEU mas também no facto da pretensão daquele estar sujeita a prévia promoção de operação de loteamento de acordo com o disposto no art. 02.º, al. i) do RJUE, contrariando, assim, o art. 24.º, n.ºs 1 e 4 do RJUE.
Ora a violação do art. 02.º, al. i) do RJUE, como bem sustenta o R., foi fundamento de indeferimento e não constituiu uma mera condicionante visto que as regras a que obedecem um e outro procedimentos são completamente distintos, tanto a nível substantivo como processual.
Reconduz o recorrente, todavia, a questão, ao que se infere do alegado em sede de alegações, a um pretenso erro sobre os pressupostos de facto e regras de ónus probatório.
São abundantes as afirmações e referências em termos jurisprudenciais no âmbito do anterior contencioso administrativo de que o erro sobre os pressupostos deve ser alegado e provado por quem invoca a ilegalidade, posicionamento este que, essencialmente, mergulhava as suas raízes no princípio da presunção de legalidade dos actos administrativos o qual abrangeria não só o direito sobre que estes incidem como os pressupostos factuais em que assentam.
É hoje inequívoco, todavia, tal como já o era mais recentemente ainda no âmbito do anterior contencioso, que esta presunção de legalidade não pode ser tomada em toda a linha, indistintamente e com plena independência da base onde se sustentam os vícios anulatórios invocados.
Como defende o Dr. Rui Machete “… a presunção de validade é neste caso, um instituto inútil e até pernicioso por poder induzir a pensar que sempre que haja dúvidas, em matéria de pressupostos de facto ou até de direito o tribunal deve decidir contra o autor ou o recorrente particular …” (cfr. “Algumas notas sobre a chamada presunção da legalidade dos actos administrativos” in: Separata aos Estudos em Homenagem do Professor Doutor Pedro Soares Martins, págs. 725/726).
Com efeito, se o princípio tem funcionado na chamada Administração prestadora, consensual, deixou de poder ser aplicado à Administração agressiva, impositiva e ablativa.
Tal como doutrinava no âmbito do anterior regime contencioso o Prof. M. Aroso de Almeida [in: “Cadernos de Justiça Administrativa” (CJA) n.º 20, págs. 47 e segs.] “… As regras de distribuição das consequências da falta de prova não devem ser (…) estabelecidas em função da posição formal que as partes ocupam no quadro da relação processual, por referência ao direito do recorrente à anulação do acto impugnado, mas atendendo às posições que correspondem às partes na relação material que se encontra subjacente ao recurso …”.
De facto, há que distinguir consoante o acto impugnado é um acto de conteúdo positivo, que exprime uma posição da Administração cujos fundamentos a ela cumpre demonstrar pela positiva ou, pelo contrário, é um acto de conteúdo negativo, que se limita a refutar uma pretensão que tinha sido apresentada pelo particular.
No caso vertente estamos perante um acto de conteúdo negativo em que a Administração indeferiu o pedido de licenciamento da edificação com fundamento no facto do mesmo não respeitar várias normas urbanísticas então vigentes.
Nas situações de impugnação de actos de conteúdo negativo importa transpor a distinção entre impugnações e excepções para o próprio plano do procedimento que conduziu à emissão do acto impugnado, utilizando-a para qualificar os fundamentos nos quais se alicerçou para indeferir a pretensão do administrado.
Nas palavras do Prof. Mário Aroso de Almeida “… As impugnações consistirão, então, na alegação, por parte da Administração, de que não se encontravam preenchidos os pressupostos (factos constitutivos) da pretensão do particular; e as excepções consistirão na invocação, por parte da Administração, de factos impeditivos, modificativos ou extintivos dessa pretensão.
(…) se a Administração respondeu ao requerente por impugnação, alegando que não se preenchiam os pressupostos da pretensão do interessado e é isso que ele vem contestar com o recurso, sobre o recorrente deve recair o risco da falta de prova do preenchimento dos pressupostos (…). Se, pelo contrário, a Administração respondeu ao requerente por excepção, invocando a existência de factos impeditivos, modificativos ou extintivos da sua pretensão e é isso que, no recurso, o interessado questiona, é justo que sobre a Administração se fala recair o risco da falta da respectiva demonstração …” (in: loc. cit., págs. 47 e segs.).
Ora na situação vertente em face do posicionamento havido pelo R. no âmbito do procedimento e motivação do indeferimento é ao A., enquanto titular da pretensão substantiva e que pretende ver satisfeita com a emissão de um acto administrativo favorável, que caberia a prova daquele erro sobre os pressupostos ao invés do que o mesmo sustenta.
Na verdade, o R. indeferiu a pretensão do interessado aqui A. sustentando-se não numa defesa por excepção mas antes numa defesa por impugnação visto de traduzir numa negação motivada da pretensão edificadora deduzida pelo A., em que termos é que a mesma não poderia obter o deferimento, sem que nesses fundamentos constem quaisquer factos novos que se possam qualificar como impeditivos, modificativos ou extintivos da pretensão, traduzindo-se num ataque de flanco, de forma transversal, contra aquela pretensão.
Improcede, pois, o recurso jurisdicional “sub judice”, o que importa a manutenção da decisão recorrida com a fundamentação antecedente com as legais consequências.

4. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes deste Tribunal em negar provimento ao recurso, confirmando, assim, com a fundamentação antecedente a decisão judicial recorrida.
Custas nesta instância a cargo do A., aqui recorrente, fixando-se a taxa de justiça nesta instância em 08 (oito) Uc’s e, suprindo-se a omissão existente na condenação em custas em primeira instância, fixa-se aquela mesma taxa de justiça em 04 (quatro) Uc’s [cfr. arts. 73.º-A, n.º 1, 73.º-D, n.º 3, 73.º-E, n.º 1, al. a), 18.º, n.º 2 todos do CCJ e 189.º do CPTA].
Notifique-se. D.N..

Restituam-se aos ilustres mandatários das partes os suportes informáticos gentilmente disponibilizados.

Processado com recurso a meios informáticos, tendo sido revisto e rubricado pelo relator (cfr. art. 138.º, n.º 5 do CPC “ex vi” art. 01.º do CPTA).

Porto, 05 de Julho de 2007
Ass.) Carlos Luís Medeiros Carvalho
Ass.) José Augusto Araújo Veloso
Ass.) Jorge Miguel Barroso Aragão Seia
Processo: 00219/04.5BEPRT

Secção: 1ª Secção - Contencioso Administrativo


Data do Acordão: 07/05/2007

Tribunal: TAF do Porto

Relator: Drº Carlos Luís Medeiros de Carvalho

Descritores: PEDIDO INFORMAÇÃO PRÉVIA
VIABILIDADE CONSTRUÇÃO
DEFERIMENTO TÁCITO
ERRO SOBRE PRESSUPOSTOS

Sumário: I. Num procedimento de “pedido de informação prévia” o requerente tem em vista uma concreta pretensão urbanística relativamente à qual pretende que a Administração dê resposta no sentido de saber se a mesma, por respeitar as normas urbanísticas em vigor, está em condições de ser deferida.
II. Não integra tal pretensão o requerimento do seguinte teor “… vem apresentar a … o “Projecto de Licenciamento” referente a um prédio situado na Rua …, …, solicitando a licença de construção para um prazo de 720 dias …”.
III. Em sede de análise do erro sobre os pressupostos e respectivo ónus probatório há que distinguir consoante o acto impugnado é um acto de conteúdo positivo, que exprime uma posição da Administração cujos fundamentos a ela cumpre demonstrar pela positiva ou, pelo contrário, é um acto de conteúdo negativo, que se limita a refutar uma pretensão que tinha sido apresentada pelo particular.
IV. Se a Administração respondeu ao requerente por impugnação, alegando que não se preenchiam os pressupostos da pretensão do interessado e é isso que ele vem contestar com a acção sobre o A. deve recair o risco da falta de prova do preenchimento dos pressupostos. Se, ao invés, a Administração respondeu ao requerente por excepção, invocando a existência de factos impeditivos, modificativos ou extintivos da sua pretensão e é isso que, na acção, o interessado questiona, sobre a Administração impende o ónus probatório, recaindo sobre si o risco da falta da respectiva demonstração.
V. Estando perante um acto de conteúdo negativo em que a Administração, sustentando-se não numa defesa por excepção mas antes numa defesa por impugnação visto se traduzir numa negação motivada da pretensão edificadora deduzida pelo A. sem que nesses fundamentos constem quaisquer factos novos que se possam qualificar como impeditivos, modificativos ou extintivos da pretensão é ao A., enquanto titular da pretensão substantiva e que pretende ver satisfeita com a emissão de um acto administrativo favorável, que caberia a prova daquele erro sobre os pressupostos. *

* Sumário elaborado pelo Relator


Data de Entrada: 10/17/2006
Recorrente: A...
Recorrido 1: Município do Porto
Votação: Unanimidade


Meio Processual: Acção Administrativa Especial para Condenação à Prática Acto Devido (CPTA) - Recurso Jurisdicional


Aditamento:

Parecer Ministério Publico: Negar provimento ao recurso

1

Decisão Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. RELATÓRIO
A…, devidamente identificado nos autos, inconformado veio interpor recurso jurisdicional da decisão do TAF do Porto, datada de 19/09/2005, que julgou totalmente improcedente a acção administrativa especial deduzida pelo mesmo contra o “MUNICÍPIO DO PORTO”.
Formula, nas respectivas alegações (cfr. fls. 85 e segs. e correcção de fls. 125/127 após despacho do relator de fls.120 - paginação processo em suporte físico tal como as referências posteriores a paginação salvo expressa indicação em contrário), as seguintes conclusões:
“(…)
1. O objecto do presente recurso jurisdicional concretiza-se no segmento decisório do Tribunal a quo que considerou não ter existido deferimento tácito da pretensão apresentada pelo autor, o aqui recorrente;
2. No entanto, entende o recorrente que o Digníssimo Tribunal a quo incorreu num erro de julgamento ao não aderir à alegação de que em causa está um pedido de viabilidade construtiva – informação prévia;
3. Tal erro assenta no pressuposto de que o pedido de licenciamento da obra tem uma autonomia própria em relação ao pretendido procedimento de licenciamento, na sua fase de apreciação de viabilidade construtiva acompanhado de um anteprojecto de arquitectura;
4. No entanto ao fazê-lo, o Tribunal a quo acabou por denegar a Justiça do caso, porquanto não entendeu que esse mesmo conceito de licenciamento não traduz – com propriedade – a realidade que lhe é subjacente: o pedido de viabilidade de um projecto de obra;
5. Noutro conspecto – e sem conceder na tese do pedido de informação prévia – sempre teremos que reafirmar que à data do pedido de licenciamento inexistiam quaisquer plano de urbanização, de pormenor ou medidas preventivas devidamente aprovadas e publicadas que impedissem a construção projectada;
6. De igual modo, o Tribunal a quo ao referir que a pretensão do Autor estaria sujeita a prévia promoção de operação de loteamento para validar o indeferimento, está a transformar um ponto meramente condicionante numa razão base;
7. A douta sentença a quo violou os artigos 16.º/1, 17.º/1, 24.º/1 alínea a) a contrario e 111.º alínea c) ambos do DL n.º 555/99,de 16/12 com as alterações introduzidas pelo DL n.º 177/01,de 04/06;
8. Mais, violou o artigo do 133.º/2 alínea h) do Código do Procedimento Administrativo. (…).”
O ente público R., ora recorrido, apresentou contra-alegações (cfr. fls. 94 e segs.) nas quais pugna pela manutenção do julgado não formulando, contudo, quaisquer conclusões.
O Ministério Público junto deste Tribunal notificado nos termos e para efeitos do disposto no art. 146.º do CPTA emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso (cfr. fls. 136 e 137), parecer esse que objecto de contraditório mereceu apenas resposta por parte do aqui recorrido concordando com o mesmo (cfr. fls. 140).
Colhidos os vistos legais juntos dos Exmos. Juízes-Adjuntos foram os autos remetidos à Conferência para julgamento.

2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo recorrente, sendo certo que, pese embora por um lado, o objecto do recurso se ache delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos arts. 660.º, n.º 2, 664.º, 684.º, n.ºs 3 e 4 e 690.º, n.º 1 todos do Código de Processo Civil (CPC) “ex vi” arts. 01.º e 140.º do CPTA, temos, todavia, que, por outro lado, nos termos do art. 149.º do CPTA o tribunal de recurso em sede de recurso de apelação não se limita a cassar a sentença recorrida, porquanto ainda que declare nula a sentença decide “sempre o objecto da causa, conhecendo de facto e de direito”, pelo que os recursos jurisdicionais são “recursos de ‘reexame’ e não meros recursos de ‘revisão’” [cfr. Prof. J. C. Vieira de Andrade in: “A Justiça Administrativa (Lições)”, 8ª edição, págs. 459 e segs.; Prof. M. Aroso de Almeida e Juiz Cons. C. A. Fernandes Cadilha in: “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, 2.ª edição revista, págs. 850 e 851, nota 1; Dr.ª Catarina Sarmento e Castro em “Organização e competência dos tribunais administrativos” - “Reforma da Justiça Administrativa” - in: “Boletim da Faculdade de Direito Universidade de Coimbra - Stvdia ivridica 86”, págs. 69/71].
As questões suscitadas reconduzem-se, em suma, em determinar se a decisão judicial recorrida ao julgar totalmente improcedente a presente acção administrativa incorreu em erro de julgamento infringindo o dispostos nos arts. 16.º, n.º 1, 17.º, n.º 1, 24.º, n.º 1 al. a), 111.º, al. c) todos do RJUE (DL n.º 555/99, de 16/12 com as alterações introduzidas pelo DL n.º 177/01, de 04/06) e 133.º, n.º 2, al. h) do CPA [cfr. alegações e conclusões de recurso supra reproduzidas].

3. FUNDAMENTOS
3.1. DE FACTO
Com interesse para a decisão da causa, vista factualidade fixada na decisão recorrida não objecto de impugnação [carecida de correcções decorrentes do seu confronto com os elementos documentais juntos aos autos] e a documentação junta, têm-se como provados os seguintes factos:
I) O Autor, através do requerimento registado sob o n.º 14318/02, 25/07, apresentou na Câmara Municipal do Porto um pedido de licenciamento “Projecto de Licenciamento” referente a um prédio situado na Rua …, de acordo com o Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro “… solicitando a licença de construção para um prazo de 720 dias …” - cfr. doc. n.º 1 do PA;
II) O pedido atrás referenciado foi apreciado pelos serviços da CMP e objecto de indeferimento por despacho proferido em 28/10/2003 pelo Sr. Vereador do Pelouro de Urbanismo e Mobilidade, com fundamento na informação técnica elaborada pelo Sr. Arquitecto Aníbal Caldas - cfr. fls. 08/10;
III) Por oficio n.º 4547/03/DMEU, de 20/08/2003, o Autor foi notificado, nos termos do art. 100.º do CPA, de que era intenção da CMP indeferir o projecto aludido em I) “… pelos factos e fundamentos constantes da informação técnica e do despacho do Sr. Director Municipal de Planeamento e Gestão Urbanística …” - cfr. o doc. n.º 2 junto com a p. i.;
IV) Factos não provados: os demais alegados na p.i., mormente que o aqui A. tenha apresentado na … CMP “… um pedido de viabilidade de construção (informação prévia) …”.
«»
3.2. DE DIREITO
Assente a factualidade apurada cumpre, agora, entrar na análise das várias questões suscitadas para se concluir pela procedência ou improcedência da argumentação desenvolvida pelo recorrente no recurso jurisdicional “sub judice”. Estribou-se a decisão judicial recorrida na seguinte argumentação:
“… o objecto do acto de indeferimento do Sr. Vereador do Pelouro de Urbanismo e Mobilidade da CMP, com fundamento na informação técnica elaborada pelo Sr. Arquitecto Aníbal Caldas, foi o projecto de arquitectura apresentado sob o n.º 14318/02.
Deste modo, não houve qualquer deferimento tácito da pretensão apresentada pelo Autor e registada nos serviços da CMP sob o n.º 14318/02.
…, tal só poderia ter-se verificado se se estivesse perante um pedido de informação prévia, o que não aconteceu.
Ora, na ausência de prova do suporte fáctico aventado na p.i. e dado que o despacho “sub judice” se limitou a apreciar (indeferindo-a) a pretensão então apresentada e não aquela que aqui se faz crer, é evidente que o pedido dos autos está condenado ao insucesso.
Repete-se que o A. labora em erro quando alude a requerimento/pedido de viabilidade de construção (informação prévia); como tal, toda a restante argumentação aqui trazida está prejudicada.
Dito de outro modo, o despacho de 28/10/2003 apreciou o “Projecto de Licenciamento” referente a um prédio situado na Rua … e, de acordo com a fundamentação invocada, indeferiu-o, razão pela qual não faz sentido o apelo ao deferimento tácito.
Da fundamentação do acto resulta, por um lado, que o prédio projectado não se integra nas características morfológicas e de volumetria da Rua … e, por outro lado, que a pretensão do Autor estaria sujeita a prévia promoção de operação de loteamento.
Assim sendo, na falta de prova de que o acto posto em crise enferme dos vícios que lhe são atribuídos, ele manter-se-á …”.
O recorrente insurge-se contra esta decisão invocando, no essencial, duas ordens de razões:
I) Que formulou não um pedido de licenciamento mas antes um pedido de viabilidade de construção pelo que ocorreu deferimento tácito do pedido;
II) Que à data do pedido de licenciamento inexistiam quaisquer planos de urbanização, de pormenor ou medidas preventivas devidamente aprovadas e publicadas que impedissem a construção projectada.
Houve, segundo argumenta, errada interpretação e aplicação dos arts. 16.º, n.º 1, 17.º, n.º 1, 24.º, n.º 1 al. a), 111.º, al. c) todos do RJUE e 133.º, n.º 2, al. h) do CPA.
Façamos o prévio cotejo dos normativos a considerar para a apreciação das questões em presença.
Assim, decorre do art. 14.º do RJUE, sob a epígrafe de “Pedido de informação prévia”, que:
“1 - Qualquer interessado pode pedir à câmara municipal, a título prévio, informação sobre a viabilidade de realizar determinada operação urbanística e respectivos condicionamentos legais ou regulamentares, nomeadamente relativos a infra-estruturas, servidões administrativas e restrições de utilidade pública, índices urbanísticos, cérceas, afastamentos e demais condicionantes aplicáveis à pretensão.
2 - Quando o pedido respeite a operação de loteamento, em área não abrangida por plano de pormenor, ou a obra de construção, ampliação ou alteração em área não abrangida por plano de pormenor ou operação de loteamento, o interessado pode requerer que a informação prévia contemple especificamente os seguintes aspectos, em função dos elementos por si apresentados:
a) A volumetria da edificação e a implantação da mesma e dos muros de vedação;
b) Condicionantes para um adequado relacionamento formal e funcional com a envolvente;
c) Programa de utilização das edificações, incluindo a área bruta de construção a afectar aos diversos usos e o número de fogos e outras unidades de utilização;
d) Infra-estruturas locais e ligação às infra-estruturas gerais;
e) Estimativa de encargos urbanísticos devidos.
3 - (…).
4 - (…)”.
Prevê-se no n.º 1 do art. 16.º do mesmo diploma, com a epígrafe de “Deliberação”, que:
“A câmara municipal delibera sobre o pedido de informação prévia no prazo de 20 dias ou, no caso previsto no n.º 2 do artigo 14.º, no prazo de 30 dias contados a partir:
a) Da data da recepção do pedido ou dos elementos solicitados nos termos do n.º 4 do artigo 11.º; ou
b) Da data da recepção do último dos pareceres, autorizações ou aprovações emitidos pelas entidades exteriores ao município, quando tenha havido lugar a consultas; ou ainda
c) Do termo do prazo para a recepção dos pareceres, autorizações ou aprovações, sempre que alguma das entidades consultadas não se pronuncie até essa data.”
Resulta, ainda, do n.º 1 do art. 17.º do RJUE que “O conteúdo da informação prévia aprovada vincula as entidades competentes na decisão sobre um eventual pedido de licenciamento ou autorização da operação urbanística a que respeita, desde que tal pedido seja apresentado no prazo de um ano a contar da data da notificação da mesma ao requerente.”
Por outro lado, na subsecção seguinte relativa à “Licença” prevê-se no art. 18.º que:
“1 - Obedece ao procedimento regulado na presente subsecção a apreciação dos pedidos relativos às operações urbanísticas previstas no n.º 2 do artigo 4.º.
2 - No âmbito do procedimento de licenciamento há lugar a consulta às entidades que, nos termos da lei, devam emitir parecer, autorização ou aprovação sobre o pedido, excepto nos casos previstos no n.º 2 do artigo 17.º.”
E na al. a) do n.º 1 do art. 24.º, sob a epígrafe de “Indeferimento do pedido de licenciamento“, estipula-se que:
“O pedido de licenciamento é indeferido quando:
a) Violar plano municipal de ordenamento do território, plano especial de ordenamento do território, medidas preventivas, área de desenvolvimento urbano prioritário, área de construção prioritária, servidão administrativa, restrição de utilidade pública ou quaisquer outras normas legais e regulamentares aplicáveis; (…).”
Decorre da al. c) do art. 111.º do mesmo diploma que:
“Decorridos os prazos fixados para a prática de qualquer acto especialmente regulado no presente diploma sem que o mesmo se mostre praticado, observa-se o seguinte:
(…) c) Tratando-se de qualquer outro acto, considera-se tacitamente deferida a pretensão, com as consequências gerais.”
Por fim, estipula-se no art. 133.º do CPA, sob a epígrafe “actos nulos”, que:
“1 - São nulos os actos a que falte qualquer dos elementos essenciais ou para os quais a lei comine expressamente essa forma de invalidade.
2 - São, designadamente, actos nulos:
a) Os actos viciados de usurpação de poderes;
b) Os actos estranhos às atribuições dos ministérios ou das pessoas colectivas referidas no artigo 2.º em que o seu autor se integre;
c) Os actos cujo objecto seja impossível, ininteligível ou constitua um crime;
d) Os actos que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental;
e) Os actos praticados sob coacção;
f) Os actos que careçam em absoluto de forma legal;
g) As deliberações de órgãos colegiais que forem tomadas tumultuosamente ou com inobservância do quórum ou da maioria legalmente exigidos;
h) Os actos que ofendam os casos julgados;
i) Os actos consequentes de actos administrativos anteriormente anulados ou revogados, desde que não haja contra-interessados com interesse legítimo na manutenção do acto consequente.”
Sendo este o quadro legal no âmbito do qual nos movemos e que importa considerar apreciemos, então, de per si cada um dos fundamentos de recurso.
Ora temos que, desde logo, não se vislumbra o mínimo de consistência e sustentabilidade quanto ao primeiro fundamento.
Na verdade, não se descortina pela simples análise dos factos provados, aliás, não postos minimamente em causa no âmbito do presente recurso, e do procedimento administrativo apenso, onde e em que momento o aqui recorrente formulou junto do R. algum pedido de informação prévia sobre viabilidade de construção.
O requerimento pelo mesmo deduzido e subscrito pelo seu teor e termos é claro e inequívoco no sentido de que se tratava de um pedido de “licenciamento” e não dum pedido de “informação prévia”. Do mesmo consta que “A… …, vem apresentar a V. Ex.ª o “Projecto de Licenciamento” referente a um prédio situado na Rua …, …, solicitando a licença de construção para um prazo de 720 dias. (…)” (sublinhados nossos).
Ora dúvidas não se nos colocam que o mesmo formulou junto do R. foi não um procedimento de “informação prévia” disciplinado pelos arts. 14.º e segs. do RJUE mas sim um pedido de “licenciamento” regulado pelos arts. 18.º e segs. do mesmo diploma.
Num procedimento de “pedido de informação prévia” o requerente tem em vista uma concreta pretensão urbanística relativamente à qual pretende que a Administração dê resposta no sentido de saber se a mesma, por respeitar as normas urbanísticas em vigor, está em condições de ser deferida.
Tal como referem Dr.ªs Maria José Castanheira Neves, Fernanda Paula Oliveira e Dulce Lopes “… A informação prévia fornecida pela câmara municipal não é uma mera actuação de natureza declarativa mas um verdadeiro acto administrativo que se pronuncia (de forma prévia ou antecipada) sobre uma determinada operação urbanística. Trata-se de um acto prévio de natureza verificativa e sem carácter permissivo, na medida em que não é com base nele que o particular pode promover e executar a operação urbanística apreciada. Para tal o particular terá de dar início a outro procedimento administrativo tendente ao licenciamento da operação urbanística, este sim, o acto que se pronuncia, de forma final e definitiva, sobre a operação urbanística, tendo, por isso, natureza permissiva. (…), estamos perante um acto prévio a um acto de licenciamento ou de autorização pelo que só tem razão de ser em função deles …” (in: “Regime Jurídico da Urbanização e Edificação - Comentado”, págs. 157).
Na situação vertente, pelos termos em que se mostra formulada a pretensão administrativa, dúvidas não existem de que não se trata de qualquer “pedido de informação prévia” e, como tal, que quanto ao mesmo se haja formado deferimento tácito [art. 111.º, al. c) do RJUE], pelo que não ocorre infracção ou errada aplicação do regime decorrente dos arts. 16.º, n.º 1, 17.º, n.º 1, e 111.º, al. c) todos do RJUE.
De igual modo, não se descortina ter havido qualquer violação do regime decorrente do art. 133.º, n.º 2, al. h) do CPA por existência de um alegado “caso resolvido administrativo” visto ser, desde logo, duvidosa a inclusão do “caso resolvido administrativo” no âmbito da previsão da aludida alínea (cfr., por todos, Dr. Esteves de Oliveira e outros in: “Código de Procedimento Administrativo”, 2.ª edição, actualizada, revista e aumentada, pág. 650), e, por outro, a entender-se que a situação do “caso resolvido administrativo” em tese se subsume naquele normativo temos que no caso vertente inexiste acto que ofenda qualquer caso julgado/resolvido administrativo, não se vislumbrando inclusive da alegação vertida nos autos pelo A., aqui recorrente, pelos motivos atrás expostos sustentabilidade nesta pretensa ilegalidade já que a mesma não se estriba em qualquer fundamento fáctico-jurídico válido.
Por fim, sustenta o recorrente que “… a entidade recorrida não prova – sobre ela recaía o ónus de efectivar a prova – que o prédio projectado não se integra nas características morfológicas e de volumetria da Rua … e que a operação urbanística “sub judice” estaria sujeita a prévia promoção de operação de loteamento …”.
Refira-se, desde já, que também este fundamento não procede.
Explicitemos o nosso entendimento.
O objecto do acto de indeferimento proferido pelo Sr. Vereador do Pelouro de Urbanismo e Mobilidade da CMP, com fundamento na informação técnica elaborada pelo Sr. Arquitecto Aníbal Caldas, foi o projecto de arquitectura apresentado pelo A. sob o n.º 14318/02 com o aditamento n.º 7285/03.
Tal indeferimento sustenta-se no facto de que:
“2 - De acordo com a alínea i) do artigo 2.º do DL 555/99 com actual redacção, a pretensão do requerente está sujeita a uma operação de loteamento.
3 - Entende-se que a proposta não se integra adequadamente nas características tipo morfológicas e volumétricas da Rua …, que – com excepção do edifício multifamiliar existente constituído por cave + R/C + 3 + 1 recuado adjacente aos edifícios do requerente – apenas possui construções de R/C + 1 ou R/C + recuado de ambos os lados da rua, características do séc. XIX e que têm sido objecto de intervenções recentes de recuperação, contrariando o art. 125.º do RGEU.
4 - Face ao exposto proponho o indeferimento da pretensão com base na alínea a) do n.º 1 e n.º 4 do art. 24.º do DL 555/99 … ”.
Ora temos que, desde logo, o A., aqui recorrente, logo em sede de petição inicial não invoca, nem ataca todos os fundamentos de ilegalidade vertidos no acto administrativo impugnado, mormente, a infracção aos arts. 02.º, al. i) e 24.º, n.º 4 ambos do RJUE, e, por outro lado, a alegação vertida naquele articulado também se mostra insuficiente e inidónea quanto ao pretenso erro sobre os pressupostos de facto de molde a se lograr obter provimento na pretensão impugnatória, sendo certo ainda que todas as ilegalidades assacadas se reportam a um pedido de “informação prévia”, de viabilidade construtiva, que como vimos inexiste na realidade.
Para além disso o mesmo recorrente não invocou, com suficiência, em que medida a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, em que circunstância ocorre violação do art. 24.º, n.º 1, al. a) do RJUE.
É certo que no mesmo se refere o “art. 125.º” do RGEU quando o que estava em crise era o art. 121.º do RGEU, situação que se deveu alegadamente a lapso de escrita tal como invocado na contestação pelo R. e que não mereceu contraditório por parte do A. [cfr. alegações produzidas ao abrigo do art. 91.º do CPTA], sendo que este, quando notificado no âmbito do procedimento, também não havia contraditado ou argumentado algo no sentido de não haver compreendido correctamente o projecto de indeferimento, mormente, os normativos em crise.
O art. 121.º dispõe que “As construções em zonas urbanas ou rurais, seja qual for a sua natureza e o fim a que se destinem, deverão ser delineadas, executadas e mantidas de forma que contribuam para dignificação e valorização estética do conjunto em que venham a integrar-se. Não poderão erigir-se quaisquer construções susceptíveis de comprometerem, pela localização, aparência ou proporções, o aspecto das povoações ou dos conjuntos arquitectónicos, edifícios e locais de reconhecido interesse histórico ou artístico ou de prejudicar a beleza as paisagens”.
Já o art. 125.º do mesmo diploma diz respeito regras sobre instalação de publicidade prevendo que “… As câmaras municipais poderão proibir a instalação de elementos ou objectos de mera publicidade e impor a supressão dos já existentes quando prejudiquem o bom aspecto dos arruamentos e praças ou das construções onde se apliquem”.
Temos, pois, que os fundamentos do indeferimento do pedido de licenciamento formulado pelo A. assentam não apenas na violação do art. 121.º do RGEU mas também no facto da pretensão daquele estar sujeita a prévia promoção de operação de loteamento de acordo com o disposto no art. 02.º, al. i) do RJUE, contrariando, assim, o art. 24.º, n.ºs 1 e 4 do RJUE.
Ora a violação do art. 02.º, al. i) do RJUE, como bem sustenta o R., foi fundamento de indeferimento e não constituiu uma mera condicionante visto que as regras a que obedecem um e outro procedimentos são completamente distintos, tanto a nível substantivo como processual.
Reconduz o recorrente, todavia, a questão, ao que se infere do alegado em sede de alegações, a um pretenso erro sobre os pressupostos de facto e regras de ónus probatório.
São abundantes as afirmações e referências em termos jurisprudenciais no âmbito do anterior contencioso administrativo de que o erro sobre os pressupostos deve ser alegado e provado por quem invoca a ilegalidade, posicionamento este que, essencialmente, mergulhava as suas raízes no princípio da presunção de legalidade dos actos administrativos o qual abrangeria não só o direito sobre que estes incidem como os pressupostos factuais em que assentam.
É hoje inequívoco, todavia, tal como já o era mais recentemente ainda no âmbito do anterior contencioso, que esta presunção de legalidade não pode ser tomada em toda a linha, indistintamente e com plena independência da base onde se sustentam os vícios anulatórios invocados.
Como defende o Dr. Rui Machete “… a presunção de validade é neste caso, um instituto inútil e até pernicioso por poder induzir a pensar que sempre que haja dúvidas, em matéria de pressupostos de facto ou até de direito o tribunal deve decidir contra o autor ou o recorrente particular …” (cfr. “Algumas notas sobre a chamada presunção da legalidade dos actos administrativos” in: Separata aos Estudos em Homenagem do Professor Doutor Pedro Soares Martins, págs. 725/726).
Com efeito, se o princípio tem funcionado na chamada Administração prestadora, consensual, deixou de poder ser aplicado à Administração agressiva, impositiva e ablativa.
Tal como doutrinava no âmbito do anterior regime contencioso o Prof. M. Aroso de Almeida [in: “Cadernos de Justiça Administrativa” (CJA) n.º 20, págs. 47 e segs.] “… As regras de distribuição das consequências da falta de prova não devem ser (…) estabelecidas em função da posição formal que as partes ocupam no quadro da relação processual, por referência ao direito do recorrente à anulação do acto impugnado, mas atendendo às posições que correspondem às partes na relação material que se encontra subjacente ao recurso …”.
De facto, há que distinguir consoante o acto impugnado é um acto de conteúdo positivo, que exprime uma posição da Administração cujos fundamentos a ela cumpre demonstrar pela positiva ou, pelo contrário, é um acto de conteúdo negativo, que se limita a refutar uma pretensão que tinha sido apresentada pelo particular.
No caso vertente estamos perante um acto de conteúdo negativo em que a Administração indeferiu o pedido de licenciamento da edificação com fundamento no facto do mesmo não respeitar várias normas urbanísticas então vigentes.
Nas situações de impugnação de actos de conteúdo negativo importa transpor a distinção entre impugnações e excepções para o próprio plano do procedimento que conduziu à emissão do acto impugnado, utilizando-a para qualificar os fundamentos nos quais se alicerçou para indeferir a pretensão do administrado.
Nas palavras do Prof. Mário Aroso de Almeida “… As impugnações consistirão, então, na alegação, por parte da Administração, de que não se encontravam preenchidos os pressupostos (factos constitutivos) da pretensão do particular; e as excepções consistirão na invocação, por parte da Administração, de factos impeditivos, modificativos ou extintivos dessa pretensão.
(…) se a Administração respondeu ao requerente por impugnação, alegando que não se preenchiam os pressupostos da pretensão do interessado e é isso que ele vem contestar com o recurso, sobre o recorrente deve recair o risco da falta de prova do preenchimento dos pressupostos (…). Se, pelo contrário, a Administração respondeu ao requerente por excepção, invocando a existência de factos impeditivos, modificativos ou extintivos da sua pretensão e é isso que, no recurso, o interessado questiona, é justo que sobre a Administração se fala recair o risco da falta da respectiva demonstração …” (in: loc. cit., págs. 47 e segs.).
Ora na situação vertente em face do posicionamento havido pelo R. no âmbito do procedimento e motivação do indeferimento é ao A., enquanto titular da pretensão substantiva e que pretende ver satisfeita com a emissão de um acto administrativo favorável, que caberia a prova daquele erro sobre os pressupostos ao invés do que o mesmo sustenta.
Na verdade, o R. indeferiu a pretensão do interessado aqui A. sustentando-se não numa defesa por excepção mas antes numa defesa por impugnação visto de traduzir numa negação motivada da pretensão edificadora deduzida pelo A., em que termos é que a mesma não poderia obter o deferimento, sem que nesses fundamentos constem quaisquer factos novos que se possam qualificar como impeditivos, modificativos ou extintivos da pretensão, traduzindo-se num ataque de flanco, de forma transversal, contra aquela pretensão.
Improcede, pois, o recurso jurisdicional “sub judice”, o que importa a manutenção da decisão recorrida com a fundamentação antecedente com as legais consequências.

4. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes deste Tribunal em negar provimento ao recurso, confirmando, assim, com a fundamentação antecedente a decisão judicial recorrida.
Custas nesta instância a cargo do A., aqui recorrente, fixando-se a taxa de justiça nesta instância em 08 (oito) Uc’s e, suprindo-se a omissão existente na condenação em custas em primeira instância, fixa-se aquela mesma taxa de justiça em 04 (quatro) Uc’s [cfr. arts. 73.º-A, n.º 1, 73.º-D, n.º 3, 73.º-E, n.º 1, al. a), 18.º, n.º 2 todos do CCJ e 189.º do CPTA].
Notifique-se. D.N..

Restituam-se aos ilustres mandatários das partes os suportes informáticos gentilmente disponibilizados.

Processado com recurso a meios informáticos, tendo sido revisto e rubricado pelo relator (cfr. art. 138.º, n.º 5 do CPC “ex vi” art. 01.º do CPTA).

Porto, 05 de Julho de 2007
Ass.) Carlos Luís Medeiros Carvalho
Ass.) José Augusto Araújo Veloso
Ass.) Jorge Miguel Barroso Aragão Seia

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