sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Inspirações

O que se segue é um petisco interessante. Pode bem servir de catalisador a uma boa simulação.

Acórdãos STA
Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo: 0120/08

Data do Acordão: 10-09-2008

Tribunal: 2 SUBSECÇÃO DO CA

Relator: SÃO PEDRO

Descritores: FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL
QUESTÃO ESTRITAMENTE DESPORTIVA

Sumário: I - Conforme o disposto no artigo 25º, 1 da Lei de Bases do Desporto (Lei nº 1/90, de 13 de Janeiro), são impugnáveis nos termos gerais de direito, as decisões e deliberações definitivas das entidades que integram o associativismo desportivo.
II - Porém, nos termos do número 2 do artigo 25º da mesma Lei de Bases do Desporto, não susceptíveis de recurso fora das instâncias competentes na ordem desportiva as decisões e deliberações sobre questões estritamente desportivas.
III - Segundo o disposto no mesmo preceito, são questões estritamente desportivas aquelas que tenham por fundamento normas de natureza técnica ou de carácter disciplinar, emergentes da aplicação das leis do jogo, dos regulamentos e das regras de organização das respectivas provas.
IV - Por leis do jogo deve entender-se o conjunto de regras que, relativamente a cada disciplina desportiva, têm por função definir os termos da confrontação desportiva e que se traduzem em regras técnico - desportivas que ordenam a conduta, as acções e omissões, dos desportistas nas actividades das suas modalidades e que, por isso, são de aplicação imediata no desenrolar das provas e competições desportivas.
V - Face à garantia constitucional do direito ao recurso contencioso de todos os actos administrativos lesivos, impõe-se uma interpretação restritiva do art. 25º, 1 da Lei 1/90, de modo a não se considerarem questões estritamente desportivas subtraídas à jurisdição do Estado, as decisões que ponham em causa direitos fundamentais, direitos indisponíveis ou bens jurídicos protegidos por outras normas jurídicas para além dos estritamente relacionados com a prática desportiva (corrupção, "dopagem", etc.).
VI - Não é uma questão estritamente desportiva a deliberação que, nos termos do art. 38º, 1, d) do Regulamento Disciplinar da Federação Portuguesa de Futebol, reordenou a classificação final de um campeonato de futebol, na sequência da desclassificação de um outro clube, designadamente no que respeita à questão de saber se tal preceito viola ou não o 30º, n.º 4 da Constituição e 65º do Código Penal, isto é, se tal preceito viola o princípio, segundo o qual só pode haver pena se houver ilicitude e culpa.


Nº Convencional: JSTA00065167
Nº do Documento: SA1200809100120
Data de Entrada: 11-02-2008
Recorrente: CONSELHO DE JUSTIÇA DA FPF - MINISTÉRIO PÚBLICO
Recorrido 1: A...
Recorrido 2: OUTROS
Votação: UNANIMIDADE


Meio Processual: REC JURISDICIONAL.
Objecto: SENT TAF LISBOA DE 2006/12/05 PER SALTUM.
Decisão: PROVIDO.
Área Temática 1: DIR ADM CONT - ACTO.
Legislação Nacional: L 1/90 DE 1990/01/13 ART25 ART22.
CONST ART20 ART205 ART30.
L 5/2007 DE 2007/01/16.
CP95 ART65.
Jurisprudência Nacional: AC TCF PROC7/2003 DE 2003/07/09.; AC STA PROC262/06 DE 2006/06/07.; AC TC N473/98 IN DR IIS DE 1998/11/23.; AC STA PROC48403 DE 2002/02/13.
Referência a Doutrina: JOSÉ MEIRIM IN CJA N43 PAG37.
ALMEIDA LOPES A JUSTIÇA DESPORTIVA IN REVISTA DA FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DO PORTO N4 PAG175 PAG185 PAG193.
PEIXOTO MADUREIRA E OUTRO FUTEBOL GUIA JURÍDICO PAG1602.
GOMES CANOTILHO E OUTRO CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA ANOTADA ART205.


Aditamento:


Texto Integral
Texto Integral
Texto Integral: Acordam na 1.ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo
1. Relatório
1.1. A A… interpôs RECURSO CONTENCIOSO DE ANULAÇÃO da deliberação do CONSELHO DE JUSTIÇA DA FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL, que manteve a deliberação da Direcção da FPF que a classificou em décimo quinto lugar do campeonato da III Divisão de Futebol, Série E, relativamente à época desportiva de 2002/2003, e em consequência, consumou a sua descida ao Campeonato Regional da Madeira de Futebol (I divisão). Indicou como contra-interessados os 17 clubes que integravam a referida Série E, da III Divisão de Futebol.
1.2. Em 5-1-2006, foi proferida decisão sobre a questão prévia da falta de competência dos Tribunais do Estado.
Decidiu-se julgar o Tribunal competente.
1.2.1. Dessa decisão foi interposto recurso pelo Conselho de Justiça da Federação Portuguesa de Futebol que, após reclamação para o Ex.mo Sr. Presidente do Tribunal Central Administrativo – Sul, veio a ser admitido.
Terminou as alegações, formulando as conclusões seguintes:
I. A decisão do tribunal a quo assentou numa errada interpretação da Lei de Bases do Sistema Desportivo, Lei 1/90 de 13 de Janeiro;
II. O legislador entendeu quando aprovou a LBSD (Lei 1/90) que as especificidades existentes no desporto não se coadunam com o recurso para os tribunais em matérias que, pela sua natureza, devam ser decididas por instâncias disciplinares e jurisdicionais das federações que regem a mesma modalidade;
III. Assim também entendeu o STJ, em douto Ac. de 18 de Abril de 1991;
IV. A Lei 1/90, estabelecia, no seu art. 25°, n° 2, que «as decisões e questões estritamente desportivas que tenham por fundamento a violação de normas técnicas ou de carácter disciplinar não são impugnáveis fora das instâncias competentes na ordem desportiva».
V. Também o Tribunal Constitucional definiu como estritamente desportivas as decisões e deliberações que «tenham por fundamento a violação de normas de natureza técnica ou de carácter disciplinar», em doutos Acs. 473/98 e 488/98, I série, n° 284, de 10 de Dezembro.
VI. As federações detêm o poder, que lhes foi legalmente concedido, de elaborar e aprovar os regulamentos de natureza disciplinar, provas e arbitragem e das demais matérias estabelecidas na Lei, detendo ainda o poder público para aplicar e fazer cumprir essas mesmas leis.
VII. No entanto, a norma que prevê a desclassificação e seus efeitos foi aprovada pela Assembleia-Geral da Federação Portuguesa de Futebol e faz parte integrante do regulamento Disciplinar da mesma Federação.
VIII. É uma norma de natureza disciplinar e, como tal, reveste natureza de “questão estritamente desportiva”, face ao disposto na LBSD, LBD e Regime Disciplinar das Federações.
IX. Por outro lado, os efeitos da desclassificação são aplicáveis a todos os intervenientes na prova, de forma a salvaguardar o princípio da igualdade desportiva.
X. Assim, a deliberação do Conselho de Justiça da Federação Portuguesa de Futebol que pune um clube com desclassificação, à luz da anterior Lei de Bases - Lei 1/90 - aplicável à data dos factos, é uma questão estritamente desportiva e, como tal, inimpugnável nos termos gerais do direito.
XI. A actual Lei de Bases, a Lei 30/2004 em nada altera este entendimento, apenas vem balizar o que se entende por questão estritamente desportiva, na qual se incluem as normas disciplinares.
1.3. Foi proferida sentença em 5-12-2006, declarando nula a deliberação/acórdão impugnado.
1.3.1. Da mesma sentença foram interpostos recursos pelo Ministério Público e pela entidade recorrida (Conselho de Justiça da Federação Portuguesa de Futebol).
1.3.1.1. O Ministério Público terminou as suas alegações de recurso, com as seguintes conclusões:
A) O objecto do presente recurso é o de ter sido julgado procedente o Recurso Contencioso de Anulação apresentado por A…, relativamente à decisão do Conselho de Justiça da Federação Portuguesa de Futebol, que decidiu manter a deliberação da Direcção da FPF, que ordenou a reclassificação da Zona E, da III Divisão Nacional, na sequência da decisão do Conselho de Justiça que condenou o Clube Desportivo B… na pena de desclassificação e multa de cinco mil euros, pela prática da infracção prevista e punida pelo art.° 52, n.° 1 e 3, com referência ao art.° 38, n.° 1, al. a), b) e d), ambos do R. D..
B) Resulta do processo disciplinar n.° …, (Processo instrutor) instaurado contra Clube Desportivo B… que o Conselho de Disciplina da FPF, por acórdão de 04 de Julho de 2003, puniu o clube arguido com a pena de desclassificação e multa de 5.000,00€ e, “in fine” o seguinte: “Notifique-se por fax os clubes SPG C…, ACD A… e AC. D…, por serem os únicos a quem a decisão pode interessar, uma vez que implica a alteração na sua classificação, devendo essa notificação ser levada em conta na contagem para os mesmos do prazo do eventual recurso”.
C) O acórdão do Conselho de Disciplina foi notificado por fax, à Associação Cultural e Desportiva A…, no dia 4-7-2003, às 17.12 horas (cfr fls. 223 e 224 do processo disciplinar n.º …);
D) Ao tomar conhecimento do acórdão do Conselho de Disciplina o Presidente da Direcção da A. C. D. A…, ficou a saber e a conhecer a pena aplicada ao Clube Desportivo B…, assim como os efeitos da desclassificação deste clube e ainda que a classificação do seu clube iria ser alterada, resultando dessa alteração a despromoção do seu clube aos Campeonatos Distritais da Associação Regional da Madeira.
E) Apesar disso, não recorreu do acórdão do Conselho de Disciplina para o Conselho de Justiça, (último grau de jurisdição dos órgãos jurisdicionais da FPF), conformando-se com a decisão que desclassificou o “C. D. B…”, restando-lhe, agora, aceitar a decisão da Direcção da FPF.
F) Contudo, o recurso interposto pelo C. D. B… para o Conselho de Justiça, ainda poderia aproveitar o aqui recorrente.
G) Acontece que, o Conselho de Justiça confirmou o acórdão do Conselho de Disciplina, mantendo assim a desclassificação do B… e a despromoção aos Campeonatos Regionais do ora recorrente, face ao resultado do jogo disputados entre ambos os clubes. (cfr. fls. 262 e ss. do processo disciplinar n.° …-2002/2003, Proc. n.º 1 - C.J. 2003/2004, do Processo Instrutor).
H) Tal acórdão transitou em julgado, de imediato, por ser insusceptível de recurso.
I) O acórdão do Conselho de Justiça foi comunicado à Direcção da FPF, que solicitou ao Departamento de Registos e Competições que elaborasse nova tabela classificativa da Série E, do C. N. da III Divisão, em função do resultado dos jogos, tendo em atenção a desclassificação do Clube Desportivo B… e os seus efeitos.
J) Elaborada a tabela classificativa, a Direcção da FPF, através de Comunicado Oficial homologou os resultados dessa série e, em consequência a tabela classificativa.
K) Dessa deliberação da Direcção da FPF, que homologou os resultados e a tabela classificativa o recorrente interpôs recurso para o Conselho de Justiça.
L) A deliberação da Direcção só seria susceptível de recurso para o Conselho de Justiça se o acórdão desse órgão não estivesse a ser cumprido ou se estivesse a ser mal cumprido, “maxime” se a tabela classificativa estivesse mal ordenada.
M) Não é o caso dos autos e essa deliberação é irrecorrível, uma vez que a deliberação apenas dá cumprimento a um acórdão transitado em julgado, por ser o único órgão que cumpre e faz cumprir as decisão dos Conselhos Jurisdicionais quando está em causa homologação dos Campeonatos organizados pela própria FPF.
N) O que a A. C. D. A… devia ter feito, era atacar nos tribunais, não o acórdão do Conselho de Justiça que confirmou a deliberação da Direcção, mas sim o acórdão do Conselho de Justiça que confirmou o acórdão do Conselho de Disciplina, em que foi recorrente o Clube Desportivo B…, admitindo que o recurso interposto aproveita ao recorrente como parte interessada.
O) Esse acórdão é única decisão dos órgãos da Federação Portuguesa de Futebol que produziu efeitos jurídicos na A.C. D. A….
P) Andou mal o recorrente.
Q) Atacou o acórdão errado.
R) Por sua vez, andou bem a FPF que deu integral cumprimento ao que foi decidido no acórdão do Conselho de Justiça.
S) Na douta sentença faz-se referência ao art.° 38.° do R. D. da FPF e conclui-se que a desclassificação é um acto nulo, porque ocorreu após o fim do campeonato, pelo que tais normas não são de todo aplicáveis e que, caso fossem aplicáveis, são irrazoáveis, desproporcionadas, absurdas, ilógicas e infundadas.
T) Os factos que levaram à instauração do processo de averiguações contra o Clube Desportivo B… e o árbitro E… ocorreram no dia 19 de Janeiro de 2003, por ocasião do jogo n.° 135 157, disputado nesse dia, no Estádio do C. D. B…, no Funchal, entre as equipas representativas do Clube Desportivo B… e o S. C. F…, a contar para o Campeonato Nacional de III Divisão, Série E. (cfr. fls. 10 do Processo Disciplinar n.° …- P. Instrutor).
U) Concluído o processo de averiguações, foi o mesmo transformado em processo disciplinar contra o Clube e o árbitro do encontro. (cfr. fls. 102 a 108 do Proc. disciplinar n.° … do P. Instrutor)
V) Por decisão do Conselho de Disciplina da FPF, datada de 04 de Julho de 2003, foi o Clube Desportivo B… condenado na pena de desclassificação e na multa de 5.000,00€ (cfr. fls. 209 a 216 do Processo Disciplinar n.° … - P. Instrutor).
W) Inconformado com esse acórdão veio o C. D. B… interpôr recurso para o Conselho de Justiça que confirmou a decisão do Conselho de Disciplina. (cfr. fls. 261 a 265, do Processo disciplinar n.° …- P. 1. anexo).
X) É óbvio que estamos perante factos que ocorreram durante e por causa dos jogos disputados na Série E, do C. N. da III Divisão.
Y) É ainda mais óbvio que a conclusão do processo de averiguações, as quatro fases do processo disciplinar (instrução, acusação, defesa e decisão) e finalmente o recurso para o Conselho de Justiça e posteriormente a deliberação da Direcção que cumpriu o acórdão do Conselho de Justiça, levou o seu tempo.
Z) Por essas razões, a deliberação que procedeu à reclassificação ocorreu já depois de findo o campeonato.
AA) O art.° 38, als. c), e d) do n.° 1 do RD, quando se referem à primeira e segunda volta, querem, naturalmente, aludir à desclassificação advinda de factos praticados na primeira e segunda volta e não à data em que a decisão que aplicou a pena de desclassificação foi proferida, tanto quanto é certo que, como se disse, a decisão, exarada no final de processo disciplinar usualmente complexo e demorado, não coincide no tempo com a fase da prova em que a infracção foi cometida.
BB) É, aliás, com esse real sentido interpretativo que a al. e) do n.° 1 do mesmo art. 38.° estabelece que “se a pena de desclassificação respeitar a factos ocorridos nas últimas três jornadas da competição, à pena de desclassificação acresce a de suspensão por uma época desportiva”.
CC) É, portanto, indubitável que, quando nas als. c) e d) do n° 1 do art. 38° do RD se referem a primeira e segunda voltas da competição, se pretende aí ver consignada a data da prática dos factos que desencadearam a desclassificação e não a data em que a decisão punitiva veio a ser proferida.
DD) Tal interpretação dos preceitos indicados é, aliás, a que traduz o pensamento legislativo reconstituído a partir do respectivo texto, e, consequentemente, a única que se coaduna com as regras de interpretação fixadas no art. 9°, n° 1, do C. Civil.
EE) No que se refere à terminologia usada pelo Senhor Juiz, a quo, para classificar a norma do art.° 38 do Regulamento Disciplinar como “irrazoáveis, desproporcionadas, absurdas, ilógicas e infundadas” é tudo uma questão de adjectivos.
1.3.1.2 O Conselho de Justiça da Federação Portuguesa de Futebol também recorreu da sentença final, terminando as alegações com as seguintes conclusões:
I. O objecto do presente recurso é o de ter sido julgado procedente o Recurso Contencioso de Anulação apresentado pela Associação Cultural Desportiva de A…, declarando nula a deliberação/acórdão de 28 de Agosto de 2003 proferido nos autos de recurso n.° 13/CJ - 03/04, o qual fora interposto de deliberação da Direcção da FPF, que classificou a Associação Cultural Desportiva de A… no décimo quinto lugar do Campeonato Nacional da 3ª Divisão, Série E, relativo à época desportiva de 2002/2003, como resultado da pena disciplinar de desclassificação aplicada ao Clube Desportivo B…, no âmbito do processo disciplinar n° …, que correu os seus termos no Conselho de Disciplina da FPF;
II. Conselho de Disciplina da FPF, por acórdão de 04 de Julho de 2003, puniu o C.D. B… com a pena de desclassificação e multa de 5.000,00€, no âmbito do Processo Disciplinar n.° …;
III. Tal acórdão do Conselho de Disciplina foi devidamente notificado por fax, à A.C.D. A…, no dia 04 de Julho de 2003, para efeitos do competente recurso para o Conselho de Justiça;
IV. A Associação Cultural e Desportiva A…, sendo participante nas competições da FPF, sabia e tinha a obrigação de conhecer os regulamentos que norteiam a competição na qual estava inserida, nomeadamente, o Regulamento Disciplinar aplicável à mesma competição;
V. Ao tomar conhecimento da decisão do Conselho de Disciplina da FPF, aplicada ao Clube Desportivo B…, ficou a Associação Cultural e Desportiva A… com perfeito conhecimento das implicações que tal decisão iria produzir na sua esfera jurídica, nomeadamente as previstas no Artigo 38° do Regulamento Disciplinar da FPF;
VI. Sabendo destas consequências, a Associação Cultural e Desportiva A… nada fez para ver anulada a decisão proferida no Processo Disciplinar, apesar de lhe ter sido reconhecido interesse nos autos, através da notificação da decisão do Conselho de Disciplina;
VII. Conformando-se com a decisão que desclassificou o Clube Desportivo B… e aceitando os efeitos daí decorrentes;
VIII. A Associação Cultural e Desportiva A… não é terceiro alheio à decisão do processo disciplinar n° …, mas sim sujeito interessado no mesmo processo;
IX. A Associação Cultural e Desportiva A… tinha interesse directo e legítimo em recorrer contra a decisão do Processo Disciplinar n° … para evitar os efeitos da referida decisão, nos termos do disposto no artigo 23° do Regimento do Conselho de Justiça;
X. O Clube Desportivo B… interpôs recurso do acórdão do Conselho de Disciplina no processo disciplinar n.° …, para o Conselho de Justiça da FPF.
XI. O Conselho de Justiça da FPF julgou improcedente o recurso apresentado pelo Clube Desportivo B…, através de acórdão datado de 25 de Julho de 2003, mantendo a decisão recorrida.
XII. Tal decisão já não admitia novo recurso, transitando imediatamente em julgado;
XIII. Nos termos dos Estatutos da FPF, cabe à Direcção cumprir e fazer cumprir as decisões dos órgãos da federação;
XIV. O acórdão do Conselho de Justiça foi também notificado à Direcção da FPF, para efeitos de execução do mesmo;
XV. A Direcção da FPF procedeu à classificação final de Série E, do Campeonato Nacional da 3ª Divisão, em função do acórdão do Conselho de Justiça;
XVI. Através da execução do acórdão do Conselho de Justiça ficou a Associação Cultural e Desportiva A… classificada em 15.° lugar, com 36 pontos, na série E, do Campeonato Nacional da 3ª Divisão, na época desportiva 2002/2003;
XVII. A tabela classificativa, publicada pela Direcção da FPF resulta das classificações obtidas na competição desportiva;
XVIII. Os efeitos da desclassificação previstos no Regulamento Disciplinar têm por objectivo salvaguardar a verdade desportiva da competição, colocando todos os participantes em pé de igualdade, motivo pelo qual não são considerados os pontos dos jogos disputados pelo clube infractor.
XIX. O Processo Disciplinar n° … reporta-se a factos ocorridos no dia 19 de Janeiro de 2003, aquando da realização do jogo n.° 135 157, disputado no Estádio do Clube Desportivo B…, no Funchal, entre as equipas do Clube Desportivo B… e o Sport Clube F…, a contar para o Campeonato Nacional da 3ª Divisão, Série E;
XX. Anteriormente ao Processo Disciplinar com o n.° … já havia sido instaurado um Processo de Averiguações sobre o mesmo assunto (processo n.° 64), o qual deu origem ao processo disciplinar …;
XXI. Em 04 de Julho de 2003, o Conselho de Disciplina condenou o Clube Desportivo B… com a pena de desclassificação e multa de 5.000,00€;
XXII. O Clube Desportivo B… interpôs recurso para o Conselho de Justiça da FPF que veio a confirmar a decisão do Conselho de Disciplina;
XXIII. A homologação do campeonato ficou dependente da decisão do processo disciplinar instaurado, bem como da decisão do consequente recurso;
XXIV. Embora já tivesse decorrido a realização da última jornada do campeonato quando o Conselho de Justiça negou provimento ao recurso do processo disciplinar n.° … a verdade é que, os resultados desportivos do aludido campeonato ainda não se encontravam homologados por efeito da aplicação do Art. 10° do Regulamento Disciplinar;
XXV. Quanto à interpretação dada ao Artigo 38° pelo Tribunal a quo há que referir que, quando o mesmo artigo faz distinção entre a 1ª e a 2ª volta, pretende com essa distinção fixar a data da prática da infracção disciplinar para aplicação dos efeitos da desclassificação e não para a produção de efeitos da decisão sancionatória;
XXVI. O Clube Desportivo B… foi punido com a pena de desclassificação durante a segunda volta da prova;
XXVII. A classificação da sua série desportiva foi objecto de reajustamento, de acordo como previsto no Artigo 38° do Regulamento Disciplinar;
XXVIII. Caso o artigo 38° do RD “não fosse de todo aplicável”, como pretende o tribunal a quo, o que por mera hipótese de raciocínio se admite, a SALC.D. A… desceria sempre de divisão, pois a mesma encontrava-se inicialmente classificada em 15° lugar, com 39 pontos;
XXIX. À Associação Cultural e Desportiva A… não foi aplicada nenhuma sanção disciplinar pois não praticou nenhuma infracção;
XXX. Em função da prática de ilícito disciplinar, por parte de um clube concorrente, dando origem à sua desclassificação, ficam os resultados desportivos dos jogos em que o mesmo participou inquinados;
XXXI. A única forma de “limpar” a participação do clube infractor é eliminar os resultados da sua participação, mantendo, para efeitos classificativos, os resultados obtidos entre os clubes que não cometeram qualquer infracção disciplinar que ponha em causa a veracidade dos mesmos resultados;
XXXII. Ao atacar a publicação da tabela classificativa, procurou a Associação Cultural e Desportiva A… alterar, por via deste expediente, os efeitos que já se tinham consolidado na sua esfera jurídica, por efeito da decisão proferida no âmbito do Processo Disciplinar n° …;
XXXIII. O reordenamento da tabela classificativa, em função da verificação da aplicação da pena de desclassificação, não está dependente da instauração de novos processos disciplinares aos demais clubes participantes na competição, pois que tais efeitos decorrem directamente da aplicação da Lei;
XXXIV. As alíneas c) e d) do n.° 1 do artigo 38° do RD não revestem qualquer natureza punitiva ou disciplinar, limitam-se a regulamentar quais os efeitos que advêm da sanção de desclassificação aplicada a um determinado clube que integra uma competição, os quais recaem em todos os clubes participantes na mesma competição, de forma a equipará-los;
XXXV. Não estamos perante qualquer medida acessória da pena de desclassificação aplicada ao C.D. B…, mas sim perante um efeito justo e absolutamente necessário para o alcance da verdade desportiva;
XXXVI. Não foi a publicação da tabela classificativa que determinou a classificação dos clubes na competição, mas sim os resultados desportivos obtidos e as incidências disciplinares ocorridas no decurso do campeonato, sendo que, no caso dos autos, foi a decisão do processo disciplinar n° … que determinou a dita tabela;
XXXVII. A A. C. D. A… quer, por um lado, a aplicação do artigo 38° do Regulamento Disciplinar para efeitos da sua manutenção no Campeonato Nacional da 3ª Divisão mas, por outro lado, não quer essa aplicação, para efeitos da sua descida de divisão;
XXXVIII. A A. C. D. A… apenas quer que seja aplicado o artigo 38° do RD para obter a descida de divisão do Clube Desportivo B…, mas não para si;
XXXIX. No fim do Campeonato Nacional da 3ª Divisão, antes da decisão do processo disciplinar n.° …, a A. C. D. A… encontrava-se posicionada em 15° lugar;
XL. Caso não existisse qualquer processo disciplinar que alterasse a tabela ou caso o artigo 38° do RD não fosse aplicado, quem desceria ao campeonato distrital seria a ora recorrida, pois, de acordo com o Regulamento de Provas Oficiais da FPF, descem ao campeonato distrital os últimos 4 classificados;
XLI. A A.C.D. A… desceria sempre de divisão, pois no fim do campeonato ficou classificada em 15° lugar com 39 pontos e, após a aplicação dos efeitos previstos no artigo 38° para a desclassificação do C.D. B…, ficou igualmente classificada em 15° lugar mas com 36 pontos;
XLII. O que a A.C.D. A… pretende é o desvirtuamento da verdade desportiva, pois pretende obter um benefício em detrimento dos restantes clubes seus adversários;
XLIII. Só com o desvirtuamento da aplicação da norma, conseguiria a ora recorrida manter-se no Campeonato Nacional da 3ª Divisão;
XLIV. Não resulta da aplicação das alíneas c) e d) do artigo 38° do RD qualquer punição para os clubes intervenientes na prova em causa, uma vez que os mesmos não se destinam a sancionar qualquer comportamento ilegítimo, mas sim regulamentar a situação que decorre para os demais intervenientes, da desclassificação de um clube, ao qual são retirados todos os pontos conquistados, sem que os mesmos revertam a favor dos adversários.
XLV. Se os pontos lhe são retirados e não revertem a favor dos seus adversários, não é lógico que os adversários beneficiassem dos pontos obtidos nos jogos disputados com o clube desclassificado;
XLVI. Não foi violado qualquer direito constitucionalmente consagrado, nem o artigo 38° do RD viola qualquer princípio constitucional;
XLVII. Os regulamentos da FPF respeitam em absoluto o estabelecido no Regime Jurídico das Federações Desportivas - Decreto-Lei n.° 144/93 de 26 de Abril - e no Regime Disciplinar das Federações Desportivas - Lei n° 112/99 de 3 de Agosto -, normas estas cuja constitucionalidade é inquestionável;
XLVIII. A Federação Portuguesa de Futebol é uma pessoa colectiva de direito privado que tem por objecto promover, organizar, regulamentar e controlar o ensino e a prática do futebol, em todas as especialidades e competições e exercer os poderes públicos que lhe são conferidos nos termos da Lei de Bases do Sistema Desportivo (Lei n° 30/2004, de 21 de Julho) e Regime Jurídicos das Federações Desportivas (Dec. Lei n.º 144/93, de 26 de Abril);
XLIX. A Federação Portuguesa de Futebol tem o estatuto de Utilidade Pública Desportiva, o qual lhe foi concedido através do Despacho do Primeiro-Ministro, datado de 1/9/95, e publicado sob o n° 56/95, no Diário da República - II série, n° 213, de 14 de Setembro de 1995;
L. Sem prejuízo de por despacho da Presidência do Conselho de Ministros de 15 de Junho de 1978, publicado no Diário da República - II série, n° 139-2° suplemento, de 20 de Junho de 1978, lhe haver já sido reconhecido o estatuto de Utilidade Pública;
LI. A concessão do estatuto de utilidade pública desportiva é um acto do poder público que transforma as Federações Desportivas em instâncias de auto-regulamentação pública do desporto;
LII. Tem a Federação Portuguesa de Futebol o direito de regular, aprovando os regulamentos necessários à boa organização da prática desportiva do Futebol, bem como aplicar e fazer aplicar (e respeitar) esses mesmos regulamentos;
LIII. Esta função é prosseguida através dos Conselhos de Disciplina e de Justiça (respectivamente órgãos de primeira e segunda instância disciplinar desportiva);
LIV. Os referidos regulamentos não estão feridos de qualquer ilegalidade.
Termos em que, deve este Tribunal julgar procedente o presente recurso e em consequência, anular a decisão do tribunal a quo, fazendo, assim, JUSTIÇA.
1.3.1.3 Nas contra-alegações o recorrente, Associação Cultural e Desportiva de A…, destacou o seguinte:
“3.31.- A FPF é uma pessoa colectiva privada de natureza associativa, federação desportiva unidesportiva que goza do estatuto de instituição de utilidade pública e de utilidade pública desportiva.
3.32.- Estatuto esse que é o instrumento legal pelo qual lhe foi atribuído, em exclusivo, a competência para o exercício, no respectivo âmbito, de poderes de natureza pública. - cfr. art. 7° do Decreto-Lei n° 144/93, de 26 de Abril: art. 22°, n° 1, da Lei 1/90, de 13 de Janeiro;
3.33.- De entre os quais poderes se inclui os exercidos no âmbito da regulamentação e disciplina das competições desportivas quando envolvam perante terceiros o desempenho de prerrogativas de autoridade. - cfr. art. 8° do Decreto-Lei n° 144/93, de 26 de Abril; JOSÉ MANUEL MEIRIM, “A Federação Desportiva como Sujeito Público do Sistema Desportivo”, p. 532 a 553; MARIA RAQUEL REI, “Contrato de Transferência internacional de jogadores profissionais de futebol”, in “Estudos de Direito Desportivo”, p. 54 a 59.
3.34.- A concessão do estatuto de utilidade pública desportiva à FPF procedeu a esta uma verdadeira devolução ou delegação de poderes normativos públicos. - cfr. Ac. STJ, de 4/6/1997 in www.dgsi.pt/jstj/nsf/; Parecer n° 101/88 do Conselho Consultivo da PGR, in Pareceres, Vol. VIII, p. 137 a 140;
3.35.- O acto praticado pela recorrente - seu órgão jurisdicional e no exercício de poderes públicos de disciplina - é materialmente um acto administrativo, para cujo conhecimento é competente o Tribunal Administrativo, como bem e fundadamente decidiu o Tribunal a quo. - cfr. art.s°, n° 2, do Decreto-Lei n° M4/93, de 26 de Abril; cfr. o atrás citado Ac. STJ e Parecer do Conselho Consultivo PGR; Ac. Tribunal Constitucional n° 473/98 de 1/6/1998, in ATA n° 187/97; Acs. do STA, de 7/6/2000 de 4/6/1997 de 30/4/1997 de 13/11/1990 de 20/12/2000 e de 23/1/2003 in www.dgsi.pt/jsta/nsf; Ac. TCA, de 15/5/2003 (processo n° 6916/03), in www.dgsi.pt/jtca/nsf/;
3.36.- Por outro lado, o acto praticado pela FPF foi praticado no âmbito dos poderes disciplinares que competem aos seus órgãos exercer: do que se tratou foi de classificar a recorrente em 15º lugar e, desse modo, despromovê-la para o Campeonato Regional da Madeira de Futebol. - cfr. Arts 25°, n° 1, da Lei n° 1/90, de 13/1; 3° da Lei n° 112/99, de 3/8.
3.37.- Acto materialmente administrativo este que não constitui, ao invés do erradamente expendido pela recorrente e como fez notar o Tribunal a quo, qualquer “questão estritamente desportiva”.
3.38.- Estas, de resto, confinam-se às “regras de jogo ou regras-técnico desportivas” - as normas que “ordenam a conduta, as acções e omissões, dos desportistas nas actividades das suas modalidades e que, por isso, são de aplicação imediata no desenrolar das provas e competições desportivas”. - cfr. JOSÉ MANUEL MEIRIM, cit., p. 673 a 678, e indicação bibliográfica aí constante.
3.39.- Ou, as “questões de facto e de direito emergentes da aplicação das Leis do Jogo” ou aquelas outras que visam “proteger a autoridade do árbitro e refere-se a infracções disciplinares cometidas directamente na prática desportiva”. - cfr. JOSÉ MANUEL MEIRIM, cit., p. 673 a 678; MARIA RAQUEL REI. cit., p. 59: ALMEIDA LOPES, in RDP n° 13, p. 140; cfr. Acs. Tribunal Constitucional, n° 488/98 de 2/7/1998 in DR II Série, n° 284, de 10/12/1998; n° 473/98 de 1/7/1998, in DR II Série, n° 273, de 23/12/1998; Ac. STJ, de 18/4/1991 - Conselheiro Albuquerque de Sousa; de 8/5/99 - Conselheiro Joaquim de Carvalho, in www.dgsi.pt/jstj/nsf.
3.40.- Ora, o objecto destes autos é de todo estranho a quaisquer leis/regras técnicas dos jogos de futebol, que visem proteger a autoridade do árbitro.
3.41.- Mas sim - como notou o Mmo. Juiz a quo a fls. 143 dos autos - respeitante a desclassificação e perda de pontos por parte da recorrida, acto esse de natureza e do foro disciplinar.
3.42.- O acto do CJ da FPF - que constitui o objecto destes autos - não está abrangido pelo disposto no artigo 25°, n° 2, da LBSD, mas antes - e pelo contrário - pelo estatuído no mesmo preceito, no seu n° 1, e, bem assim, no artigo 8° do Decreto-Lei n° 144/93, de 26 de Abril.
3.43 - Assim, deve o teor das Conclusões formuladas pelo CJ da FPF ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se na integra o despacho recorrido de fls. 143 a 145, no qual o Tribunal a quo limitou-se a fazer escorreita e escrupulosa aplicação da lei, não merecendo, pois, qualquer censura.
ii)- dos recursos do CJ da FPF e do MP v. sentença de fls. 356 a 364.
3.44.- Os recorrentes continuam a invocar - o CJ da FPF de forma vaga, difusa e prolixa e o MP de forma mais simples - que à aqui recorrida impunha-se a prévia impugnação da punição aplicada ao C. D. B…, na pena de desclassificação.
3.45.- Ora, de entre os factos considerados por provados pelo Tribunal a quo - e contra os quais os recorrentes não se rebelaram em termos relevantes [anterior items 318 a 326] - consta o seguinte:
“15. Contra a recorrente não foi instaurado qualquer processo disciplinar pelo órgão da FPF na época desportiva 2002/2003”. - cfr. fls. 361 dos autos.
3.46.- Como decorre de tal factualidade e expressa o Tribunal a quo a fls. 362 dos autos, a ora recorrida é totalmente estranha aos factos então imputados ao CD. B…, não foi no respectivo processo disciplinar sujeito processual, maxime, arguida, nem tão pouco lhe foi na respectiva decisão aplicada qualquer sanção ou efeito de sanção.
3.47.- O entendimento - ilógico e incongruente - que os recorrentes plasmam nos seus recursos - no sentido de ser exigível à recorrida a prévia impugnação da decisão dos órgãos da FPF que aplicou a pena de desclassificação ao C. D. B… - ignora, ou faz por ignorar, tais circunstâncias factuais, que estão consolidadas nestes autos.
3.48.- Como ignora que, ainda assim, a recorrida não podia ser prejudicada por uma tal desclassificação de um clube terceiro em face da patente desconformidade com a Constituição das normas das als. c) e d) do art. 38° do Regulamento Disciplinar [da FPF.
3.49.- A que acresce que lhe seria de todo em todo impossível rebater ou atacar a veracidade objectiva e subjectiva de factos praticados por terem sido praticados por terceiros, que não por si.
3.50.- Uma tal ilógica e inacreditável interpretação, como a aqui sufragada pelos recorrentes, implica, de forma necessária e consequente, admitir-se que alguém possa ser punido por factos praticados por terceiros e a estes exclusivamente imputáveis, sem qualquer possibilidade de defesa e em completa violação do princípio da culpa. - cfr. art.s 1° e 25° CRP.
3.51.- Na realidade, o que os recorrentes defendem é uma pura ficção e aparência no domínio do exercício da actuação disciplinar da FPF, o que não é minimamente compaginável como os princípios constitucionais da dignidade humana e da culpa.
3.52.- Nenhum erro da recorrida existiu na identificação do acórdão CJ da FPF que lesou e lesa os seus direitos: esse foi unicamente aquele que veio a ser declarado nulo pela sentença recorrida.
3.53.- Sob pena de se afrontar os referidos princípios constitucionais, é patente que à recorrida não se lhe impunha qualquer obrigação de impugnar previamente a punição aplicada ao C.D. B….
3.54.- Nem tão pouco tal circunstância em nada prejudica, obstaculiza ou impede o exercício do direito de impugnar o referido acórdão do CJ da FPF e, bem assim, o direito à tutela jurisdicional efectiva.
3.55.- Em face do que devem as respectivas conclusões formuladas pelos recorrentes ser julgadas totalmente improcedentes.
3.56.- Dispõe o art. 38° do RD o seguinte:
“1. Nas competições por pontos a pena de desclassificação tem as seguintes consequências:
a) O Clube punido fica impedido de prosseguir em prova e perde todos os pontos até aí conquistados, os quais não revertem, porém, em favor dos adversários que defrontou até então;
b) Para efeitos de classificação na prova o Clube punido fica a constar no último lugar com zero pontos.
c) Se a desclassificação tiver lugar durante a primeira volta da competição, os resultados dos jogos disputados pelo Clube desclassificado não são considerados para efeitos de classificação dos restantes Clubes
d) Se a desclassificação tiver lugar durante a segunda volta da competição não são considerados apenas os resultados dos jogos disputados pelo Clube desclassificado durante a segunda volta
e) Se a pena de desclassificação respeitar a factos ocorridos nas últimas três jornadas da competição, à pena de desclassificação acresce a de suspensão por uma época desportiva.
2. Na prova a eliminar, o Clube punido é desqualificado em favor do adversário”.
3.68.- Pois que, como expressa o Tribunal Constitucional, se assim fosse “far-se-ia tábua rasa”... dos princípios indicados no item 3.62, “figurando o condenado como um proscrito, o que constituiria um flagrante atentado contra o princípio do respeito pela dignidade da pessoa humana”.- cfr. Acs. do Tribunal Constitucional n°s 203/00, proferido no processo n°s 430/97 - Relator: Paulo Mota Pinto in www.tribunalconstitucional.pt/jurisprudencia.htm; 16/84, 165/86 e 353/86 in Diário da República, respectivamente, II série, de 12/5/1984, 1ª série de 3/6/1986 e I série de 9/4/1987.
3.69.- E tal proibição deste efeitos da penas criminais ou medidas de segurança não podem deixar de ser consideradas, mura ris mutandis, na aplicação de quaisquer outras penas, concretamente disciplinares.
3.70.- Acresce que em todo e qualquer procedimento sancionador, entre os quais o disciplinar é imposto, por norma constitucional, a observância e o respeito dos direitos de audiência e de defesa dos aí arguidos. - cfr. arts. 32°, n° 10, e 269°, n° 3, CRP.
3.71.- Princípios gerais - da dignidade da pessoa humana, respeito pelos direitos e garantias fundamentais, da culpa, dos limites das penas e de audiência e defesa - que são aplicáveis ao direito sancionador desportivo.
3.72.- Ora, o disposto nas als. c) e d) do art. 38° RD, prevê e o CJ da FPF aplicou à recorrida um efeito de uma pena disciplinar de desclassificação de um clube terceiro, no caso a subtracção ou retirada de 3 pontos por causa desta dita pena disciplinar.
3.73.- E sem que a recorrida haja praticado objectiva e subjectivamente quaisquer factos, sem ter sido instaurado qualquer processo disciplinar, violentando - de forma grosseira, ilógica e absurda! - os princípios constitucionais da culpa e da dignidade da pessoa humana.
3.74.- E, bem assim, as garantias e princípios constitucionais previstos no art. 32° CRP aplicáveis aos processos sancionadores.
3.75.- E se tal sucede com o normativo das als. c) e d) do RD, o mesmo sucede inexoravelmente com o acto materialmente administrativo praticado pelo CJ da FPF, praticado em cumprimento daquele.
Ampliação do objecto do recurso
1.- A sentença recorrida, atendendo à douta solução jurídica na mesma propugnada, não cuidou de apreciar concreta e especificamente as invalidades invocadas pela ora recorrida nos artigos 84° a 98° da petição de recurso [de lei, conducente à nulidade e anulabilidade do acto objecto dos autos] e 111º a 119° da petição de recurso [de lei, conducente à anulabilidade do acto impugnado].
2.- E na referida petição de recurso a recorrida invocou uma pluralidade de fundamentos, entre os quais os considerados pelo Tribunal a quo e os referidos no ponto anterior.
3.- Assim, nos termos do disposto no art. 684-A, n ° 1, CPC, ex vi art. 140º CPTA, requer-se sejam tais fundamentos apreciados pelo Tribunal ad quem.
Pede e Espera que V. Exa. lho defira.”
1.4 O Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso. Em suma, considera que “de acordo com o disposto na al. a) do art. 38º do Regulamento Disciplinar da FPF, a pena de desclassificação tem as consequências previstas nas respectivas alíneas do n.º 1 e no n.º 2. Se são consequências da pena de desclassificação, apenas poderiam ser atacadas em sede de recurso contencioso. Ou seja do acórdão do Conselho de Justiça que confirmou a decisão do Conselho de Disciplina, poderia a recorrente contenciosa ter interposto o competente recurso contencioso, pois, ao invés do que refere a sentença recorrida, a recorrente tinha legitimidade activa, pois que era titular de um interesse directo – porque do seu provimento poderia obter um proveito imediato – pessoal – que se reflecte na sua esfera jurídica e legítimo. Não pode, pois, decidir-se das consequências da pena de desclassificação, pois, as ilegalidades a existirem seriam ilegalidades do acto que confirmou a decisão do conselho de Disciplina, ou seja, do acórdão do Conselho de Justiça, de 25-7-2003. Assim sendo, deverá ser revogada a sentença e ser negado provimento ao recurso contencioso, sendo inútil a apreciação da ampliação do objecto do recurso apresentado pela recorrida a folhas 596”.
1.5. Colhidos os vistos legais, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
2. Fundamentação
2.1. Matéria de facto
A sentença recorrida deu como assente a seguinte matéria de facto:
1. A recorrente, por seu requerimento de 28 de Maio de 2003 solicitou ao Presidente da Direcção da FPF informação sobre o processo em que era arguido o Clube Desportivo B… em face das razões do mesmo constantes.- cfr. doc. junto sob o n° 6 e incorporado no ora junto documento n° 2.
2. A recorrente foi notificada do comunicado oficial n° 5 e datado de 2 de Julho de 2003- 10-22, no qual constava a indicação que os clubes “CD B… / A… / SC C…” aguardavam decisão no processo disciplinar ….- cfr. doc. junto sob o n° 5 e incorporado no ora junto documento n° 2.
3. Posteriormente, foi unicamente notificada do acórdão do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol, datado de 4 de Julho de 2003, proferido no processo disciplinar nº …/DISC, no qual foi arguido o Clube Desportivo B… e o árbitro E…, e através do qual o Conselho de Disciplina puniu, para além do mais, o arguido Clube Desportivo B… com a pena de desclassificação e multa de cinco mil euros.
4. Por requerimento datado de 30 de Julho de 2003, a ora recorrente solicitou à Direcção da FPF que se dignasse “deliberar, por interpretação e aplicação das regras do art 38° do Regulamento Disciplinar, a qual tabela final e definitiva daquele campeonato”. cfr. doc. o n° 7 e ora incorporado no doc. junto sob o n° 2.
5. A recorrente veio a ser notificada do comunicado oficial n° 12, no qual a Direcção da FPF dava conta do adiamento das datas do sorteio do campeonato nacional da I Divisão cfr. doc. junto n° 4 e ora incorporado no doc. junto n° 2.
6. A recorrente, por seu requerimento de 12 de Agosto de 2003, solicitou os mesmos esclarecimento à Direcção da Associação de Futebol da Madeira.- cfr. doc. junto n° 8 e ora incorporado com o doc. junto n° 2.
7. No dia 15 de Agosto de 2003, a recorrente recebeu um fax da Direcção da FPF donde consta a tabela classificativa do campeonato nacional da III Divisão da Época de 2002/2003.- cfr. doc. junto n° 1 e ora incorporado no doc. junto n° 2.
8. E da qual resultava, e resulta, que a recorrente havia se classificado no 15° lugar com 36 pontos e que tal pontuação decorria da subtraccão de 3 pontos ganhos no jogo que realizara com o Clube Desportivo B…, no dia 18 de Maio de 2003 e que, em consequência, a recorrente seria despromovida ao campeonato regional da Madeira.
9. Foi esta decisão da Direcção da FPF que a ora recorrente impugnou junto da Autoridade Recorrida, a qual, por seu turno, proferiu o acórdão ora recorrido.
10. A ora recorrente foi notificada por carta datada de 28 de Agosto de 2003 do acórdão da Autoridade Recorrida, CONSELHO DE JUSTIÇA DA FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL, datado do mesmo dia e proferido nos autos de recurso n° 13/CJ-03/04, o qual recurso fora interposto da deliberação da Direcção da FPF que estabelecera a tabela classificativa final do Campeonato Nacional de Futebol da III Divisão Série E, relativa à Época Desportiva 2002/2003 - cfr. documentos juntos à p.i. com n°s l e 2.
11. A Autoridade Recorrida, através do indicado acórdão, julgou “o recurso apresentado pela “Associação Cultural e Desportiva de A…”, mantendo-se a deliberação recorrida, com os fundamentos ali expressos, que dou aqui por reproduzidos - cfr. doc. junto sob o n° 1.
12. Ou seja, manteve a deliberação da Direcção da FPF que classificou a Recorrente no décimo quinto lugar do campeonato da III Divisão de Futebol, Série E, relativo à época desportiva de 2002/2003 e, em consequência, consumou a sua descida ao Campeonato Regional da Madeira de Futebol (1 divisão).- cfr. doc. junto sob o n° 1.
13. Como resulta expressamente do relatório do acórdão recorrido, a Autoridade Recorrida considerou provados os seguintes factos:
“1. O recorrente e os clubes recorridos disputaram, todos integrados na Série E, o Campeonato Nacional da III Divisão de Futebol referente à época desportiva de 2002/2003, obtendo os últimos quatro e o recorrido “CD. B…” a seguinte classificação final:
- 10° “CD. B…”, com 44 pontos;
- 15° “A…”, com 39 pontos;
- 16° “S.C. C…”, com 37 pontos;
- 17° “G…”, com 36 pontos;
- 18° “H…”, com 24 pontos.
2.- De acordo com esta classificação final, resultava a descida de divisão do ora recorrente, do “S C. C…”, do “G…” e do “H…”, ou seja dos quatro últimos classificados na respectiva tabela pontual.
3.- Entretanto, por decisão do Conselho de Disciplina da FPF, de 4 de Julho de 2003, o “C.D. B…” foi condenado pela prática da infracção prevista e punida no art. 52°, n°s 1 e 4, do Regulamento Disciplinar (corrupção da equipa de arbitragem), no Jogo no 135.157, correspondente à 18° jornada (2ª volta), que disputou, a 19 de Janeiro de 2003, com o “S.C. F…”, e em consequência na pena de desclassificação.
O recorrente, notificado dessa decisão, não recorreu.
Interposto, no entanto, recurso pelo “CD. B…”, a decisão do Conselho de Disciplina veio a ser confirmada pelo Conselho de Justiça em acórdão de 25 de Julho de 2003.
6.- Aquela pena de desclassificação implicou a colocação do “CD. B…”, com zero pontos, no último lugar da tabela classificativa.
Em conformidade com a decisão do Conselho de Justiça a Direcção da FPF ordenou que se procedesse à alteração da classificação final, com a aplicação do disposto no art. 38° do RD, vindo tal classificação a ser assim ordenada
- 14° “S.C. C…”, com 37 pontos;
- 15° “A.D.A…”, com 36 pontos;
- 16° “G…”, com 36 pontos;
-17º “H…, com 24 pontos;
18.º “CD. B…”, com 0 pontos.
Tal classificação resultou, além do mais, do facto de terem sido subtraídos 3 pontos ao recorrente, decorrentes da vitória que obteve na última jornada sobre o “B…”.
A não subtracção desses 3 pontos manteria o recorrente na III Divisão Nacional, na 14ª posição, com 39 pontos, um lugar acima do “S. C. C…” que, com 37, na 15ª posição, desceria aos Campeonatos Distritais (Regionais da Madeira) em substituição do recorrente”.- cfr. doc. junto sob o n° 1.”
14. A Federação Portuguesa de Futebol goza dos estatutos de instituição de utilidade pública e de utilidade pública desportiva.
15. Contra a recorrente foi instaurado qualquer processo disciplinar pelos Órgãos da FPF na época desportiva 2002/2003.
Não existem FACTOS RELEVANTES NÃO PROVADOS.
2.2. Matéria de Direito
Estão interpostos dois recursos: (i) do despacho saneador que julgo o Tribunal Competente; (ii) da sentença final que declarou a nulidade do acto impugnado.
Apreciaremos cada um deles pela respectiva ordem de interposição.
2.2.1. Recurso do despacho saneador
A questão essencial que se levanta é a de saber se a decisão ora impugnada é, ou não, “estritamente desportiva”, para efeitos de interpretação do art. 25º da LBSD.
A decisão recorrida considerou que a deliberação em causa que homologou a classificação de onde resultou a descida de divisão do recorrente contencioso “não é, portanto, questão estritamente desportiva e é, assim, um acto materialmente administrativo e lesivo, ou seja, recorrível”.
No recurso dessa decisão o Conselho de Justiça da FPF sustenta posição contrária. A seu ver: “(...) a norma que prevê a desclassificação e seus efeitos foi aprovada pela Assembleia-Geral da Federação Portuguesa de Futebol e faz parte integrante do regulamento Disciplinar da mesma Federação. VIII. É uma norma de natureza disciplinar e, como tal, reveste natureza de “questão estritamente desportiva”, face ao disposto na LBSD, LBD e Regime Disciplinar das Federações. IX. Por outro lado, os efeitos da desclassificação são aplicáveis a todos os intervenientes na prova, de forma a salvaguardar o princípio da igualdade desportiva. X. Assim, a deliberação do Conselho de Justiça da Federação Portuguesa de Futebol que pune um clube com desclassificação, à luz da anterior Lei de Bases — Lei 1/90 — aplicável à data dos factos, é uma questão estritamente desportiva e, como tal, inimpugnável nos termos gerais do direito (...)”.
Vejamos a questão.
O art. 25º da Lei de Bases do Sistema Desportivo (Lei 1/90, de 13 de Janeiro), em vigor na data da prática do acto, tinha a seguinte redacção:
“Art. 25º
Justiça desportiva
1 – Sem prejuízo do disposto no número seguinte, as decisões e deliberações definitivas das entidades que integram o associativismo desportivo são impugnáveis, nos termos gerais de direito.
2 - As decisões e deliberações sobre questões estritamente desportivas que tenham por fundamento a violação de normas de natureza técnica ou de carácter disciplinar não são impugnáveis nem susceptíveis de recurso fora das instâncias competentes na ordem desportiva.
3 - O recurso contencioso e a respectiva decisão não prejudicam os efeitos desportivos entretanto validamente produzidos na sequência da última decisão competente na ordem desportiva”.
O n.º 1 e o n.º 2 do citado preceito fazem uma importante divisão: (i) decisões impugnáveis nos termos gerais de direito, que no caso, quer dizer nos Tribunais Estaduais; (ii) decisões que apenas são impugnáveis dentro das instâncias competentes da ordem desportiva.
Nos casos em que há recurso aos Tribunais do Estado importa ainda saber se a questão é de Direito Privado, ou de Direito Público, pois só nesta última hipótese o recurso “nos termos gerais” é para os Tribunais da Jurisdição Administrativa.
Não vem questionada a natureza pública da decisão recorrida, mas sim a sua qualidade de decisão “regulamentar” e, por isso, estritamente desportiva. É o próprio recorrente que pressupõe a natureza pública do poder regulamentar: “As federações detêm o poder, que lhes foi legalmente concedido, de elaborar e aprovar os regulamentos de natureza disciplinar, provas e arbitragem e das demais matérias estabelecidas na Lei, detendo ainda o poder público para aplicar e fazer cumprir essas mesmas leis”. Esta natureza pública é, a nosso ver, indiscutível como facilmente se demonstra.
O Tribunal de Conflitos, no acórdão de 9-7-2003, proferido no processo 7/2003, considerou ser matéria administrativa “o poder de organizar as provas de determinada modalidade”. O acórdão teve anotação concordante de JOSÉ MANUEL MEIRIM, Cadernos de Justiça Administrativa, 43, pág. 36 e seguintes, aceitando que o leque de poderes públicos a exercer pelas federações desportivas não pode deixar de incluir os “poderes regulamentares e disciplinares” (pág. 37), por força do art. 22º, 1 da Lei 1/90, de 13 de Janeiro.
Daí que, situando-se o presente litígio na interpretação e aplicação de um regulamento sobre a organização das provas desportivas (mais concretamente o artigo que prevê as consequências da desclassificação de um clube na ordenação da classificação geral de um campeonato de futebol), a sua natureza pública seja indiscutível.
O que não resolve tudo, pois dentro da actividade de natureza pública importa recortar o alcance do n.º 2 do art. 25º da Lei 1/90, de 13 de Janeiro, sendo esse o núcleo da discordância. Sublinha, com efeito o ora recorrente, o facto da questão aqui discutida emergir da aplicação de uma norma disciplinar – que prevê a desclassificação da equipa – e por isso, considera estarmos perante uma questão “estritamente desportiva”.
Vejamos este ponto.
Pensamos que as questões estritamente desportivas previstas no n.º 2 do art. 25º da Lei 1/90, de 13 de Janeiro, não são todas as questões de carácter disciplinar – como parece defender o Conselho de Justiça.
Esta posição, igualmente defendida por ALMEIDA LOPES, A Justiça Desportiva, Revista da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, IV, 2007, pág. 185, não é, a nosso ver sustentável.
O art. 22º, 5, da Lei 1/90 considera estritamente desportivas as questões “de natureza técnica ou de carácter disciplinar, nomeadamente as infracções disciplinares cometidas no decurso da competição, enquanto questões de facto e de direito emergentes da aplicação das leis do jogo, dos regulamentos e das regras de organização das respectivas provas”. Portanto, não é apenas natureza da norma disciplinar que define a questão estritamente desportiva. A natureza das normas “disciplinar” ou “técnica” é um dos índices a ter em conta, que deve depois ser complementado com o conteúdo de tais normas: “leis do jogo”, ou “organização das respectivas provas”.
O conceito de questão estritamente desportiva encontra-se, portanto, através de duas etapas: (primeira etapa) na natureza da norma sobre a qual surge a controvérsia que deve ser uma norma de “natureza técnica ou de carácter disciplinar” e, dentro destas normas (segunda etapa) deve reportar-se “as leis do jogo” ou aos “regulamentos e regras de organização das respectivas provas”.
Não é pois toda e qualquer norma de carácter disciplinar, nem qualquer norma de natureza técnica, cuja controvérsia se deve qualificar de estritamente desportiva. Só têm esta natureza as questões que surgem sobre a aplicação dessas normas é certo, mas que, para além disso se reportam à aplicação das leis do jogo e da organização das provas.
Afastado o critério seguido pela entidade recorrente e antes de entrar na tarefa de clarificação do critério enunciado deve dizer-se que não é inconstitucional a atribuição de competência aos Tribunais do Estado de questões surgidas no âmbito do desporto.
Esta tese, sustentada por ALMEIDA LOPES, ob. cit. Pág. 175 (“As leis de bases do desporto inconstitucionalmente admitiram o recurso aos tribunais administrativos em certos litígios desportivos – é o título do ponto 3), parte de uma interpretação do art. 202º, 4 da CRP que não é a melhor. Este preceito diz-nos que “A lei poderá institucionalizar instrumentos e formas de composição não jurisdicional de conflitos”. A redacção final – como o autor mostra - abandonou a proposta que fora inicialmente votada nos seguintes termos: “Salvaguardando sempre o direito de recurso para os tribunais, a lei poderá institucionalizar instrumentos e formas de composição não jurisdicional de conflitos”. O facto do legislador constitucional, na redacção final, ter suprimido a expressão “Salvaguardando sempre o direito de recurso para os tribunais”, significa que, se admite, agora e perante o texto final, que o legislador não salvaguarde essa reserva. Ora permitir que o legislador não salvaguarde a reserva não é o mesmo que proibi-la. É por isso logicamente errada a inferência feita a partir dos trabalhos preparatórios da Revisão Constitucional pelo citado autor. O que podemos inferir de tais trabalhos é que o legislador constitucional admite a possibilidade do legislador ordinário não garantir a reserva de jurisdição dos Tribunais do Estado – o que é coisa muito diferente. É no entanto uma inferência importante pois afasta também liminarmente a ideia de que uma justiça “privativa” no âmbito das federações desportivas é – só por isso – necessariamente inconstitucional. O art. 204º, 2 da CRP concede ao legislador um espaço de conformação amplo onde cabe a hipótese de afastar dos Tribunais do Estado da resolução de conflitos entregues a uma “composição não jurisdicional”.
Aceitando, então, a constitucionalidade do art. 25º, 2 da Lei 1/90, de 13 de Janeiro, na medida em que admite a “privatização” do julgamento de alguns litígios e afastado um critério puramente normativo de delimitar essas questões (estritamente desportivas) torna-se necessário prosseguir a análise e recortar, com precisão, quais são, então, essas controvérsias sobre a aplicação das leis do jogo e da organização das provas – pois são essas as questões cujo conhecimento é subtraído à jurisdição dos Tribunais do Estado, ou, como diz a lei que “não são impugnáveis nem susceptíveis de recurso fora das instâncias competentes da ordem desportiva”.
A jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo várias vezes se tem pronunciado sobre questões desportivas – como se pode ver da resenha feita por ALMEIDA LOPES, ob. cit. pág. 193 e seguintes.
- no acórdão de 13-11-90, BMJ, 401/278 a 295, entendeu-se como inquestionável que a disciplina desportiva – e não apenas as violações das regras próprias do jogo – é um instrumento necessário da organização e gestão do desporto e a estas directamente ligado e por isso, por não dizer respeito às regas próprias do jogo, mas a violações da ética desportiva, entendeu caber recurso para os tribunais administrativos;
- no acórdão do Pleno de 30-4-1997, II Série do DR de 23-11-1999, entendeu-se que a aplicação de uma pena disciplinar de suspensão configurando um acto administrativo era recorrível para os Tribunais Administrativos. O acórdão tem um voto de vencido do Conselheiro Azevedo Moreira por entender que não existia norma específica a atribuir poderes de autoridade à entidade que puniu o atleta.
- no acórdão de 20-12-2000 DR, II de 2-12-2003, entendeu que só os actos unilaterais das federações praticados no âmbito dos seus poderes regulamentares e disciplinares estão sujeitos à jurisdição administrativa;
- no acórdão de 23-1-2003, DR, de 12-5-2004, entendeu que era nulo por falta de atribuições o despacho do Ministro que mandou instaurar um inquérito à respectiva federação face à morte de um atleta num acidente de viação;
- no acórdão de 15-12-2004, DR de 29-6-2005, entendeu que a comissão arbitral da federação não passava de um tribunal arbitral, sendo por isso competentes os Tribunais Judiciais para apreciar o recurso nos termos da lei da arbitragem voluntária;
- no acórdão de 7-6-2006, proferido no recurso 0262/06, definiu o que se deve entender por leis do jogo - as regras técnico - desportivas que ordenam a conduta, as acções e omissões dos desportistas nas modalidades e que por isso são de aplicação imediata no desenrolar das provas e competições desportivas.
O Tribunal Constitucional também já se pronunciou sobre questões semelhantes, nos seguintes termos:
- no acórdão n.º 730/95, II Série do DR de 6-2-1996, entendeu-se ser de natureza pública e admitindo recurso para os tribunais administrativos a questão da inconstitucionalidade de um preceito do regulamento disciplinar de uma federação desportiva sobre violência ou distúrbios praticados em recinto desportivo;
- no acórdão 473/98, II Série do DR de 23-11-98, negou provimento ao recurso de um acórdão do Conselho de Arbitragem (que mandara depositar preparo para despesas) com o fundamento de não se terem esgotado os meios de recurso nos termos gerais de direito, pois de tal decisão cabia recurso para os tribunais.
PAIS BORGES, “Justiça Desportiva: que sentido e limites”, separata da revista Desporto e Direito, pág. 32, também tem uma visão restritiva, não bastando que estejamos perante uma questão de natureza disciplinar, para estarmos perante uma questão “estritamente desportiva”. O autor começa por colocar a questão da invasão pelas prescrições regulamentares dos órgãos federativos de “valores legal ou constitucionalmente tutelados, estranhos ao fenómeno desportivo”. E dá como exemplos um regulamento sobre organização da prova que restringisse a inscrição no boletim de jogo a um certo número de jogadores portugueses, ou de raça brna. Ou ainda, um regulamento de disciplina de uma federação desportiva que fixa como sanção disciplinar a um atleta que agride o árbitro o apedrejamento ou a pena de morte”. (…) “Seguramente, continua o autor, que a reserva de composição não judicial dos conflitos desportivos admitida na Lei das bases do Desporto não é absoluta” (pág. 32/33). Haveria assim que subtrair à reserva de justiça privativa todas as ofensas a normas constitucionais e legais, destinadas a proteger valores estranhos ao fenómeno desportivo.
ANTÓNIO PEIXOTO MADUREIRA e LUÍS CÉSAR TEIXEIRA, Futebol, Guia Jurídico, fls. 1602, consideram como questões estritamente desportivas “as questões de facto e de direito emergentes das leis do jogo, ou seja, aquelas questões que tenham surgido durante a prática de uma competição e que, portanto, estejam relacionadas com o seu desenvolvimento, quer no seu aspecto técnico quer no aspecto disciplinar. Questões de facto, serão, por exemplo, aquelas que têm a ver com o apuramento de que se determinado jogador rasteirou ou não outro, se determinada bola ultrapassou ou não a linha da baliza, se determinado jogador agrediu ou não outro, etc. Questões em relação às quais o árbitro é soberano (…).Questões de direito são as que contendem com a aplicação das leis do jogo aos factos apurados. São questões relacionadas com os chamados erros de arbitragem …”.
Impõe-se, claramente, uma interpretação restritiva pois o acesso aos Tribunais é uma garantia fundamental – art. 20º da CRP – com particular e especial consagração no art. 268º, n.º 4 da CRP. Neste sentido GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa anotada – anotação ao art. 205º, actual 202º - consideram como limites constitucionais à “auto-justiça” das Federações Desportivas as questões que ponham em causa “bens indisponíveis, ou direitos liberdades e garantias”, não podendo precludir ou prejudicar “o recurso à via jurisdicional”.
Em suma, uma questão é estritamente desportiva desde que a decisão em causa tenha por fundamento a aplicação de normas de natureza técnica ou disciplinar, respeitantes às “lei do jogo” (regras sobre o funcionamento da própria competição ou sobre a sua organização), desde que tais normas não versem sobre direitos indisponíveis, não afectem direitos fundamentais, nem violem normas que protegem outro tipo de valores (v. g. corrupção). Aliás, a Lei de Bases do Desporto posterior – Lei 30/2004, de 21 de Julho excluiu da reserva de “auto-justiça” “as decisões e deliberações disciplinares relativas a infracções à ética desportiva, no âmbito da dopagem, da violência e da corrupção”.
Na lei actualmente em vigor (Lei 5/2007, de 16 de Janeiro) a exclusão é alargada: “Para efeitos do disposto no número anterior, as decisões e deliberações disciplinares relativas a infracções à ética desportiva, no âmbito da violência, da dopagem, da corrupção, do racismo e da xenofobia não são matérias estritamente desportivas.” Esta restrição já decorria da necessária interpretação restritiva da respectiva cláusula de exclusão da jurisdição Estadual, pois todos os casos constantes da exclusão dizem respeito a direitos indisponíveis cuja subordinação à jurisdição estadual deve ser sempre garantido.
Como a questão destes autos não diz respeito às lei do jogo, mas sim às regras sobre os efeitos da desclassificação de um clube na classificação obtida pelos outros, podemos concluir facilmente que se trata de matéria que não está reservada à auto-justiça da Federação Portuguesa de Futebol. Na verdade, o recorrente imputou à decisão recorrida a violação de princípios fundamentais constitucionalmente garantidos (direito de defesa), pelo que também nessa medida não poderia deixar de ter acesso aos Tribunais do Estado.
Do exposto resulta que o recurso do despacho saneador deve ser julgado improcedente.
2.2.2. Recorribilidade do acto de execução
Como deve improceder ainda a excepção da irrecorribilidade do acto, suscitada pelo Ex.mo Procurador-Geral Adjunto. Em suma, considera que “de acordo com o disposto na al. a) do art. 38º do Regulamento Disciplinar da FPF, a pena de desclassificação tem as consequências previstas nas respectivas alíneas do n.º 1 e no n.º 2. Se são consequências da pena de desclassificação, apenas poderiam ser atacadas em sede de recurso contencioso. Ou seja do acórdão do Conselho de Justiça que confirmou a decisão do Conselho de Disciplina, poderia a recorrente contenciosa ter interposto o competente recurso contencioso, pois, ao invés do que refere a sentença recorrida, a recorrente tinha legitimidade activa, pois que era titular de um interesse directo – porque do seu provimento poderia obter um proveito imediato – pessoal – que se reflecte na sua esfera jurídica e legítimo. Não pode, pois, decidir-se das consequências da pena de desclassificação, pois, as ilegalidades a existirem seriam ilegalidades do acto que confirmou a decisão do conselho de Disciplina, ou seja, do acórdão do Conselho de Justiça, de 25-7-2003. Assim sendo, deverá ser revogada a sentença e ser negado provimento ao recurso contencioso, sendo inútil a apreciação da ampliação do objecto do recurso apresentado pela recorrida a folhas 596”.
Não há dúvida que o acto impugnado é um acto de execução.
Mas também não há dúvida que está a ser impugnado apenas pelos vícios próprios. O recorrente entende que as consequências da pena de desclassificação aplicada a um clube – e que não contesta – não podem ser aquelas a que chegou a entidade recorrida, pondo em causa a interpretação, a legalidade e a constitucionalidade do art. 38º do Regulamento Disciplinar da FPF, sem questionar o acerto da decisão que desclassificou o outro clube.
Trata-se, pois, de um acto de execução a ser atacado jurisdicionalmente apenas por vícios próprios, sendo, nessa medida e âmbito um acto recorrível - cfr. art. 151º, 3 e 4, do Código de Procedimento Administrativo.
2.2.3. Recurso da sentença final
A sentença final declarou nula deliberação impugnada por entender (i) que as alíneas c) e d) o artigo 38º do Regulamento Disciplinar da FPF não poderia ser aplicado “em momento posterior ao fim das competições desportivas” (ii) e ainda porque tais normas “violam a regra básica de que uma pena ou um efeito duma pena só podem ser aplicadas a um arguido em relação ao qual se tenha provado haver culpabilidade”, sendo que a ora recorrente não foi arguida no caso em apreço.
Há assim dois motivos, ou fundamentos distintos, que vamos também analisar separadamente.
Em primeiro lugar disse a sentença que o art. 38º, 1, d) do Regulamento Disciplinar não podia ser aplicado após o fim do campeonato.
O artigo em causa tem a seguinte redacção:

“SUB-SECÇÃO X
DESCLASSIFICAÇÃO
Art. 38º
1. Nas competições por pontos a pena de desclassificação tem as seguintes consequências:
a) O clube punido fica impedido de prosseguir em prova e perde todos os pontos até aí conquistados, os quais não revertem, porém, em favor dos adversários que defrontou até então;
b) Para efeitos de classificação na prova o Clube punido fica a constar do último lugar com zero pontos;
c) Se a desclassificação tiver lugar durante a primeira volta da competição, os resultados dos jogos disputados pelo Clube desclassificado não são considerados para efeito de classificação dos restantes clubes;
d) Se a desclassificação tiver lugar durante a segunda volta da competição não são considerados apenas os resultados dos jogos disputados pelo Clube desclassificado durante a segunda volta;
e) Se a pena de desclassificação respeitar a factos ocorridos nas últimas três jornadas da competição, à pena de desclassificação acresce a de suspensão por uma época desportiva;
2. Nas provas a eliminar, o Clube punido é desqualificado da competição em favor do adversário”.
A sentença conclui que se a desclassificação ocorrer depois de findo o campeonato não há que aplicar nem a al. a), nem a b), do citado preceito, os quais só fazem sentido se a desclassificação ocorrer durante o campeonato:
“Este art. – diz a sentença – além do óbvio significante da “desclassificação”, prevê ainda outras consequências à desclassificação de um certo clube (al. c) e d)): desconsideração dos resultados dos jogos disputados por esse clube para efeito da classificação dos restantes clubes, se a desclassificação ocorrer durante a competição”. Depois de citar o Oliveira Ascensão sobre as regras da interpretação da lei, conclui: “em 1º lugar, deve-se dizer, portanto, que a desclassificação ocorreu aqui após o fim do campeonato, pelo que tais normas não são de todo aplicáveis”.
A conclusão não se infere de qualquer premissa, sendo assim manifestamente subjectiva (arbitrária). A questão é a de saber se o que releva para aplicação da norma é o momento da desclassificação, ou a ocorrência dos factos que a determinaram, não sendo a resposta óbvia, ou meramente intuitiva.
O teor literal do preceito que fala em desclassificação nas alíneas c) e d) e à ocorrência dos factos na al. e). Por outro lado o evento relevante para os demais parece à primeira vista ser a desclassificação e não o facto que a determina. Poderíamos assim, numa leitura imediata, considerar que só na al. e) se atende à ocorrência dos factos – pois só nessa alínea este elemento é literalmente referido.
Contudo, a nosso ver, não é essa a melhor interpretação.
O preceito tem dois tipos de comandos: um destinado o clube punido com a pena de desclassificação e outro destinado aos demais clubes. É este último comando que está em causa. E portanto é a finalidade deste último que devemos recortar – para que a interpretação “literal” se possa adequar à finalidade prosseguida pelo legislador.
A finalidade do preceito – que delimita os efeitos da desclassificação nos demais clubes – é sem dúvida alguma a reposição da verdade desportiva. É, no fundo, aplicar o princípio da igualdade aos demais clubes. É que a desclassificação de um clube, que jogou com outros, perdendo com uns, ganhando com outros e empatando os restantes, projecta-se necessariamente sobre os demais.
Projecta-se, em primeiro lugar, porque o clube desclassificado pode ter jogado apenas com alguns. Projecta-se em segundo lugar porque a pena de desclassificação pode decorrer como no presente caso por força do art. 52º, 1, a) do Regulamento Disciplinar – corrupção da equipa de arbitragem. Nestes casos seria inaceitável que o clube adversário, no jogo onde se verificou a infracção, ficasse prejudicado. Admitindo a hipótese do adversário do clube que corrompeu a arbitragem ter perdido o jogo devido à corrupção do árbitro, esse clube deve ter um tratamento rigorosamente igual a todos os demais clubes.
Ora, a igualdade entre todos os demais clubes só é plenamente obtida se o art. 38º, al. c) e d) for interpretado como reportando-se à data da infracção e não à data da desclassificação. Se a desclassificação ocorre na segunda volta, por factos ocorridos na 1ª volta, e se atender apenas ao momento da desclassificação, o clube que jogou contra o desclassificado e perdeu devido à corrupção do árbitro (art. 52º) contará com essa derrota; os demais clubes que jogaram sem corrupção e ganharam ao clube desclassificado somam os três pontos da vitória. Uma interpretação deste tipo ainda que não beneficiasse o infractor – pois este ficava sempre com zero pontos – penalizava a equipa adversária que, jogando limpo, perdeu o jogo devido à corrupção da equipa de arbitragem.
Tanto basta, a nosso ver, para preferir uma interpretação que trata todos os demais clubes na mais rigorosa igualdade. Tudo se passa, bem vistas as coisas, como se o campeonato se realizasse sem a equipa punida com desclassificação. Valem apenas os pontos obtidos no confronto das demais equipas entre si.
Deste modo a leitura que melhor se adequa à finalidade da lei – que é sem dúvida a de salvaguardar a verdade desportiva com condições de jogo ou de oportunidade rigorosamente iguais – é que foi seguida na deliberação recorrida, não sendo sustentável nesta parte a tese acolhida na sentença recorrida.
Resta saber se esta interpretação colide com o nosso direito constitucional e penal, ou seja, com o art. 30º, n.º 4 da CRP e 65º do Código Penal.
Entende a sentença que as normas “aqui efectivamente aplicadas são irrazoáveis, desproporcionadas, absurdas, ilógicas e infundadas”. “Prever tal tipo de consequências danosas, - diz a sentença - tal efeito automático de pena disciplinar aplicada a outrem, corresponde assim à violação básica de um direito fundamental: só pode haver pena e efeitos de pena se houver ilicitude e culpa do agente objecto e se houver processo em que o sujeito possa ser arguido e defender-se (art. 32º CRP). Nada disso aqui ocorre”
O que impressionou o M. Juiz “a quo” foi o facto do recorrente ter ganho ao clube desclassificado e, portanto, quando a classificação é refeita sem esse clube e sem os pontos obtidos nas competições directas com ele, ter ficado com menos três pontos, e, por isso, baixado de divisão. A “pena” para a tese da sentença traduziu-se na perda dos três pontos e na baixa de divisão.
Ora, só aparentemente podemos falar numa pena, ou seja num constrangimento imposto a alguém como consequência da sua conduta. Na verdade, nada há no consequente jurídico que faz a igualação dos clubes não desclassificados, que decorra de qualquer facto por estes praticados. Não há, portanto, a menor censurabilidade no facto de se refazer a classificação. O que decorre do preceito é que os clubes vão ser reclassificados de acordo com os pontos decorrentes dos jogos entre si (sem o desclassificado) realizados. O consequente não tem assim por base qualquer comportamento destes clubes que se queira evitar com a ameaça da sanção (pena). Toda a sanção penal, diz o art. 40 do Código Penal, tem por fim salvaguardar bens jurídicos e reintegrar o agente. Ora, no caso o consequente (reelaboração da classificação) não prossegue quaisquer fins preventivos ou “retributivos” para se poder apelidar de “sanção”.
A aparência de sanção rapidamente se desvanece se colocarmos a questão numa outra perspectiva. Se em vez de todos os clubes que jogaram com o desclassificado terem a pontuação de zero, tiverem a pontuação máxima, o resultado vem a dar ao mesmo.
Ao fim e ao cabo o que determinava a ordem da classificação eram os resultados dos jogos obtidos entre si pelos clubes não desclassificados.
Como se vê, atribuir a todos zero pontos equivale a atribuir a todos 3 pontos. O que mostra que só na aparência existe sanção: ninguém se atreveria a dizer que foi punido com a atribuição de três pontos.
Do exposto decorre ainda que não existe um nexo de causalidade adequada entre a desclassificação de um clube e a baixa de divisão de outro. Com efeito, a desclassificação, em geral, tanto pode fazer com que alguns clubes subam de posição, como fazer que outros baixem: tudo depende do resultado dos jogos que realizarem entre si. Mesmo que a desclassificação de um clube seja uma condição que leve outro à baixa de divisão, essa não é uma consequência normal e típica, nem é aquela que está no âmbito de previsão da norma. A descida de divisão tem origem numa outra causa, ou seja, tem origem nos resultados obtidos em situação de rigorosa igualdade com os demais clubes: todos os clubes não desclassificados são pontuados de acordo com o resultado dos jogos entre si realizados. É esta a razão da despromoção: no confronto directo com os clubes não desclassificados o recorrente ficou em lugar a que corresponde a despromoção. Nada de mais justo, como é óbvio.
Deste modo, as normas aplicadas limitaram-se a dar expressão à igualdade de tratamento entre os clubes não desclassificados, sem que possa ver-se nesse tratamento igualitário qualquer sanção, devendo em consequência ser revogada a sentença.
2.2.4. Ampliação do objecto do recurso.
O pedido de ampliação do objecto do recurso não pode admitir-se uma vez que no âmbito dos processos regidos pela LPTA, como é o presente, o Supremo Tribunal Administrativo, relativamente ao mérito da causa, apenas conhece das questões que tenham sido apreciadas na 1ª instância cfr. neste sentido, entre muitos outros, os seguintes acórdãos citados no acórdão deste Supremo Tribunal de 13-2-2002, proferido no recurso 048403: de 5-11-87, proferido no recurso n.º 23238, publicado em Apêndice ao Diário da República de 20-4-94, página 4869; de 26-4-89, proferido no recurso n.º 26366, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.° 386, página 325, e em Apêndice ao Diário da República de 15-11-94, página 2801; de 30-4-1991, proferido no recurso n.º 29116, publicado no Apêndice ao Diário da República de 15-9-95, página 2447, e no Boletim do Ministério da Justiça n.º 406, página 415; de 1-4-1993, proferido no recurso n.º 30244, publicado no Apêndice ao Diário da República de 19-8-96, página 1769; de 24-10-1996, proferido no recurso n.º 40013, publicado no Apêndice ao Diário da República de 15-4-99, página 7146; de 30-9-1997, proferido no recurso n.º 34587, publicado no Apêndice ao Diário da República de 12-6-2001, página 6416. Por isso, os vícios apontados à deliberação contenciosamente impugnada, mas que a sentença não conheceu, não podem ser conhecidos pelo STA, neste recurso jurisdicional.
Neste sentido não pode ser atendida a pretensão do recorrido.
3. Decisão
Face ao exposto, os juízes da 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo acordam:
a) Negar provimento ao recurso do despacho saneador;
b) Conceder provimento ao recurso do Ministério Público e da entidade contenciosamente recorrida, revogar a sentença final e ordenar a baixa dos autos para conhecimento dos demais vícios imputados ao acto.
Custas pelo recorrido, na medida do seu decaimento, fixando a taxa de justiça em 400 € e a Procuradoria em 50%.
Lisboa, 10 de Setembro de 2008. – António Bento São Pedro (relator) – Fernanda Martins Xavier e Nunes – Maria Angelina Domingues.

Naturalmente, como tiveram oportunidade de perceber, não se trata do mesmo problema da simulação. Aqui abordam-se outras questões, como a jurisdicção à parte que é a desportiva, a descodificação de conceitos indeterminados. De qualquer maneira, enquadra-se dentro do ambito da acção de anulação.

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Omissão do dever regulamentar- Acórdão 3 de Outubro de 2006 (STA)

Acordam na 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo
1. Relatório
A... e outros, devidamente identificados nos autos, intentaram no Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa a presente ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL contra o GOVERNO, o MINISTÉRIO DA ECONOMIA e O MINISTÉRIO DAS FINANÇAS, pedindo:
a) a declaração de ilegalidade consubstanciada na omissão da aprovação do Decreto Regulamentar a que se refere o art. 14º do Dec. Lei 112/2001, no que respeita ao pessoal provido na carreira de Inspector Técnico da Direcção Geral de Turismo e, em consequência, fixar ao primeiro réu um prazo não inferior a seis meses a fim de suprir essa omissão, sob pena de pagar sanção pecuniária compulsória em montante a definir, por cada dia de atraso no cumprimento do prazo.
b) que os segundo e terceiro autores sejam declarados credores do segundo réu por responsabilidade civil decorrente do não pagamento das retribuições inerentes ás novas categorias e ao suplemento de função inspectiva desde as que se venceram em 1 de Julho de 2000 até às que se vençam na data de efectivo pagamento, e no caso dos sétimo a décimo terceiro autores até às datas das aposentações respectivas, sendo condenado no pagamento dos juros de mora, à taxa legal, desde essas datas até à de integral e efectivo pagamento a liquidar em execução de sentença, ou caso não se verifiquem os pressupostos de responsabilidade civil, ser o segundo réu declarado devedor dos segundo a décimo terceiro autores a título de enriquecimento sem causa, sendo condenado a devolver-lhes o montante do seu enriquecimento, aferido pela diferença entre o que lhes deveria ter sido pago, a título de retribuição e suplemento de função inspectiva, desde 1 de Julho de 2000 até à data de efectivo pagamento, e no caso dos sétimo a décimo terceiro autores até às datas das aposentações respectivas, pela aplicação dos índices de preços ao consumidor desde aquela data até á de integral pagamento em execução de sentença.
c) que o terceiro réu seja declarado devedor dos sétimo a décimo terceiro autores, por responsabilidade civil decorrente do não pagamento das pensão de aposentação recalculada de acordo com as novas retribuições e suplemento de função inspectiva desde as datas de aposentação até à data de efectivo pagamento, sendo condenado a pagar-lhes juros de mora à taxa legal desde essas datas até à de integral e efectivo pagamento, a liquidar em execução de sentença ou, caso se entenda não se verificarem os pressupostos de responsabilidade civil, ser o terceiro réu declarado devedor dos sétimo ao décimo terceiro autores a título de enriquecimento sem causa, ser este condenado a devolver-lhes o montante do seu enriquecimento, aferido pela diferença entre o que lhes deveria ter sido pago, a título de pensão de reforma desde a data de efectivo pagamento, pela aplicação dos índices de preços ao consumidor desde aquela data e a de integral pagamento a liquidar em execução de sentença.
No essencial fundamentaram o pedido nos seguintes termos:
Os primeiro a sexto autores encontram-se actualmente providos em lugares da carreira de Inspector Técnico de Turismo;
Porém, atenta a aprovação das leis orgânicas da Direcção Geral de Turismo (Dec. Lei 292/98, de 18 de Setembro – art. 45º) e da Inspecção Geral das Actividades Económicas (Dec. Lei 46/2004, de 3 de Março) transitaram, em 1 de Abril de 2004, para o quadro desta última;
Quer a Direcção Geral do Turismo, quer a Inspecção-geral das Actividades Económicas, são serviços ou entidades nas áreas da regulamentação, regulação, supervisão e inspecção do Ministério da Economia (cfr. art. 3º, n.º 3, 3.1. a), iii) e 3.3. ii) do Dec. Lei 186/2003, de 6 de Agosto).
Os sétimo a décimo terceiro autores aposentaram-se, respectivamente, em 28-2-2004, 31-3-2003, 25-8-2003, 31-5-2003, 30-6-2003, 31-5-2003 e 30-4-2003 com as categorias de técnico principal, técnico especialista, técnico principal, técnico especialista principal, técnico principal, técnico especialista e técnico principal;
Consequentemente, as respectivas pensões de aposentação não foram calculadas tomando em consideração o suplemento de função inspectiva;
Sendo o Ministério das Finanças a entidade que tutela a Caixa Geral das Aposentações (art. 8º al. a) do Dec. Lei 158/96, de 3 de Setembro);
Nos termos do disposto no art. 182º da CRP o Governo é o órgão superior da Administração Pública;
Competindo-lhe, nos termos do art. 199º al. c) da CRP fazer os regulamentos necessários à boa execução das leis;
Por seu turno, dispõe o art. 112º, n.º 7 do mesmo diploma que “os regulamentos do Governo revestem a forma de decreto regulamentar quando tal seja determinado pela lei que regulamentam, bem como no caso de regulamentos independentes”.
No caso em apreço, a norma legal habilitante (art. 14º, n.º 1 do Dec. Lei 112/2001, de 6 de Abril) dispõe expressamente que a aplicação do preceituado no diploma em causa faz-se por meio de decreto regulamentar;
Diploma esse que, como acima se indicou, é constitucionalmente qualificado como regulamento;
Conforme acima se indicou, os autores encontram-se prejudicados pelo facto de, ao arrepio do prazo expressamente consignado pelo n.º 2 do art. 14º do diploma supre indicado, o decreto regulamentar imprescindível à transição para a nova carreira e à execução do preceituado no art. 12º, ainda não ter sido publicado;
Dispõe o art. 77º, n.º 1 do CPTA que quem alegue um prejuízo directamente resultante da situação de omissão pode pedir ao tribunal administrativo competente que aprecie e verifique a situação de ilegalidade por omissão das normas cuja adopção, ao abrigo de disposições de direito administrativo, seja necessária para dar execução a actos legislativos carentes de regulamentação.
Dispondo o art. 46º, n.º 3 al. d) do mesmo diploma, revestir a forma de acção administrativa especial aquela em que se peça a declaração de ilegalidade da não emanação de uma norma que devesse ter sido emitida ao abrigo de disposições de direito administrativo.
Pelo que a presente acção é a própria para que o tribunal verifique a omissão e, em cumprimento do disposto no n.º 2 do art. 77º do CPTA dê conhecimento do facto ao Governo, fixando-lhe prazo não inferior a seis meses para que supra a omissão;
Sendo ainda a própria para que o Tribunal, ao abrigo do disposto no art. 3º, n.º 2 do CPTA, fixe sanção pecuniária compulsória, por cada dia de demora do cumprimento da decisão;
Assim, o primeiro réu é parte legítima para contradizer (cfr. Art. 10º do CPTA).
Dispõe ainda o art. 47º, 1 do CPTA que, em cumulação com o pedido consignado, designadamente na al. d) do n.º 2 do art. 46º, podem ser efectuados outros pedidos que com aquele apresentem uma relação material de conexão, segundo o disposto no art. 4º e, designadamente, ser pedida a condenação da Administração na reparação dos danos resultantes da omissão ilegal;
Conforme acima se referiu, o art. 19º do Dec. Lei n.º 112/2001, de 6 de Abril determina que a transição para as novas carreiras por si criadas, bem como o correspondente suplemento de função inspectiva, produz efeitos reportados a 1 de Julho de 2001;
Assim sendo, quando entrar em vigor o decreto regulamentar omitido pelo Governo, deverá o segundo réu proceder à transição dos autores para lugares de quadro em categorias das novas carreiras;
Remunerá-los de acordo com os escalões em que vierem a ser colocados;
E calcular o suplemento de função inspectiva no montante de 22,5 % da remuneração base de cada autor, desde 1 de Julho de 2000 até à data em que o cálculo ocorra;
No que respeita aos sétimo a décimo terceiro autores que, entretanto se aposentaram, deve o segundo réu efectuar os cálculos respectivos date à data da sua aposentação;
Entregando a todos os autores as quantias correspondentes;
Estas operações impostas pela lei constituem deveres de prestar a que a Administração está adstrita;
De facto, dispõe o art. 798º do C. Civil, aplicável por analogia, que “o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor”;
E o art. 562º do mesmo diploma legal estabelece que “quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”;
Assim, o cumprimento das obrigações de prestar, por parte da Administração não tutela suficientemente os direitos dos autores;
Dado que, de facto, não lhes foram disponibilizadas as quantias que deveriam receber nas datas em que teriam que as receber;
O decurso do tempo levou a que a moeda se depreciasse, pelo que, estando em causa o cumprimento de obrigações pecuniárias com prazo certo, os autores têm direito a perceberem juros de mora, à taxa legal, desde as datas em que deveriam dispor das quantias em causa até àquela em que as mesmas lhes sejam entregues;
Sem prejuízo do alegado, e caso se entenda não estarem reunidos no caso presente os pressupostos de responsabilidade civil, nem por isso a satisfação dos deveres de prestar inerentes ao cumprimento da imposição legal tutela convenientemente os direitos dos autores;
De facto, os segundo a sexto autores e o sétimo a décimo terceiro autores, estes à data do seu desligamento de serviço, têm exercido as funções inerentes à carreira em que se encontram posicionados;
Suportando os ónus que fundamentaram a concessão do subsídio de função inspectiva ora em causa, em benefício do interesse público prosseguido pela Administração;
Pelo que esta auferiu os benefícios inerentes a essa prestação, sem que, até ao momento os autores recebessem a retribuição por tal facto;
Existiu, assim, uma deslocação patrimonial, consubstanciada no valor económico da prestação de trabalho, da esfera jurídica dos autores para a da Administração, deslocação essa que a satisfação dos deveres de prestar, ainda que com efeitos retroactivos não elimina completamente, já que, como acima se referiu os autores não puderam dispor das quantias que lhes deviam ter sido abonadas nas datas em que o deviam ser;
Pelo que, a não restituição desse enriquecimento, por parte da Administração, constituiria um enriquecimento injusto por parte desta;
O princípio da proibição de enriquecimentos injustos constitui um princípio geral do Direito Administrativo emergente dos princípios da legalidade, da justiça, da imparcialidade, da igualdade, da proporcionalidade, do respeito pelos direitos e deveres dos administrados, da prossecução do interesse público, da boa administração, da repartição equitativa dos encargos públicos, da boa fé e da protecção da confiança (artigos 266º da CRP e 4º, 5º, 6º e 6º-A do CPA);
Assim, nos termos do disposto no art. 473º do C. Civil está a Administração obrigada a restituir aquilo com que injustamente se locupletou, a saber, a diferença entre a quantia que lhes abonará e aquela que lhes abonaria caso as retribuições respectivas lhes tivesse sido abonadas nas datas de vencimento;
Quantia essa que deve ser calculada nos termos do disposto no art. 551º do C. Civil, isto é, através da aplicação dos índices dos preços e de modo a estabelecer entre a prestação entregue e a relação existente na data em que a obrigação se constituiu;
No que respeita ao sétimo a décimo terceiro autores, que entretanto se aposentaram, impõe a lei (art. 12º, n.º 3 do Dec. Lei 112/2001, de 6 de Abril) que a respectiva pensão de aposentação seja recalculada sendo-lhes pagas as diferenças entre os montantes que entretanto lhes foram sendo pagos e aqueles a que têm direito por força do recalculo;
Pelo que o terceiro réu é parte legítima para contradizer este pedido.
O MINISTÉRIO DA ECONOMIA contestou a acção alegando o seguinte:
Reconhece-se que, mercê de dificuldades várias não chegou a ser publicado o decreto regulamentar de aplicação à Direcção Geral do Turismo do regime do Dec. Lei 112/2001, de 6 de Abril – enquadramento e estrutura das carreiras de inspecção da Administração Pública.
Sucede porém que a nova lei orgânica da Direcção Geral do Turismo, aprovada pelo Dec. Lei 8/2004, de 7 de Janeiro, e a nova lei orgânica da Inspecção-geral das Actividades Económicas aprovada pelo Dec. Lei 46/2004, DE 3 DE Março vieram alterar profundamente a situação existente: a primeira deixou de possuir serviços de inspecção, tendo sido transferidas para a segunda as competências em matéria de fiscalização e instrução processual (n.º 1 do art. 35º do citado Dec. Lei 46/2004).
Não faria, pois, sentido que, no momento presente, os réus na acção fossem judicialmente compelidos a publicar um decreto regulamentar de aplicação do Dec. Lei n.º 112/2001 a um serviço do Estado – a Direcção Geral do Turismo – destituída de serviços de inspecção.
O que fica dito não inviabiliza, como é óbvio a necessidade de o Ministério da Economia, vir a adoptar, por via administrativa, as soluções adequadas à salvaguarda das legítimas expectativas dos autores decorrentes do regime criado pelo aludido Dec. Lei n.º 112/2001. Não porém nos termos pretendidos pelos autores, face à perda de funções inspectivas por parte da Direcção-Geral do Turismo, decorrente da mencionada evolução legislativa entretanto ocorrida.”
A MINISTRA DE ESTADO E DAS FINANÇAS contestou a acção arguindo a excepção da incompetência do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa, por entender competente o Supremo Tribunal Administrativo, dado a mesma ter por objecto a omissão de um regulamento imputada ao Ex.mo Senhor Primeiro Ministro (art. 24º, 1 do ETAF).
Por impugnação considera que foi alterado o contexto da publicação do Dec. Lei 112/2001, de 6 de Abril foi alterado com a publicação da nova Lei Orgânica da Direcção Geral do Turismo e a Lei Orgânica da Inspecção-geral das Actividades Económicas, respectivamente pelo Dec. Lei 8/2004 de 7 de Janeiro e Dec. Lei 46/2004, de 3 de Março. Com estes diplomas as competências em matéria de fiscalização e instrução processual foram transferidas da DGT para a IGAE. Deste modo, não é possível que a DGT proceda à regulamentação de carreiras que não se enquadram na sua estrutura orgânica. Uma decisão neste sentido revelar-se-ia inútil, por impossibilidade prática da sua execução, violando ainda o princípio da legalidade.
Suscita ainda o incidente do valor da causa.
O PRIMEIRO-MINISTRO também contestou a acção, começando por suscitar a questão da incompetência do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa, por entender competente o Supremo Tribunal Administrativo.
Arguiu ainda a ilegitimidade passiva do Governo (1º réu), uma vez que, em seu entender, tanto quanto é possível extrair da petição inicial, aquilo que os autores pretendem é a adopção de uma qualquer iniciativa do membro do Governo com atribuições na sua área funcional (Ministério da Economia) destinada a suprir a sua situação estatutária em que se consideram colocados em consequência da omissão normativa censurada. Nestes termos parece ocorrer a ilegitimidade passiva do 1º Réu na presente acção administrativa especial já que o pedido dos autores não resulta satisfeito pela sua acção: por um lado, porque a iniciativa do procedimento normativo pressuposto carece de intervenção primária do Ministério da Economia; depois, ainda que assim se não entenda e sem conceder, porque o Governo enquanto órgão colegial não tem qualquer intervenção necessária na prática de regulamentos administrativos do Governo;
Quanto ao mérito considera ainda que é inútil a emissão do decreto regulamentar em causa. Com a publicação da nova Lei Orgânica da Direcção Geral de Turismo (Dec. Lei 8/2004, de 7 de Janeiro) e, sobretudo, com a publicação da nova Lei Orgânica da Inspecção-Geral das Actividades Económicas (Dec. Lei 46/2004, de 3 de Março) foram transferidas para esta inspecção as competências da DGT em matéria de fiscalização e instrução processual. Assim a Direcção Geral de Turismo não mantém, hoje, quaisquer poderes de fiscalização ou inspecção, pelo que não pode proceder à regulamentação de carreiras que não têm qualquer reflexo nos seus quadros de pessoal.
Alegam ainda não ser possível a condenação no pagamento de sanções compulsórias, visto tal não decorrer nem do art. 77º,2 do CPTA, nem das disposições relativas ao processo de execução.
Por decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa declarou-se a incompetência do tribunal e ordenou-se a remessa dos autos a este Supremo Tribunal Administrativo.
Por despacho do relator de 11 de Maio de 2005 foi decidido o incidente do valor da causa atribuindo-se ao processo o valor de €254,314,85 (duzentos e cinquenta e quatro mil, trezentos e catorze euros e oitenta e cinco cêntimos). Deste despacho foi interposto reclamação para a conferência pelos autores, da qual viriam mais tarde a desistir.
Em 25 de Janeiro de 2006, foi proferido despacho saneador, que não foi objecto de reclamação, onde se considerou o tribunal competente, que as partes tinham personalidade e capacidade judiciárias e eram legítimas. Mais se considerou que “a desnecessidade da emissão da norma regulamentar configura em nosso entender uma situação de mérito, ou seja, prende-se coma verificação da existência de uma situação de ilegalidade por omissão. Para já, não se vislumbra uma impossibilidade absoluta da satisfação do interesse do autor pelo que não é caso de modificação objectiva da instância – cfr. art. 45º do CPTA”.
Nesse despacho foi ainda determinado que os autores liquidassem os pedidos genéricos formulados.
Os autores liquidaram os respectivos pedidos.
Por despacho de fls. 512, proferido em 26-4-2006, e por não haver matéria de facto controvertida, foram as partes notificadas para alegarem por escrito.
Nas alegações de direito as partes mantiveram as posições antes assumidas e acima devidamente descriminadas. O autor António Lopes de Frias apresentou alegações autonomamente, mas defendeu, no essencial aposição que defendera (em conjunto com os demais) na petição inicial. A Presidência do Conselho de Ministros nas suas alegações voltou a pedir a absolvição da instância por ilegitimidade passiva e o Ministro das Finanças voltou também a defender que o seu chamamento ao processo decorre unicamente da má visão dos autores.
Colhidos os vistos legais, foi o processo submetido à conferência.
2. Fundamentação
2.1. Matéria de facto
Par o julgamento da presente acção consideram-se relevantes os seguintes factos e ocorrências:
a) o primeiro a sexto autores encontram-se todos providos em lugares da carreira de Inspector Técnico de Turismo da Direcção Geral de Turismo;
b) os sétimo a décimo terceiro autores encontram-se aposentados, estando à data das respectivas aposentações, providos em lugares da carreira de Inspector Técnico de Turismo da Direcção Geral de Turismo;
c) todos os autores encontravam-se providos em lugares da mesma carreira em 1 de Julho de 2000;
d) os serviços de Inspecção da Direcção Geral de Turismo foram organizados pelo Dec. Lei 74/71, de 17 de Março, sendo suas atribuições as seguintes (artigo 2º, n.º 1):
- fiscalizar, para prevenção e repressão das respectivas infracções, o cumprimento das normas legais que regulam o exercício das actividades e profissões turísticas, designadamente a exploração dos estabelecimentos hoteleiros e similares, de ou sem interesse público, das agências de viagens, dos parques de campismo, públicos ou privativos, e de outros meios complementares de alojamento, a prática de campismo fora de parques e a actividade do pessoal de informação turística;
- prestar aos restantes serviços da Direcção Geral de Turismo e ao Fundo de Turismo a colaboração que, em matéria de inspecção e fiscalização, lhes for solicitada;
- desempenhar as demais funções de inspecção e fiscalização cometidas por disposição regulamentar especial;
e) Incumbia ainda aos Serviços de Fiscalização, nos termos do art. 3º do referido diploma, o seguinte:
- inspeccionar todos os locais onde se exercessem quaisquer actividades ou profissões sujeitas à sua fiscalização;
- verificar, para efeitos da atribuição do estatuto de utilidade pública turística, o estado de conservação das instalações e o nível dos serviços dos estabelecimentos declarados de utilidade turística, e bem assim a observância de quaisquer condicionamentos estabelecidos no respectivo despacho de concessão;
- receber as reclamações apresentadas e averiguar do seu fundamento;
- proceder à instrução de processos relativos a infracções cujo conhecimento fosse da competência da então Secretaria de Estado da Informação e Turismo, pela Direcção – Geral de Turismo;
f) Para realizar as atribuições acima enumeradas, o diploma em causa, nos seus artigos 16º e 17º contemplava um conjunto de direitos, designadamente do inspector-chefe, inspectores, sub-inspectores e agentes dos Serviços de Inspecção, dos quais se destacam os de entrada e permanência, pelo tempo necessário ao exercício das suas funções, em quaisquer locais sujeitos a fiscalização e a qualquer hora do dia ou da noite, o de exigirem documentação e quaisquer registos, livros de escrituração comercial e outros elementos;
g) Estabelecendo o art. 6º do mesmo diploma que o serviço de fiscalização era de carácter permanente e a competência dos respectivos funcionários, para efeitos de tomar conhecimento de qualquer infracção ou reclamação ou para a prática de actos urgentes, não limitada territorialmente, para além de considerar urgentes os actos que tivessem em vista obstar à consumação da infracção ou que visassem a recolha de prova que de outro modo se perdesse, se tornasse contingente ou particularmente difícil;
h) Mais previam os artigos 21º a 27º do mesmo diploma que os Serviços de Inspecção eram dirigidos por um Inspector – Chefe subordinado ao Director Geral de Turismo, coadjuvado por inspectores, sob cuja hierarquia estavam sub-inspectores e agentes, prevendo ainda o respectivo conteúdo funcional;
i) O Dec. Lei 734/74, de 21 de Dezembro veio, no seu art. 4º, n.º 3, dispor que o pessoal do Serviço de Inspecção da Direcção Geral do Turismo, constava de quadro anexo, no qual se previram um lugar de inspector e três lugares de sub-inspectores;
j) Por seu turno, o Dec. Lei n.º 420/75, de 9 de Agosto, veio aprovar o quadro único permanente da Direcção Geral de Turismo, prevendo-se um lugar de Inspector, três lugares de sub-inspectores e trinta e um lugares de inspectores técnicos;
k) Em 1982, o Dec. Regulamentar n.º 32/82, de 3 de Junho, aprovou um novo quadro de pessoal, prevendo-se nove lugares de inspector técnico de 2ª classe, vinte e sete lugares de inspectores técnicos de 1ª classe e nove lugares de inspector técnico principal;
l) Sendo que, nos termos do art. 25º, n.º 4, deste regulamento, os inspectores técnicos de 2ª classe não habilitados com licenciatura transitaram para a carreira de inspector técnico;
m) O Dec. Lei 155/88, de 29 de Abril aprovou nova orgânica da Direcção Geral do Turismo, revogando designadamente, o Dec. Lei 734/74, de 21 de Dezembro e o Dec. Regulamentar n.º 32/82, de 3 de Junho (art. 64º);
n) O art. 47º do mesmo diploma reestruturou a carreira de inspector técnico, dotando-a de seis categorias a saber, de técnico de 2ª classe (nove lugares), técnico de 1ª classe (doze lugares), técnico principal (nove lugares), técnico especialista (três lugares) técnico especialista de 1ª classe (um lugar) técnico especialista principal (um lugar);
o) Em 6 de Abril de 2001, foi publicado o Dec. Lei 112/2001, que estabeleceu o enquadramento e definiu a estrutura das carreiras de inspecção da administração pública;
p) Os artigos 15º e 16º deste diploma prevêem regras de transição para as novas carreiras, dispondo o artigo 12º que o pessoal abrangido pelo mesmo tem direito a um suplemento de função inspectiva, para compensação dos ónus específicos inerentes ao seu cargo (n.º 1); que tal suplemento é fixado no montante de 22,5% da respectiva remuneração base (n.º 2), sendo abonado em doze mensalidades, relevando para efeitos de aposentação, sendo considerado no cálculo da pensão pela forma prevista na alínea b) do n.º 1 do art. 47º do Estatuto da Aposentação (n.º 3);
q) Nos termos do disposto no art. 14º do mesmo diploma, a respectiva aplicação faz-se mediante decreto regulamentar (n.º 1) a aprovar no prazo de 90 dias (n.º 2).
r) Sendo que, segundo o prescrito no art. 19º do mesmo diploma, a transição para as novas carreiras criadas pelo novo diploma, bem como o correspondente abono de suplemento de função inspectiva produzem efeitos reportados a 1 de Julho de 2000.
s) Porém, até à presente data, o decreto regulamentar a que se refere o art. 14º do Dec. Lei 112/2001, não foi publicada.
t) Consequentemente, os autores ainda não transitaram para as novas categorias criadas pelo referido diploma, nem receberam o suplemento de função inspectiva;
u) Os primeiro a sexto autores encontram-se actualmente providos em lugares da carreira de Inspector Técnico de Turismo;
v) Porém, atenta a aprovação das leis orgânicas da Direcção Geral de Turismo (Dec. Lei 292/98, de 18 de Setembro – art. 45º) e da Inspecção Geral das Actividades Económicas (Dec. Lei 46/2004, de 3 de Março) transitaram, em 1 de Abril de 2004, para o quadro desta última;
x) Quer a Direcção Geral do Turismo, quer a Inspecção-geral das Actividades Económicas, são serviços ou entidades nas áreas da regulamentação, regulação, supervisão e inspecção do Ministério da Economia (cfr. art. 3º, n.º 3, 3.1. a), iii) e 3.3. ii) do Dec. Lei 186/2003, de 6 de Agosto).
z) Os sétimo a décimo terceiro autores aposentaram-se, respectivamente, em 28-2-2004, 31-3-2003, 25-8-2003, 31-5-2003, 30-6-2003, 31-5-2003 e 30-4-2003 com as categorias de técnico principal, técnico especialista, técnico principal, técnico especialista principal, técnico principal, técnico especialista e técnico principal;
aa) Com a publicação da nova Lei Orgânica da Direcção Geral de Turismo (Dec. Lei 8/2004, de 7 de Janeiro) e, sobretudo, com a publicação da nova Lei Orgânica da Inspecção-Geral das Actividades Económicas (Dec. Lei 46/2004, de 3 de Março) foram transferidas para esta inspecção as competências da DGT em matéria de fiscalização e instrução processual
2.2. Matéria de direito
Nos presentes autos estão formuladas várias pretensões cumuladas. No entanto podemos sistematizá-las em três grupos: (i) declaração de ilegalidade de omisso regulamento; (ii) condenação ao pagamento das quantias deixadas de receber por causa dessa omissão; (iii) condenação no pagamento do dano sofrido pelo facto de não ter recebido as quantias em causa no tempo oportuno (mora).
É verdade que nas alegações finais o Ex.mo Senhor Primeiro-ministro volta a por em causa a sua legitimidade passiva, mas sem razão de ser, uma vez que a questão foi já apreciada no despacho saneador – cfr. ainda o disposto no art. 87º, 2 do CPTA que impede que as excepções possam ser conhecidas em momento posterior àquele despacho. A impossibilidade da emissão do regulamento em causa é a nosso ver uma questão de mérito, e, portanto, será apreciada na análise dos requisitos da ilegalidade por omissão de norma regulamentar.
Assim, apreciaremos as questões acima referidas, começando por abordar a questão de saber se existe uma situação de ilegalidade por omissão de normas regulamentares.
O art. 77º, n.º 1 do CPTA consagrou, pela primeira vez entre nós, a possibilidade da “declaração de ilegalidade por omissão” (é a epígrafe do artigo), nos seguintes termos: “O Ministério Público, as demais pessoas e entidades defensoras dos interesses referidos no art. 9º, e quem alegue um prejuízo resultante da situação de omissão podem pedir ao tribunal administrativo competente que aprecie e verifique a existência de situações de ilegalidade por omissão das normas cuja adopção, ao abrigo de disposições de direito administrativo, seja necessária para dar exequibilidade a actos legislativos carentes de regulamentação”.
Quanto à legitimidade a questão está assente no saneador, portanto, fixamo-nos nos requisitos de que depende a verificação de existência de uma situação de ilegalidade por omissão.
Um dos requisitos legalmente exigidos para que o tribunal declare a verificação de uma situação de ilegalidade por omissão de regulamento é a existência de um acto legislativo carente de regulamentação.
Vejamos, então, se este requisito se verifica, uma vez que tal verificação foi posta em causa nos autos.
O Dec. Lei 112/2001, de 6 de Abril estabeleceu o enquadramento (art. 1º), definiu a estrutura das carreiras de inspecção da Administração Pública (art. 5º) dispôs sobre a transição dos funcionários que já se encontravam a desempenhar funções e, além do mais, criou um “suplemento de inspecção inspectiva” (art. 12º). No art. 14º, n.º 1 dizia-se o seguinte:
“A aplicação do disposto no presente diploma aos serviços e organismos a que se refere o n.º 1 do art. 2º, faz-se em cada caso, mediante decreto regulamentar”.
E no artigo 19º do mesmo diploma dizia-se:
“A transição para as novas carreiras criadas pelo presente diploma, bem como o correspondente abono do suplemento de função inspectiva, produz efeitos reportados a 1 de Julho de 2000”.
Até hoje, relativamente aos funcionários da Direcção Geral de Turismo, não foi emitido o decreto regulamentar em causa.
Desta forma, é a nosso ver indiscutível que, para efectivação da transição para as novas carreiras e possibilidade dos destinatários poderem auferir o suplemento de função inspectiva, existe um acto legislativo que não chegou a ser regulamentado.
Também é indiscutível que sem a publicação do referido decreto regulamentar o regime instituído pelo Dec. Lei 112/2001, de 6 de Abril, não produz efeitos relativamente aos autores, pois este diploma subordinava a essa produção de efeitos à emissão de um decreto regulamentar.
Contudo, alegam os réus, que deixou de fazer sentido a emissão do regulamento pois a alteração da ordem legal fez desaparecer a sua utilidade e necessidade. Essa alteração do quadro legal, em termos sintéticos, radicou na modificação das atribuições da Direcção Geral de Turismo, organismo onde os autores desempenhavam funções inspectivas, o qual deixou de ter atribuições nessa matéria. E, sendo assim, argumentam os réus, não há neste momento necessidade de regulamentar as Carreiras de Inspecção, num organismo que não possui atribuições dessa natureza.
Esta argumentação tem na sua base efectivamente numa alteração legislativa muito significativa. Com efeito as leis orgânicas da Direcção Geral de Turismo (Dec. Lei 292/98, de 18 de Setembro – art. 45º) e da Inspecção-geral das Actividades Económicas (Dec. Lei 46/2004, de 3 de Março) atribuíram a esta última entidade, e apenas a esta, as funções inspectivas. Como se disse no preâmbulo do Dec. Lei 292/98, de 18/9 “em termos imediatos, são desde já transferidas para a Inspecção Geral das Actividades Económicas as tarefas de inspecção, com base no entendimento de que a este serviço do Ministério da Economia competem todas as funções de inspecção da actividade turística”. O art. 45º do mesmo diploma prévia, por isso, a transição dos “pessoal da carreira de inspector técnico” da Direcção Geral de Turismo para a Inspecção-geral das Actividades Económicas, que veio a ultimar-se em 1 de Abril de 2004.
A tese dos réus tem, assim, toda a razão de ser. Vejamos porquê.
Resulta do novo quadro legal que a situação actual não carece de qualquer regulamentação. A Direcção Geral de Turismo não tem atribuições em matéria de inspecção, pelo que por força da alteração do quadro legal, deixou de ser necessária a regulamentação do Dec. Lei 112/2001, de 6 de Abril, quer para as situações actuais, quer para as situações futuras. Podemos pois concluir que as situações do presente e do futuro não carecem de qualquer regulamentação. Perante o bloco de legalidade actualmente em vigor não há necessidade de regulamentar as carreiras inspectivas (inexistentes) da Direcção Geral de Turismo. Impõe-se assim a improcedência do pedido quanto à verificação da situação de ilegalidade de emissão do regulamento para situações actuais e futuras, por falta do requisito acima apontado (existência de acto legislativo – ainda - carente de regulamentação).
Não é assim no que se refere às situações passadas, dado que as mesmas foram vividas à sombra de um quadro legal, efectivamente carente de regulamentação. As situações passadas – como reconhece o Ministério da Economia na sua contestação, e como é de resto óbvio pois nunca foram regulamentadas – estão ainda em desconformidade com a ordem jurídica.
Contudo, para estas situações passadas, coloca-se uma outra questão, qual seja a de saber se é possível juridicamente emitir um regulamento cujo âmbito de aplicação sejam situações todas elas já concretizadas (e por isso sem abstracção) num universo de pessoas todas elas já identificadas (e por isso sem generalidade). Dito de outro modo, se é possível emitir um regulamento que não seja nem geral, nem abstracto.
E a resposta parece ser intuitivamente negativa, sob pena de sermos forçados a admitir a existência de um regulamento sem “normas”, o que seria uma contradição nos termos
O Acórdão do Pleno da 1ª Secção deste Supremo Tribunal de 7-6-2006, proferido no processo 01257/0, “ (…) Sem intuito de exaustão, diz o acórdão, na jurisprudência mais recente do STA, pode ver-se, e atendo-nos apenas a disposições contidas em diplomas legais de âmbito organizativo em serviços da Administração Pública, o acórdão de 11-05-89 (recurso nº 18998-Pº. Cfr. BMJ 387,627 e APDR 7-9-90,387), em cujo Sumário pode ler-se que “A Resolução n. º 67/83, do Governo Regional da Madeira, que fixou diversas medidas relativas aos funcionários que, ao abrigo do Decreto-Lei n. º 365/79, de 4 de Setembro, foram integrados no quadro do pessoal da Secretaria Regional do Equipamento Social, é um acto administrativo plural ou geral”.
O acórdão de 07-05-96 (Rec. nº 26010-Pº), configura como acto administrativo e não como acto normativo a determinação contida na Portaria n.º 150/88, de 10.3, que [ao aprovar os novos quadros de pessoal de diversas instituições, entre elas os Hospitais Civis de Lisboa e a Maternidade Dr. Alfredo da Costa] reclassifica como segundos oficiais da carreira de oficial administrativo todos aqueles que, no momento da sua entrada em vigor, fossem titulares do cargo de assistente de dados, pois que tal determinação teria destinatários certos e esgotava-se com uma única aplicação, considerando-a pois destituída de generalidade e abstracção (Sobre o tema, na jurisprudência do STA, podem ainda ver-se, entre muitos outros, os acs. do TP de 15/1/1997 (Rec. nº 20308) e de 24/6/1997 (Rec. nº 30808) - in APDR DE 28/MAI /99-, de 4/3/1997 (Rec. nº 38606), de 9/6/1998 (Rec. nº 34852, in APDR de 26/ABR/02) de 9/JAN/98 (Rec. 34852, in APDR de 26/ABR/02) e de 15/JUN/99 (rec. 44163).).
Por sua vez, o acórdão de 97.04.15 (Rec. nº 33250), considerou que o comando contido no nº 3 do artº 4º do Dec. Lei nº 334/93, de 29 de Setembro, ao estipular a transição para técnicos superiores de 2ª classe dos professores do quadro do instituto de orientação profissional com o grau de licenciatura, não corporiza um acto materialmente administrativo.
No recente acórdão de 07-07-2004, Rec.º nº 01011/02 (Reafirmando doutrina expendida em antecedente aresto de 22-04-2004 (Rec. nº 0933/02) sobre caso similar.), [estando em causa a regulação estabelecida pelo artigo 1º do D.L. 22/96, de 20 de Março, quanto aos trabalhadores das casas de cultura da juventude em funções desde a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 333/93, de 29 de Setembro, e em que, a não ser que expressamente declarassem desejar manter o seu regime de trabalho, se determinou que ficariam abrangidos pelo regime jurídico dos funcionários e agentes da Administração Pública, e que numa análise perfunctória poderia considerar-se haver recaído sobre situação similar à vertente], considerou-se que o despacho conjunto (cf. artigo 4º daquele D.L. 22/96) dos Ministros das Finanças e Adjunto, que estabelecia as condições de ingresso e acesso às categorias da função pública por parte daqueles trabalhadores, por se esgotar com uma única aplicação, embora com pluralidade de destinatários concretos, não é um acto genérico, mas acto administrativo concreto, embora plural.
Temos como a boa a doutrina expendida no acórdão de 03-11-2004-Rec. nº 0678/04, tirado a respeito de despachos respeitantes a fixação dos montantes das remunerações relativas às categorias das carreiras de regime geral da DGCI (…)”.
, fez uma resenha da jurisprudência deste Supremo Tribunal, deixando clara a ideia de que os actos plurais e concretos não são acto a normativos. Este tipo de actos, destinados a um universo de pessoas, mas todas elas bem determinadas à data da publicação (acto plural e não geral por não admitir a hipótese de outras pessoas poderem integrar a previsão da norma) a situações todas elas já ocorridas no tempo MARCELO CAETANO, Manual de direito Administrativo, Tomo I, 10º Edição, Coimbra, 1973, pág. 95, referia-se, neste aspecto, à “execução permanente”, ou seja, ao facto da norma ter uma “vigência com certa duração, no decurso da qual é aplicável a todos os casos que surgirem e caiam nos domínios regulados”. e, portanto, também todas elas já perfeitamente determinadas, em que a sua vigência se esgotava numa única aplicação devem integrar-se na categoria dos actos administrativos. Mesmo para uma visão menos exigente na qualificação dos actos normativos, (FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, Vol II, Coimbra, 2002, pág. 172/173 e nota 285 para quem o essencial do conceito de norma está “na generalidade, isto é, na não identificação dos destinatários”. ) que se baste com a generalidade, o presente caso continuaria a caber na classificação dos actos administrativos. Na verdade, no presente caso, todas as pessoas a quem se aplicaria o regulamento destinado a regular as situações já passadas, estão bem determinadas ou são imediatamente determináveis, ou seja, situações individuais e concretas.
Deste modo, e concluindo, não há qualquer situação de facto que ainda possa ser objecto de regulação através de normas regulamentares, uma vez que a situação actual e futura já não carece de qualquer regulamentação e a situação passada não é susceptível de ser regulada através de “normas gerais e abstractas”.
O art. 45º, 1 do CPTA a impossibilidade absoluta de cumprimento do dever de emitir o regulamento também implica a improcedência do pedido.
Deste modo, e concluindo, não há qualquer situação de facto que ainda possa ser objecto de regulação através de normas regulamentares, uma vez que a situação actual e futura já não carece de qualquer regulamentação e a situação passada não é susceptível de ser regulada através de “normas gerais e abstractas”.
A improcedência do pedido de declaração de ilegalidade por omissão de um regulamento por impossibilidade absoluta, faz nascer o direito à indemnização na esfera jurídica dos autores, devendo, nesse caso, o tribunal convidar as partes a acordarem, no prazo de 20 dias, no montante da indemnização devida (art. 45º, 1 do CPTA).
Deve, no entanto, esclarecer-se que a indemnização que o artigo refere é a que resulta da “expropriação do direito à execução”, e não aquela que resulta da actuação ilegítima da Administração (cfr. art. 45º, n.º 5 do CPTA)( Cfr. AROSO DE ALMEIDA e CARLOS CADILHA, Comentário ao CPTA, Coimbra, 2005, pág. 221. ). Trata-se, assim, da indemnização para ressarcimento dos danos emergentes do facto de já não poder ser emitido o regulamento.
Os autores já formularam autonomamente o pedido de indemnização imputado à omissão ilegal do regulamento, pedido cumulado na presente acção, que engloba o pedido de condenação ao pagamento das quantias deixadas de receber por causa dessa omissão ilegítima; e o pedido de condenação no pagamento do dano sofrido pelo facto de não ter recebido as quantias em causa no tempo oportuno (mora). O facto do art. 45º, n.º 5 referir a possibilidade de um pedido autónomo, não afasta que o mesmo seja cumulável. Daí que, no presente caso, tendo sido deduzido um pedido autónomo visando o ressarcimento dos danos causados pela actuação ilegítima, nada obsta a que a fixação da indemnização compreenda os dois tipos de danos: (i) danos emergentes da inexecução e (ii) danos emergentes da actuação ilícita.
Por razões de economia processual é adequado que todos pedidos de indemnização sejam julgados e fixados conjuntamente, uma vez que nada obsta a que as partes chegam a um acordo sobre o montante global da indemnização devida.
3. Decisão
Face ao exposto, os juízes da 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo acordam:
a) Julgar improcedente o pedido de declaração de ilegalidade por omissão de um regulamento;
b) Fixar, nos termos do art. 45º, 1 do CPTA, o prazo de 20 dias para as partes acordarem no montante da indemnização devida.
Sobre custas a final se tomará posição.

Lisboa, 3 de Outubro de 2006. António São Pedro (relator) – António Samagaio – João Belchior.