quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Acórdão do TCA do Norte - Acção Administrativa Especial e Condenação á Prática do Acto Devido

Processo: 00236/04.5BECBR
Secção: 1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do acórdão: 25-10-2007
Tribunal: TAF de Coimbra
Relator: Dr. José Augusto Araújo Veloso
Descritores: Acção administrativa especial
Condenação à prática do acto devido
Objecto
Dver de decidir
Recurso hierarquico

Súmario:
I.De acordo com o CPTA, a acção administrativa especial tem por objecto, além do mais, pretensões emergentes da prática ou omissão ilegal de actos administrativos, nela podendo ser formulados, como pedidos principais, o de anulação de acto administrativo [ou de declaração da sua nulidade ou inexistência jurídica] e o de condenação à prática de um acto administrativo legalmente devido, sendo que o primeiro deles pode ser cumulado com o pedido de condenação à prática do acto devido em substituição, total ou parcial, do acto praticado;
II. Assim, a acção administrativa especial para condenação à prática de acto legalmente devido constitui uma subespécie da própria acção administrativa especial, sempre que através desta se visa obter a condenação do demandado à prática, dentro de determinado prazo, de um acto administrativo ilegalmente omitido ou recusado;
III. O artigo 67º do CPTA fixa as condições de admissibilidade do pedido de condenação à prática de acto administrativo legalmente devido, reconduzindo-as às situações de falta de decisão expressa de requerimento no prazo legal, recusa da prática do acto devido, e recusa da apreciação de requerimento dirigido à prática do acto. No primeiro caso, está em causa uma omissão, melhor, uma situação de inércia administrativa face à pretensão formulada pelo administrado; os segundo e terceiro casos já não têm a ver com uma omissão, antes pressupondo a prática de um acto expresso de recusa: a recusa da prática do acto devido ou a recusa da apreciação do próprio requerimento;
IV. O dever legal de decidir pode conhecer graus sucessivos ou crescentes de substanciação, e nem sempre significa, sequer, a necessidade de exame do mérito da pretensão formulada pelo particular, sendo que essa crescente substanciação está patente nas várias condições impostas por lei para a utilização da acção administrativa especial de condenação à prática de acto legalmente devido. Na verdade, se no caso de inércia administrativa a violação do dever legal de decidir se ostenta de forma definitiva e manifesta, já no caso de recusa de apreciação de requerimento deparamos sempre, pelo menos, com o próprio acto de recusa, que já consubstancia uma decisão, e cuja ilegalidade terá de aferida para que o tribunal se possa decidir pela manutenção do dever de decidir sobre o mérito da pretensão;
V. Desta forma, a recusa de apreciação de requerimento dirigido à prática de acto administrativo, constituirá incumprimento do dever legal de decidir se o acto de recusa for ilegal, persistindo deste modo o dever de decidir sobre o objecto da pretensão. Caso não o seja, o dever de decidir satisfaz-se com o próprio acto de recusa;VI. No caso de recurso hierárquico necessário, o decurso do prazo concedido para decisão sem que esta tenha sido proferida pelo órgão ad quem, transforma a decisão administrativa primária em decisão final, ou seja, faz com que a decisão administrativa primária se torne eficaz e útil;VII. Esta concepção substantiva do indeferimento tácito previsto no artigo 175º nº3 do CPA acarreta, sempre que o recurso administrativo seja necessário, uma inegável consequência em termos da contagem do prazo para interposição da acção administrativa especial de condenação à prática de acto legalmente devido: quando o objecto da impugnação administrativa necessária for uma decisão de recusa de apreciação, e o órgão ad quem incorrer em inércia administrativa, só com a consolidação da conduta omissiva deste segundo órgão se poderá desencadear o prazo de propositura da acção de condenação.* *Sumário elaborado pelo Relator


Acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:RelatórioO Ministério da Economia e o G..., Lda. recorrem, a título principal e a título subordinado, respectivamente, do acórdão proferido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal [TAF] de Coimbra – em 19.04.05 – que condenou o primeiro [ME] a emitir, em 30 dias, decisão sobre o pedido formulado pela segunda [G...] em 04.09.02, relativo à atribuição de ponto de recepção do parque eólico da Tocha [artigos 12º nº1 do DL nº312/2001 de 10.12 e 71º do CPTA].O ME conclui as suas alegações da forma seguinte:
1- O tribunal a quo veio considerar que a pretensão da G... deveria ter sido, a título principal, a reacção ao acto expresso de indeferimento do conhecimento do pedido de ponto de recepção, de 27.01.2003, nos termos do disposto na alínea c) do artigo 67° do CPTA, e não - como efectivamente foi - a reacção à omissão de pronúncia sobre o recurso hierárquico interposto pela G..., nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do artigo 67º do mesmo diploma;
2- Todavia, o tribunal, no momento da prolação da decisão, não podia corrigir oficiosamente a pretensão apresentada pela G... na sua petição inicial;
3- Assim, a decisão recorrida, na medida em que pressupõe tal correcção, viola de forma flagrante, desde logo, o princípio do pedido e o princípio da estabilidade objectiva da instância;
4- Ainda nesse mesmo contexto, a decisão recorrida enferma, igualmente, de excesso de pronúncia, nos termos e para os efeitos do disposto no nº2 do artigo 660º e da alínea d) do nº1 do artigo 668º ambos do CPC, sendo, nessa medida, nula, porquanto conhece de uma pretensão que legalmente não podia conhecer [ao abrigo do disposto na alínea c) do nº1 do artigo 67º do CPTA], na medida em que a mesma não foi formulada pela autora na sua petição inicial;
5- Por outro lado, a errada identificação, na petição inicial, da pretensão da autora, não correspondendo a uma mera deficiência ou irregularidade formal desse articulado, não podia ser assim objecto de correcção oficiosa, como indevidamente foi;
6- Sendo que, em todo o caso, e ainda que a mesma pudesse ser alvo de correcção oficiosa — o que apenas se admite para efeitos de mero raciocínio, sem conceder — o certo é que a mesma nunca poderia ter lugar na decisão final, como no caso em apreço veio a acontecer;
7- A decisão recorrida viola, pois, o disposto no artigo 88º do CPTA;
8- Acresce que, se a pretensão sub judice fosse a decisão de arquivamento do pedido de atribuição do ponto de recepção, então a respectiva acção de condenação teria sido apresentada fora de tempo, aplicando-se in casu o disposto nos artigos 297º do Código Civil e 69º nº2 do CPTA;
9- A decisão recorrida viola ainda o disposto no artigo 11º nºs 1-3-5 do DL nº312/01, porquanto pressupõe que o acto de arquivamento emitido em 27.01.2003, pelo Subdirector-Geral de Energia, foi exercido no âmbito dos poderes discricionários previstos no nº5 do artigo 11º;
10- Ora, tal interpretação é incorrecta, porquanto, no caso em apreço, o pedido de atribuição de ponto de recepção apresentado pela autora não se encontrava instruído com os elementos obrigatórios constantes do Anexo II do DL nº312/01, pelo que tinha necessariamente de ser indeferido, em cumprimento do artigo 11º nºs 1-3 do mesmo diploma;
11- O disposto no nº5 do artigo 11º do diploma em questão não podia pois ser aplicado ao caso em apreço, porquanto os elementos em falta não eram simples informações complementares, antes documentos obrigatórios nos termos e para os efeitos do disposto no Anexo II acima mencionado;
12- Assim, no caso em análise, não se trata de saber se a Administração tratou os promotores segundo o princípio da igualdade ou não — na medida em que não estamos perante poderes discricionários da Administração, atento o facto de os mesmos não se encontrarem previstos nos nºs 1-3 do artigo 11º do DL nº312/01 - como comummente se refere neste tipo de casos, não existe no nosso ordenamento, um suposto direito à igualdade na ilegalidade;
13- Refira-se, ainda, que face aos documentos constantes dos autos, o tribunal deveria, além do mais, ter considerado provado, com relevância para a decisão da causa, que os documentos que a autora pretendeu juntar em momento posterior ao da entrada do pedido de atribuição foram produzidos depois de esgotado o prazo de 70 dias legalmente concedido para apresentar o pedido de atribuição de pontos de recepção de energia;
14- Por último, importa clarificar que as actuações da DGE [Direcção Geral de Energia], relativamente a outros promotores, em nada violaram a lei, uma vez que os casos em que aquela admitiu documentos após a apresentação do respectivo pedido de atribuição de ponto de recepção foram sempre casos de documentos elaborados antes do decurso do prazo de 70 dias legalmente fixado para a apresentação dos mesmos;
15- Em suma, ao considerar que a decisão de arquivamento do Subdirector-Geral da Energia, em causa nos presentes autos, violou o princípio da igualdade, a decisão recorrida violou o disposto no artigo 11º do DL nº312/01.
Termina pedindo a revogação da decisão judicial recorrida.O G... [recurso subordinado] conclui assim as suas alegações:
1- O acórdão recorrido não merece censura quando considerou ilegal, por violação do princípio da igualdade, o acto que ordenara o arquivamento do pedido de atribuição do ponto de recepção de energia eólica, proferido pelo Subdirector-Geral de Energia em 07.01.2003 e mantido pela entidade demandada através do indeferimento tácito do recurso hierárquico interposto, nem quando condenou o ME a proferir, através do órgão competente, um acto a decidir o pedido de atribuição de tal ponto de recepção de energia;
2- Porém, já andou mal o acórdão recorrido quando julgou improcedentes os demais vícios imputados ao acto de arquivamento do ponto de recepção de energia, podendo-se afirmar que o acórdão em apreço enferma de nulidade e de erro de julgamento, razão pela qual se interpõe o presente recurso subordinado;
3- Com efeito, decidiu a acção sem ter respondido e conhecido uma questão jurídica suscitada pelo autora - questão da ilegalidade do acto de arquivamento do ponto de recepção de energia por a caução ter sido prestada no prazo legal, suscitada nos artigos 20º a 24º da petição inicial - pelo que enferma da nulidade prevista na alínea d) do nº1 do artigo 668º do CPC;
4- Acresce que o acórdão recorrido errou ainda ao considerar improcedente o vício de violação do artigo 12º do Código Civil e dos artigos 140º e 141º do CPA, porquanto,- A lei só vale para o futuro, pelo que todos os pedidos de ligação à rede pública efectuados antes da entrada em vigor do DL nº312/01 e que não se encontrassem em qualquer das situações do seu artigo 22º continuavam a ser apreciados e decididos nos termos da regulamentação constante do DL nº198/88, conforme resulta do facto de o DL nº312/01 não determinar a caducidade de tais pedidos nem prescrever a obrigatoriedade de se formularem novos pedidos; - O pedido formulado pela autora em 1998 não havia sido objecto de qualquer indeferimento expresso, antes se encontrando a aguardar disponibilidade da rede pública de energia, pelo que a tal pedido não era aplicável o disposto no artigo 22º do DL nº312/01; - O DL nº198/88 assegurava aos requerentes a atribuição de um ponto de ligação à rede pública logo que esta tivesse disponibilidade e não previa a possibilidade de arquivamento do pedido com base na não prestação de uma caução, pelo que o arquivamento do pedido formulado em 1998 com base num diploma de 2001 e, sobretudo, numa altura em que já existia disponibilidade da rede pública de energia, implica, a revogação de um interesse legalmente protegido e a aplicação de um diploma a situações anteriores ao início da sua vigência;
5- O acórdão recorrido enferma igualmente de erro de julgamento ao não ter considerado que o acto que ordenara o arquivamento do ponto de ligação à rede pública era ilegal por violação do disposto no nº5 do artigo 11º do DL nº312/01, uma vez que, ao contrário do defendido pelo tribunal a quo, esta norma não envolve uma mera faculdade mas antes uma obrigatoriedade da DGE, em caso de insuficiência de instrução do pedido de atribuição do ponto de recepção, solicitar ao promotor as informações complementares, de forma a que tal pedido fique instruído e possa ser analisado, pelo que é notório que o pedido de atribuição do ponto de recepção de energia só poderia ser indeferido se, perante a insuficiência da instrução de tal pedido, a autora tivesse sido notificada para juntar os documentos em falta e não o fizesse no prazo que lhe for concedido [ver, neste sentido, igualmente os artigos 76º nº1 e 91º do CPA].Termina pedindo o provimento do recurso subordinado.O Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso principal, ficando prejudicado o conhecimento do recurso subordinado.De FactoSão os seguintes os factos considerados provados no acórdão recorrido:1- Datado de 10.11.1998, foi remetido pela G..., Lda. - à C...,SA, com o assunto “Parque Eólico da Tocha; Pedido de Ligação à rede de parque eólico”, requerimento com o seguinte teor: “Depois de efectuado um estudo preliminar das condições de desenvolvimento de um parque eólico para o local indicado nas plantas em anexo, vimos solicitar o seguinte:
1) condições para ligação à rede C...
2) local mais conveniente para a ligação
3) possibilidade de ligação de uma potência de 10 MW
4) outras condições que no vosso entender seja conveniente apresentar nesta fase do processo.Incluímos as informações respeitantes ao requerente e uma descrição sumária do estudo de viabilidade
a) Requerente do processo é a empresa G..., na qualidade de proprietário, através do seu sócio-gerente, Engº R..., com sede na Rua ..., Coimbra.
b) Pessoa para contactos: L... (telefone ... e fax ...)” - documento de folha não numeradas do PA;
2- Datada de 29.05.1999, foi remetida pela C..., SA à G..., Lda. - em referência ao seu requerimento de 10.11.1998, e com o assunto “Parque Eólico da Tocha”, comunicação com o seguinte teor: “Em resposta à carta em referência, que nos mereceu a melhor atenção, vimos informar V. Exas. que não é possível considerar a ligação desse parque à rede da C..., devido a compromissos já assumidos com a ligação de outros sistemas de produção à nossa rede de distribuição em MT e AT.
No entanto se algum dos Promotores envolvidos desistir do pedido voltaremos de novo à presença de V. Exas” – documento de folha não numeradas do PA;
3- Datado de 26.12.1999, foi remetido pela G..., Lda - ao Ministro da Industria e Energia, o requerimento com o seguinte teor: “G..., Lda., com sede na rua ..., Coimbra, número de contribuinte PT ..., desejando estabelecer na Praia da Tocha, concelho de Cantanhede, um Parque Eólico com a potência instalada de 10 MW, de harmonia com o projecto em anexo, vem solicitar a V. Exa. a necessária autorização para o estabelecimento da instalação de produção independente de energia eléctrica, ao abrigo do disposto no DL 168/99.
Pede deferimento” - documento de folha não numeradas do PA;
4- Datada de 21.12.2001, foi remetida pela E..., SA à G..., Lda. - com o assunto “Pedido de ligação do Parque Eólico da Tocha; Processo nº981153”, comunicação com o seguinte teor: “A publicação do DL nº312/2001 de 10.12, veio estabelecer novos procedimentos para a ligação dos electroprodutores do Sistema Eléctrico Independente.
Nesta circunstância o pedido de ligação em epígrafe, que se encontra na situação de “recusado”, deve ser formulado nos termos da nova legislação, nomeadamente no que diz respeito aos procedimentos previstos no artigo 10º do diploma atrás citado, caso ainda mantenha interesse na referida ligação” - documento de folha não numeradas do PA;
5- Datado de 14.01.2002, foi remetido pela G..., Lda. - à Direcção Geral de Energia, com o assunto “Pedido de informação prévia; Parque Eólico da Tocha”, requerimento com o seguinte teor: “Nos termos do DL nº312/01, vimos por este meio solicitar a V/ Exas. pedido de informação prévia sobre a possibilidade de ligação do Parque Eólico da Tocha às redes do SEP.
Nos termos do nº3 do artigo 10º incluímos a seguinte informação:
a) Identificação do Requerente: Empresa G..., Lda. - na qualidade de proprietário [...]
b) [...]
c) O local pretendido para o ponto de recepção é a sub-estação 60/15 kV da Tocha, e a data a partir da qual se pretende beneficiar da ligação é o dia 1 de Janeiro de 2003.
Refira-se que o presente pedido reafirma, nos termos do DL nº312/01, o pedido anteriormente efectuado em 10/11/1998 [Processo nº981153], nos termos do DL nº189/88, com a redacção dada pelos Decretos-Lei 168/99 e 538/99 [cópia da correspondência com E.../C... anexa], sem prejuízo dos direitos anteriormente adquiridos“ - documento de folha não numeradas do PA;
6- Datada de 24.06.2002, foi remetida à G..., Lda. - pela Direcção Geral de Energia e subscrita pelo Director-Geral, comunicação com o assunto “Parque Eólico da Tocha” e com a referência Reg.300, com o seguinte teor: “No âmbito da aplicação do DL nº312/01, de 10 de Dezembro, junto se envia ficha contendo a informação relativa ao pedido de informação prévia [PIP], sobre a possibilidade da instalação mencionada em epígrafe ser ligada à rede do Sistema Eléctrico Público.
A resposta ao PIP tem por base, por um lado, as infra-estruturas da rede de transporte e da rede de distribuição existentes e planeadas, bem como os compromissos de ligação existentes até ao final do ano de 2001.Relativamente ao vosso pedido no qual se enquadra a v/ instalação informa-se que o número total de PIP concorrentes na zona de rede 21 [Mogafores/Anadia] é de 3, a que corresponde a potência total de ligação de 113800 kva. A capacidade disponível na zona de rede em causa é de 47 000 kva, indicando-se, a título informativo a capacidade de recepção prevista para a rede até 2010.O ponto de recepção para ligação da instalação deverá ser solicitado nos termos do diploma acima citado, não constituindo a presente informação qualquer garantia de obtenção de ponto de recepção. No caso da potência total dos pedidos ultrapassar a capacidade de recepção existente ou previsional, haverá necessidade de aplicar os critérios de selecção previstos na legislação.Por último, e no caso de lhe ser atribuído ponto de recepção, convirá disponibilizar-se para aceitar eventuais soluções de ligações à rede, conjuntamente com outros promotores, as quais conduzam à optimização de infra-estruturas e a menores impactes na ocupação do território.Neste contexto, aproveita-se, também, para remeter informação relativa aos pedidos concorrentes na zona de rede em causa, com a respectiva caracterização relevante, sem prejuízo da consulta à nossa página da Internet onde estarão inseridos, a curto prazo, os dados relativos a todos os pedidos recebidos” - documento de folha não numeradas do PA;7- Datado de 04.09.2002, foi remetido pela G..., Lda. - à Direcção Geral de Energia requerimento com o seguinte teor: “G..., Lda. – [...] desejando estabelecer um Parque Eólico com uma potência instalada de 10760 kva, na sua propriedade, sita na proximidade da Praia da Tocha, freguesia da Tocha, concelho de Cantanhede e distrito de Coimbra, de harmonia com o projecto em anexo, vem solicitar a V. Exa. a necessária autorização para o estabelecimento da instalação de produção independente de energia eléctrica, ao abrigo do disposto no DL nº312/01 de 10 de Dezembro.
Pede deferimento” – documento de folha não numeradas do PA;
8- Do “Memorando de Entendimento” da reunião realizada na Direcção Geral de Energia em 06.11.2002, com o assunto “atribuição de pontos de recepção na zona de rede 21” extrai-se o seguinte: Sobre o assunto em epígrafe decorreu uma reunião na DGE na qual participaram os promotores das instalações de produção em regime especial, a E... e a DGE, conforme lista de presenças anexa.A DGE explanou os limites e critérios que enquadram o processo de atribuição de pontos de recepção [PR] e notou conveniência para optimizar o processo de uma atitude cooperante por parte dos promotores, disponibilizando-se por seu lado para actuar como facilitador de entendimentos com a finalidade de cumprir os objectos de política nacional relativamente à produção de energia em regime especial.A metodologia de base para decisão assenta sinteticamente na limitação da capacidade a conceder à capacidade disponível e planeada em 2007 e nas limitações técnicas existentes ao nível da ligação à rede pública de distribuição, dando-se prioridade às ampliações de instalações existentes sem alteração da rede e à cogeração.A DGE apresentou a seguinte proposta:• É atribuída ao conjunto de promotores a capacidade de 90 MVA, prevista para 2007 (estando 47 MVA disponíveis e 43 MVA planeados para os quais não há garantias de ligação nas datas previstas sendo necessário apresentar caução para reserva de potência).• Considerou-se que estão desde já reunidas as condições para atribuir PR ao registo nº377 da empresa A... & CIA, com a potência de 1 080 kva.• Os 88 920 kva remanescentes serão distribuídos pelas restantes entidades, aos seus projectos eólicos, na proporção das potências pedidas [78,9%].• No que se refere ao pedido de PR da G..., verificando-se que a empresa não entregou parecer da Câmara e entregou comprovativo de utilização dos terrenos [com data de 5 de Novembro] nesta reunião, será posto superiormente a questão para validação ou não do pedido de PR. A empresa lembrou que a DGE não solicitou qualquer dos elementos mencionados.Ficou assente que os promotores, com parques eólicos, deverão adequar os seus processos junto da DGE, até 30 de Novembro, a fim de ser validada tecnicamente a solução encontrada junto da EDP. Depois da validação da ligação por parte da DGE os promotores deverão, quando for o caso; entregar todos os elementos necessários para a instrução do processo, no prazo de 30 dias após a referida validação.Outras questões tratadas:• Os promotores dos parques eólicos foram elucidados da necessidade de sujeitar a sua instalação ao princípio de interruptibilidade, a aplicar nos vazios de anos húmidos, por um período de horas que será definido muito brevemente;• 0 promotor G... declarou não concordar com a proposta de distribuição da potência disponível para produção de energia eólica proporcionalmente às potências pedidas pelos promotores, por não salvaguardar a antiguidade e os direitos adquiridos dos pedidos feitos ao abrigo da anterior legislação, e reafirmados na primeira quinzena de Janeiro de 2002 ao abrigo do DL nº312/01.• Sobre a posição expressa no ponto anterior, a DGE informa que a legislação aplicável, DL nº312/01, não prevê qualquer disposição para atender pedidos efectuados ao abrigo da legislação anterior, pelo que não poderia ser dado qualquer preferência a esses pedidos – documento de folha não numeradas do PA;
9- A autora entregou à Direcção Geral de Energia, em 02.11.2002, o “Contrato-Promessa de Cessão de Exploração de Terrenos” em que são outorgantes a Comissão de Comportes dos Baldios da Freguesia da Tocha e a G..., Lda., datado de 05.11.2002 - documento de folha não numeradas do PA;10- A autora entregou à Direcção Geral de Energia, em 03.12.2002, o parecer favorável da Câmara Municipal de Cantanhede referente à instalação de Parque Eólico na Tocha - documento de folha não numeradas do PA;11- A autora obteve em 17.07.2002 da Caixa Geral de Depósitos, “garantia bancária” no valor de 26.900€, da qual se extrai o seguinte:“Caixa Geral de Depósitos [...] presta a favor da Direcção Geral de Energia, uma Garantia Bancária destinada a garantir o cumprimento das obrigações resultantes do disposto no artigo 11º do DL nº312/01 de 10 de Dezembro e da Portaria nº62/02, de 16 de Janeiro, pela qual se estabelece o procedimento de atribuição de pontos de recepção de energia eléctrica, relativamente ao Parque Eólico da Tocha, com o número de registo 300 da DGE e de 10,76 MW de potência” - documento de folha não numeradas do PA;
12- Datado de 27.01.2003, foi remetida à G..., Lda. - pela Direcção Geral de Energia e subscrita pelo Subdirector-Geral, carta registada com aviso de recepção, com o assunto “Atribuição de ponto de recepção; Parque Eólico da Tocha” e sob a referência “Reg.300”, com o seguinte teor: “Sob o assunto em epígrafe, e após apreciação do processo supracitado, cumpre-me informar o seguinte:
1) Nos termos do artigo 11º do DL nº312/01, de 10 de Dezembro, após a notificação do pedido de informação prévia, devem os promotores, no prazo máximo de 70 dias, formular junta da DGE o pedido de atribuição do ponto de recepção de energia eléctrica instruído com todos os elementos necessários constantes do Anexo II do citado diploma.
2) Dado que a notificação a essa empresa, relativa ao Reg.300, foi efectuada em 2002-06-24, o prazo máximo para entrega de todos os elementos terminou em 2002-10-07.
Nos termos do exposto, verifica-se não ter essa empresa dado cumprimento à legislação no que respeita à apresentação, no prazo nela previsto, de todos os elementos constantes do Anexo II. Em causa está a não apresentação do comprovativo do direito para utilização do espaço de implantação da instalação. Acresce ainda não ter essa empresa apresentado o parecer da Câmara Municipal onde se localiza o parque eólico.
A aceitação de documentos constantes do Anexo II, validados posteriormente ao termo do prazo legal para apresentação dos mesmos, originaria um tratamento de não equidade relativamente a outras entidades concorrentes, o que não é aceitável. Nestes termos, não pode a DGE dar sequência ao pedido de atribuição de ponto de recepção em causa, sendo o processo arquivado e devolvida a correspondente garantia bancária” - documento de folha não numeradas do PA;
13- Tem sido prática seguida pelos serviços dependentes do Ministério da Economia, designadamente pela Direcção Geral de Energia, aceitar a junção de documentos após a apresentação do pedido de atribuição dos pontos de recepção de energia - documento de folha não numeradas do PA;14- A autora endereçou ao Director-Geral da Energia em 05.03.2003, requerimento através do qual interpôs, para o Ministro da Economia, recurso hierárquico “do despacho do Subdirector-Geral de Energia que em 27.01.03 mandou arquivar o processo de atribuição de ponto de recepção de energia eléctrica para o Parque Eólico da Tocha” - documento de folha não numeradas do PA;15- O recurso hierárquico referido supra sob o nº14 dos factos assentes e o Processo Instrutor foram remetidos pela Direcção Geral de Energia para o Gabinete Jurídico do Ministério da Economia, que os recebeu em 16.04.2003 - documento de folha não numeradas do PA;16- Não foi proferida decisão sobre o Recurso Hierárquico referido supra sob o nº15 dos factos assentes. De DireitoI. Cumpre apreciar as questões suscitadas pelos recorrentes no recurso principal e no recurso subordinado [sendo caso disso], o que deverá ser efectuado dentro das balizas estabelecidas, para o efeito, pela lei processual aplicável – ver artigos 660º nº2, 664º, 684º nº3 e nº4, e 690º nº1, todos do CPC, aplicáveis “ex vi” 140º do CPTA, e ainda artigo 149º do CPTA, a propósito do qual são tidas em conta as considerações interpretativas tecidas por Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa (Lições), 8ª edição, páginas 459 e seguintes, e por Mário Aroso de Almeida e Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, página 737, nota 1.II. Comecemos pela apreciação do recurso principal interposto pelo ME, fazendo, antes de mais, o devido enquadramento das suas quinze conclusões.A autora [G...] pediu ao TAF de Coimbra que declarasse que o réu [ME] omitiu a prática, no prazo legal, do acto que por lei devia praticar, dado ser competente para decidir o recurso hierárquico necessário por ela interposto do acto do Director Geral de Energia [DGE] que mandou arquivar o seu pedido de 04.09.02; que declarasse a ilegalidade da decisão que determinou o arquivamento do pedido formulado em 04.09.02; que condenasse o ME a decidir, em 15 dias, o pedido de atribuição de ponto de recepção de energia eléctrica para o Parque Eólico da Tocha, reconstituindo a situação que teria existido se o despacho de arquivamento não tivesse sido proferido [o que implica que a entidade demandada seja condenada a proceder à atribuição do ponto de recepção de energia eléctrica para o referido parque eólico com efeitos reportados à data do arquivamento], e estipulasse, desde já, uma sanção pecuniária compulsória para o caso de incumprimento. Alegou, para tanto, que em 10.11.98 solicitou ao gestor da rede pública [ao abrigo do DL nº189/88 de 27.05] as informações necessárias para instalar uma unidade de produção de energia no Parque Eólico da Tocha; que em 14.01.02 [na sequência da publicação do DL nº312/2001 de 10.12] solicitou informação prévia sobre a possibilidade de ligação do Parque Eólico da Tocha às redes do serviço eléctrico público, não significando isso uma renúncia aos direitos decorrentes do pedido de 1998; que em 04.09.02 requereu a atribuição de ponto de recepção de energia eléctrica para o dito parque; que em 06.11.02 entregou o comprovativo de utilização dos respectivos terrenos; que em 28.11.02 entregou parecer da câmara municipal onde se localiza o parque eólico [Câmara Municipal de Cantanhede]; que por ofício de 27.01.03 o Subdirector-Geral da Direcção Geral de Energia [DGE] mandou arquivar o seu requerimento de 04.09.2002 por não apresentação atempada do comprovativo do direito de utilização do terreno e do parecer da respectiva câmara municipal; que em 06.03.2003, interpôs recurso hierárquico necessário desta decisão para o ME; que não tendo sido notificada, até á data, de qualquer decisão desse recurso hierárquico, o mesmo se presume tacitamente indeferido ao abrigo dos artigos 109° e 175° nºs 1 e 3 do CPA.Sustenta que este indeferimento tácito é manifestamente ilegal e injusto, uma vez que representa uma ilegal omissão ou recusa da prática de um acto devido por lei; que o arquivamento do pedido de atribuição do ponto de recepção de energia eléctrica não só é ilegal como representa a denegação de um direito que lhe assistia; que não existe norma que permita o arquivamento do pedido quando não está devidamente instruído, e que apenas se poderia proceder a esse arquivamento depois de ela ter sido expressamente notificada para juntar os documentos em falta; que o arquivamento foi determinado sem esta prévia notificação e numa altura em que o requerimento já estava devidamente instruído. Sustenta, ainda, atribuindo nome juris a estas alegações, que o despacho de arquivamento de 27.01.03 procedeu á revogação ilegal de acto constitutivo de direitos [artigos 140º e 141º do CPA e 12º do Código Civil], e à violação dos princípios da legalidade [artigos 61º da CRP, 76º do CPA e 11º nº1 e nº5 do DL nº312/01 de 10.12] e da igualdade [artigo 13º da CRP e 6º do DL nº312/01 de 10.12]. O TAF de Coimbra, no acórdão recorrido, após ter procedido ao enquadramento legal da cumulação de pedidos efectuada na petição inicial à luz do âmbito de aplicação da acção administrativa especial [artigos 4º, 66º e 67º do CPTA], conclui que dos três pedidos formulados pela G... os dois primeiros são instrumentais do terceiro, que é o principal e se consubstancia num pedido de condenação à prática de acto administrativo legalmente devido alicerçado no pressuposto da recusa de apreciação do requerimento dirigido à sua prática [artigo 67º nº1 alínea c) do CPTA].Para o efeito, foi entendido no acórdão recorrido que o autor do despacho de 27.01.03 pôs fim ao procedimento administrativo sem se ter pronunciado sobre o mérito do requerimento de 04.09.02, e que esse despacho de primeiro grau foi mantido pelo indeferimento tácito formado a nível de segundo grau, na medida em que o recurso hierárquico interposto para o ME não foi decidido no prazo de trinta dias [artigo 175º nº1 e nº3 do CPA].Atento este enquadramento jurídico, entendeu o acórdão que o objecto do processo era constituído, pois, pela pretensão da G... em ver condenado o ME à prática do acto legalmente devido, já que desta pronúncia decorreria a eliminação da ordem jurídica do acto de arquivamento de 27.01.03 mantido pelo indeferimento tácito [artigo 66º nº1 e nº2 do CPTA]. Mas, esclareceu, a procedência da pretensão condenatória depende da procedência da pretensão anulatória do despacho de 27.01.03, pois que só se esta for procedente é que poderá o tribunal pronunciar-se sobre aquela. E nestes termos passou a conhecer dos vícios imputados pela G... ao despacho de arquivamento de 27.01.03, tendo concluído que este não revoga acto constitutivo de direitos [artigos 140º e 141º do CPA e 12º do Código Civil] nem viola o princípio da legalidade [artigos 61º da CRP, 76º do CPA e 11º nº1 e nº5 do DL nº312/01 de 10.12] mas viola, isso sim, o princípio da igualdade [artigo 13º da CRP e 6º do DL nº312/01 de 10.12]. Reagindo ao teor deste acórdão, o ME começa por discordar da determinação que nele foi feita do objecto do processo, sustentando que o tribunal a quo procedeu a uma correcção oficiosa indevida da pretensão vertida na petição inicial, correcção essa que considera violar os princípios do pedido e da estabilidade da instância [conclusões 1 a 3], causar a nulidade do acórdão [conclusão 4], violar o artigo 88º do CPTA [conclusões 5 a 7] e ter ainda como consequência a indevida falta de aplicação do disposto nos artigos 297º e 69º nº2 do CPTA [conclusão 8]. Defende, por fim, que o acórdão recorrido erra na interpretação e aplicação do artigo 11º nºs 1-3-5 do DL nº312/01 ao considerar violado o princípio da igualdade [conclusões 9 a 12 e 14 a 15] e desconsidera indevidamente um facto provado e pertinente para a boa decisão da causa [conclusão 13].III. É manifesto, face ao teor da petição inicial da G..., que esta sociedade pretendeu intentar uma acção administrativa especial [AAE] de condenação à prática de acto legalmente devido [ver folhas 1 a 11 dos autos]. De acordo com a actual lei de processo administrativo [CPTA], a AAE tem por objecto [além do mais] pretensões emergentes da prática ou omissão ilegal de actos administrativos [artigo 46º nº1 do CPTA], nela podendo ser formulados, como pedidos principais, o de anulação de acto administrativo [ou de declaração da sua nulidade ou inexistência jurídica] e o de condenação à prática de um acto administrativo legalmente devido [artigo 46º nº2 alíneas a) e b)], sendo que o primeiro deles pode ser [nomeadamente] cumulado com o pedido de condenação à prática do acto devido em substituição, total ou parcial, do acto praticado [artigo 4º nº2 alínea c) e 47º nº2 alínea a) do CPTA].Tendo em conta os elementos literal e sistemático [artigo 9º do CC], há que sublinhar, assim, que a AAE para condenação à prática de acto legalmente devido constitui uma subespécie da própria AAE sempre que através desta se visa obter a condenação do demandado à prática, dentro de determinado prazo, de um acto administrativo ilegalmente omitido ou recusado [artigo 66º nº1 do CPTA]. Já no caso de o respectivo interessado ter em vista a anulação de acto administrativo [declaração da sua nulidade ou inexistência jurídica], ainda que cumulada com pedido de condenação substitutiva do acto praticado [artigo 4º nº2 alínea c) e 47º nº2 alínea a) do CPTA], estaremos face a uma AAE tout court. Importa retirar, desde já, a seguinte conclusão: uma vez que a G... intentou expressamente uma AAE de condenação à prática de acto legalmente devido, isso significa que não elegeu como objecto do processo uma pretensão anulatória, mas antes uma pretensão condenatória, ou seja, a condenação da entidade ré à prática de um acto administrativo que reputa de ilegalmente omitido ou recusado. O artigo 67º do CPTA fixa as condições de admissibilidade do pedido de condenação à prática de acto administrativo legalmente devido, reconduzindo-as às situações de falta de decisão expressa de requerimento no prazo legal [nº1 alínea a)], recusa da prática do acto devido [nº1 alínea b)], e recusa da apreciação de requerimento dirigido à prática do acto [nº1 alínea c)]. No primeiro caso, está em causa uma omissão, melhor, uma situação de inércia administrativa face à pretensão formulada pelo administrado; os segundo e terceiro casos já não têm a ver com uma omissão, antes pressupondo a prática de um acto expresso de recusa: a recusa da prática do acto devido ou a recusa da apreciação do próprio requerimento – ver, a respeito, Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 2005, páginas 340 e seguintes. E esclarece o artigo 66º nº2 do CPTA que ainda que a prática do acto legalmente devido tenha sido expressamente recusada, o objecto do processo é a pretensão do interessado e não o acto de indeferimento, cuja eliminação resulta directamente da pronúncia condenatória.O dever legal de decidir encontra sede constitucional no artigo 52º nº1 da CRP, e é densificado pelo nº1 do artigo 9º do CPA, que trata do princípio da decisão como princípio geral [entre outros] da actuação administrativa – segundo este preceito os órgãos da administração têm o dever de se pronunciar sobre todos os assuntos da sua competência que lhes sejam apresentados pelos particulares em defesa de interesses pessoais ou de interesses meta individuais.Constatamos que o dever legal de decidir pode conhecer graus sucessivos ou crescentes de substanciação, e nem sempre significa, sequer, a necessidade de exame do mérito da pretensão formulada pelo particular. Desde logo, caso a entidade administrativa conheça oficiosamente da falta de um pressuposto procedimental [artigo 83º do CPA] o dever de decidir ficará satisfeito com uma decisão de extinção do procedimento por impossibilidade de apreciação do seu objecto.Esta crescente substanciação está patente, cremos, nas várias condições impostas por lei para a utilização da AAE de condenação à prática de acto legalmente devido. Na verdade, se no caso de inércia administrativa [alínea a) do nº1 do artigo 67º] a violação do dever legal de decidir se ostenta de forma definitiva e manifesta, já no caso de recusa de apreciação de requerimento [alínea c) do nº1 do artigo 67º] deparamos sempre, pelo menos, com o próprio acto de recusa, que já consubstancia uma decisão, e cuja ilegalidade terá de aferida para que o tribunal se possa decidir pela manutenção do dever de decidir sobre o mérito da pretensão. Desta forma, a recusa de apreciação de requerimento dirigido à prática de acto administrativo [alínea c) do nº1 do artigo 67º do CPTA], constituirá incumprimento do dever legal de decidir se o acto de recusa for ilegal, persistindo deste modo o dever de decidir sobre o objecto da pretensão. Caso não o seja, o dever de decidir satisfaz-se com o próprio acto de recusa.Assim, removido este estorvo ao conhecimento da pretensão formulada pela autora, e uma vez que estamos perante o exercício de poderes discricionários [pois que a atribuição do ponto de recepção não resulta directamente da lei, mas antes envolve juízos próprios do exercício da função administrativa], temos que a densificação do conteúdo do acórdão condenatória proferido pelo tribunal recorrido passava [em maior ou menor medida] pela identificação e afirmação das ilegalidades de que enfermava o acto de recusa, sendo este accertamento judicial que projecta um efeito preclusivo mais ou menos amplo sobre o subsequente reexercício do poder por parte da Administração – ver, a propósito, Mário Aroso de Almeida, O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, Coimbra, 4ª edição, 2005, páginas 228. É legítimo, assim, retirar a seguinte conclusão: apesar da AAE intentada pela G... ter como objecto uma pretensão condenatória, e não uma pretensão anulatória, isso não significa que não tenha de ser apreciada a legalidade do acto de recusa em causa, dado que a ilegalidade deste constitui condição de procedência do pedido de condenação.O que vimos dizendo pressupõe que a decisão administrativa de recusa de conhecimento do mérito da pretensão formulada pela aqui recorrida [requerimento de 04.09.02] é consubstanciada pelo despacho de 27.01.03 do Subdirector-Geral que ordenou o arquivamento do processo [sem conhecer do mérito da pretensão formulada] por apresentação extemporânea de documentos. Na verdade, configurando o recurso administrativo interposto deste despacho para o ME um recurso hierárquico necessário [ver, por todos, AC STA/Pleno de 09.07.1997, Rº35880; AC STA/Pleno de 13.04.2000, Rº45398; AC STA/Pleno de 25.02.2002, Rº47947; AC STA/Pleno de 06.06.2002, Rº39459; AC STA/Pleno de 02.10.2002, Rº46985; AC STA/Pleno de 01.04.2004, Rº41160; AC STA de 07.06.2006, Rº0409/05], o decurso do prazo para decisão [artigo 175º do CPA] sem que esta tenha sido proferida pelo órgão ad quem, transforma a decisão administrativa primária em decisão final, ou seja, faz com que a decisão administrativa primária se torne eficaz e útil – ver, sobre o tema, Sérvulo Correia, O incumprimento do dever de decidir, Justiça Administrativa, nº54, folhas 6 a 32; Mário Esteves de Oliveira, Pedro Gonçalves, Pacheco de Amorim, Código do Processo Administrativo, Almedina, Coimbra, 2ª edição, páginas 492, 797 e 798; AC STA de 24.11.2004, Rº903/04.Usando as palavras de Sérvulo Correia [trabalho citado, folha 22] a inércia não vale como acto: é apenas uma ausência de pronúncia, a falta da regulação pretendida para uma situação concreta sem que a Administração haja sequer recusado essa pretensão. Mas, se a inércia respeita a um pretendido acto secundário e existe um acto primário negativo, subsiste o acto primário, visto que nada se alterou após a sua emissão.E é também neste sentido que vai a jurisprudência firmada no acórdão de 24.11.2004 do STA, segundo a qual, terminado o prazo de decisão da impugnação administrativa e constituída a situação de inércia, o acto primário objecto daquela impugnação se converte em acto final do procedimento, iniciando-se o decurso do prazo para utilização do meio contencioso.Assim sendo, como cremos ser, esta concepção substantiva do indeferimento tácito previsto no artigo 175º nº3 do CPA acarreta, sempre que o recurso administrativo seja necessário, uma inegável consequência em termos da contagem do prazo para interposição da AAE de condenação à prática de acto legalmente devido: quando o objecto da impugnação administrativa necessária for uma decisão de recusa de apreciação [como no nosso caso], e o órgão ad quem incorrer em inércia administrativa [como no nosso caso], só com a consolidação da conduta omissiva deste segundo órgão se poderá desencadear o prazo de propositura da acção de condenação. De facto, a impugnação administrativa não chegou a suspender este prazo [nos termos do artigo 59º nº4 e 69º nº3 do CPTA] devido ao seu carácter necessário, que impediu que ele pudesse começar a correr antes de ter sido esgotado o meio procedimental.Adquirido que estamos perante uma AAE de condenação à prática de acto legalmente devido, baseada num acto de recusa de apreciação do mérito da pretensão, o prazo de três meses para propositura da acção de condenação [artigo 69º nº2] teria começado a contar logo que perfeito o prazo de 30 dias concedido para decisão do recurso hierárquico [artigo 175º nº1 do CPA].Como já deixamos dito, a G... instaurou expressamente uma AAE para condenação do ME à prática do acto legalmente devido, invocando como pressuposto da mesma quer a omissão de decisão do recurso hierárquico necessário dentro do prazo legal, quer, ainda, a ilegalidade do acto de arquivamento de 27.01.03.Trata-se, assim, de um pedido confuso, porque baseado numa indecisão da autora sobre o verdadeiro pressuposto do seu pedido condenatório: se a inércia do órgão ad quem ou se a recusa do órgão a quo. Impunha-se que esta relativa confusão, instalada ao nível do pedido, fosse esclarecida e resolvida apelando à expressa vontade da autora em ver condenado o réu na prática de acto devido. O que o tribunal recorrido fez, dentro dos parâmetros legais que deixamos consignados.Resta concluir, portanto, que o julgador a quo não corrigiu a pretensão judicial deduzida pela autora, apenas se tendo limitado a interpretá-la, tarefa em que foi bem sucedido, e com a qual nem excedeu os seus poderes de pronúncia nem desrespeitou o pedido da autora ou a necessária estabilidade da instância.Improcedem, destarte, as primeiras sete conclusões formuladas pelo ME.IV. Queixa-se o recorrente principal, ainda, de que a forma como o tribunal recorrido entendeu os pedidos deduzidos pela autora impediu que fosse julgada extemporânea a interposição desta acção [artigos 297º do CC e 69º nº2 do CPTA]. Só que esta excepção [da caducidade do direito de acção] nunca foi suscitada na acção pelo demandado ME, que o fez a primeira vez na qualidade de recorrente principal.Estipula o artigo 87º do CPTA que no despacho saneador o juiz deve conhecer obrigatoriamente [ouvido o autor] de todas as questões que obstem ao conhecimento do objecto do processo [nº1 alínea a)], e que as questões prévias que não tenham sido apreciadas no despacho saneador não podem ser suscitadas nem decididas em momento posterior do processo [nº2]. O legislador consagrou, assim, uma situação de verdadeiro caso julgado tácito, que resulta de as partes não terem suscitado nos articulados questões prévias que poderiam ter posto fim ao processo, e de o juiz não ter apreciado oficiosamente essas questões [caso lhe competisse] na fase do saneador – ver, a respeito, Mário Aroso de Almeida e Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 2005, páginas 444 e 445. Resulta, pois, sem mais delongas, ser descabida a invocação, apenas em sede de recurso jurisdicional, de questão que não foi, nem tinha de ser [porque ultrapassada a fase do saneamento], conhecida no acórdão recorrido.Deve improceder, também, a oitava conclusão tirada pelo ME nas suas alegações. V. Por fim, sustenta o recorrente ME que o acórdão recorrido erra na interpretação e aplicação do artigo 11º nºs 1-3-5 do DL nº312/01 de 10.12 ao considerar violado o princípio da igualdade, e desconsidera indevidamente um facto provado e pertinente para a boa decisão da causa [facto: que os documentos que a autora pretendeu juntar em momento posterior ao da entrada do pedido de atribuição foram produzidos depois de esgotado o prazo de 70 dias legalmente concedido para apresentar o pedido de atribuição de pontos de recepção de energia].O julgador a quo considerou que o despacho administrativo que ordenou o arquivamento da pretensão da G..., com fundamento na apresentação extemporânea de documentos, violava o princípio da igualdade, e fê-lo da forma seguinte:Sustenta, a autora que ocorre ainda a violação do princípio da igualdade previsto no artigo 13º da CRP e no artigo 6º do DL nº312/2001 de 10.12. Alega, para tanto, que um dos princípios fundamentais consagrados na CRP é o princípio da igualdade entre os cidadãos, o que significa que a Administração deve tratar de forma igual o que é substancialmente igual e de forma desigual o que se apresenta como desigual; que semelhante princípio constitui um dos princípios estruturantes por que se deve reger a gestão da capacidade de recepção das redes do sistema eléctrico de serviço público, por força do artigo 6° do DL nº312/2001; que o arquivamento do pedido de atribuição de ponto de recepção de energia se fundamentou na não entrega atempada de determinados documentos, mas que a prática seguida pelos serviços na dependência da entidade demandada, designadamente pela DGE, tem sido a de aceitar a junção de documentos após a apresentação do pedido de atribuição dos pontos de recepção de energia, e que o próprio memorando de entendimento celebrado em 28.11.02 entre a DGE e alguns promotores, permite que haja uma entrega posterior de determinados documentos que deveriam ter sido apresentados com o pedido de atribuição do ponto de recepção de energia. Pretende, por conseguinte, a autora, que a decisão de arquivamento do seu pedido de atribuição de ponto de recepção de energia, fundamentada no facto de os dois documentos em causa não terem sido por ela apresentados juntamente com o pedido, mas só em momento posterior, esgotado o prazo legal de 70 dias, viola o princípio da igualdade. Ora, já concluímos supra que o despacho de arquivamento do pedido, sem ter sido antecedido de convite à autora para juntar os documentos em falta, não é violador do princípio da legalidade, por a lei não exigir da Administração tal conduta. Mas subsiste a questão de saber se é lícita a rejeição daquele requerimento, com fundamento na apresentação extemporânea dos documentos em falta, por violação do princípio da igualdade.Tendo ainda em atenção que, à data da rejeição daquele requerimento a autora havia entretanto entregue os documentos em causa. É que se extrai do teor do despacho de 27.01.2003 do Subdirector-Geral da DGE o seguinte: «Dado que a notificação a essa empresa, relativa ao Reg.300, foi efectuada em 24.06.2002, o prazo máximo para entrega de todos os elementos terminou em 07.10.2002». E ainda o seguinte: «nos termos do exposto, verifica-se não ter essa empresa dado cumprimento à legislação no que respeita à apresentação, no prazo nela previsto, de todos os elementos constantes do Anexo II.» E também o seguinte: «a aceitação de documentos constantes do Anexo II, validados posteriormente ao termo do prazo legal para apresentação dos mesmos, originaria um tratamento de não equidade relativamente a outras entidades concorrentes, o que não é aceitável. Nestes termos, não pode a DGE dar sequência ao pedido de atribuição de ponto de recepção em causa, sendo o processo arquivado e devolvida a correspondente garantia bancária.»É que o que releva dos factos dados como provados nos autos não é o facto de a Administração ter arquivado o processo e rejeitado [liminarmente] o pedido de atribuição de ponto de recepção com fundamento na sua deficiente instrução sem antes ter convidado a autora a apresentar os documentos em falta, mas o facto de tal decisão ter sido proferida quando ao processo já haviam sido juntos os documentos em falta. Pode assim, concluir-se – e é o que resulta inequivocamente do teor do despacho de 27.01.2003 – que o fundamento da decisão de arquivamento do processo foi a apresentação extemporânea daqueles documentos. Com efeito, entendeu o Subdirector-Geral da DGE que o pedido não foi instruído com todos os documentos, como devia nos termos do nº1 do artigo 11º do DL nº312/2001, de 10.12, e que os mesmos não foram sequer apresentados dentro do prazo de 70 dias. E fundamenta aquela sua decisão em que a aceitação de documentos constantes do Anexo II posteriormente ao termo do prazo legal para a sua apresentação originaria um tratamento de não equidade relativamente a outras entidades concorrentes.Porém, resulta provado nos presentes autos que tem sido prática seguida pelos serviços dependentes do ME, designadamente pela DGE, aceitar a junção de documentos após a apresentação do pedido de atribuição dos pontos de recepção de energia.E como alega a autora, o próprio DL nº312/2001 de 10.12, materializa o princípio da igualdade de tratamento como critério a observar na sua aplicação. Ora, de harmonia com o disposto no artigo 13º da CRP, e em conformidade com o seu acolhimento pelo artigo 5º do CPA no que respeita à actuação da Administração no seu relacionamento com os particulares, uma das vertentes da vinculação da Administração pelo princípio da igualdade compreende [como se pode ler na Constituição Anotada de Gomes Canotilho e Vital Moreira] a “autovinculação [casuística] da Administração no âmbito dos seus poderes discricionários, devendo ela utilizar critérios substancialmente idênticos para a resolução de casos idênticos, sendo a mudança de critérios, sem qualquer fundamento material, violadora do princípio da igualdade”. Assim, o princípio da igualdade exige o tratamento igual de situações iguais, mas também impõe que seja tratado desigualmente aquilo que é jurídico e materialmente desigual, na medida da sua desigualdade. Como já foi dito supra, a Administração tem o poder discricionário [conferido pelo nº5 do artigo 11º do DL nº312/2001 de 10.12] de convidar os promotores a suprirem as insuficiências da instrução do pedido de atribuição de ponto de recepção, através da entrega [ainda que para além do prazo legal] dos elementos em falta. No caso, a Administração não usou esse poder. E a requerente autora remeteu, por impulso próprio, aqueles documentos. Ora, resultando provado que tem sido prática da DGE aceitar a junção de documentos após a apresentação do pedido de atribuição dos pontos de recepção de energia, e não decorrendo dos autos a existência de mudança naquela actuação, o arquivamento do pedido da autora com esse mesmo fundamento é violador do princípio da igualdade. Procede, assim, a alegada violação do princípio da igualdade.Este julgamento parece-nos estar correcto.Não há necessidade, agora, de voltar a escalpelizar os vectores do princípio da igualdade cuja aplicação se impunha neste caso concreto, porque o acórdão recorrido já o fez suficientemente [artigos 13º da CRP e 6º nº1 do DL nº312/01 de 10.12].Importa, apenas, e numa tentativa de adicionar alguma achega esclarecedora à fundamentação apresentada, chamar a atenção para o facto de a leitura conjugada dos nº1 alínea b) nº3 e nº5 do artigo 11º do DL nº312/01 de 10.12, nos levar a concluir que o prazo máximo de 70 dias configura, no tocante à junção dos documentos constantes do anexo II, um prazo não preclusivo, na medida em que a DGE, perante a eventual insuficiência da instrução do pedido, pode solicitar ao promotor informações complementares.Foi precisamente no modo como foi usando desta possibilidade, que a DGE se foi auto-vinculando a um determinado procedimento, cuja não observância destoa no caso da G... em termos violadores do princípio da igualdade de tratamento dos promotores.Note-se, por fim, que uma vez que ao tempo do despacho de arquivamento [27.01.03] já estavam juntos aos autos os documentos em falta [comprovativo do direito para utilização do espaço de implantação da instalação e parecer da câmara municipal onde se localiza o parque eólico], é, no fundo, a extemporaneidade da sua junção que motiva tal desfecho. E sendo assim, pouco importa, na verdade, se os documentos foram emitidos antes ou depois do termo do prazo de 70 dias, até porque a sua emissão não dependia apenas do promotor em causa.Devem, por conseguinte, improceder também as últimas sete conclusões tiradas pelo recorrente principal. VI. A G... não interpôs um recurso independente mas sim subordinado, como dissemos, discordando do acórdão recorrido na medida em que julgou improcedentes os outros vícios que imputou ao despacho de arquivamento mantido pelo ME.Como recurso subordinado que é, o seu conhecimento apenas se impõe ao tribunal ad quem no caso de ser dado provimento ao recurso principal [ou independente]. O que não acontece.Assim, consideramos prejudicado o conhecimento do recurso subordinado interposto pela recorrente G....DECISÃO Nestes termos, decidem os juízes deste tribunal, em conferência, negar provimento ao recurso interposto pelo Ministério da Economia, mantendo o acórdão recorrido com a actual fundamentação.
Custas pelo recorrente ME com taxa de justiça reduzida a metade – artigos 189º do CPTA, 446º do CPC, 18º nº2 e 73º-E nº1 alínea a) do CCJ. Porto, 25 de Outubro de 2007
Ass. José Augusto Araújo Veloso
Ass. Maria Isabel São Pedro Soeiro
Ass. Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia

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