quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Acto impugnável

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:
00864/06.4BECBR
Secção:
1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:
06-11-2008
Tribunal:
TAF de Coimbra
Relator:
Drº José Augusto Araújo Veloso
Descritores:
ACTO IMPUGNÁVELCPTA
Sumário:
I. No âmbito do CPTA, acto administrativo impugnável é o acto dotado de eficácia externa, actual ou potencial, neste último caso desde que seja seguro ou muito provável que o acto irá produzir efeitos;II. A lesividade subjectiva constitui mero critério, mas talvez o mais importante, de aferição da impugnabilidade do acto administrativo, coloca a sua impugnabilidade sob a alçada da garantia constitucional, e confere ao recorrente pleno interesse em agir;III. A lesividade subjectiva não pode nem deve ser aferida em termos meramente abstractos, mas antes tendo em conta os vícios concretos que são imputados pelo autor da acção impugnatória ao acórdão impugnado;IV. O acórdão do Conselho Superior da OA [Ordem dos Advogados] que revoga acórdão do seu Conselho de Deontologia, que tinha absolvido o arguido em processo disciplinar, para que fosse efectuada uma diligência probatória que ele considera ilegal, constitui acto lesivo dos seus interesses legalmente protegidos, e, enquanto tal, acto contenciosamente impugnável. ** Sumário elaborado pelo Relator
Data de Entrada:
27-11-2007
Recorrente:
J...
Recorrido 1:
Conselho Superior da Ordem dos Advogados e J...
Votação:
Unanimidade
Meio Processual:
Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:
Concede provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
Negar provimento ao recurso
1
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:RelatórioJ... - com domicílio na rua ..., em Cantanhede – interpõe recurso jurisdicional da sentença [saneador/sentença] proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal [TAF] de Coimbra – em 31.05.2007 – que absolveu da instância a ORDEM DOS ADVOGADOS [OA] por falta de impugnabilidade contenciosa do acórdão do seu Conselho Superior [15.09.2006] que decidiu revogar o aresto do Conselho Deontológico de Coimbra [23.09.2005] e ordenar a baixa do processo disciplinar contra ele instaurado, para ser realizada uma diligência considerada essencial. Conclui as suas alegações da forma seguinte:1- O ora recorrente, no final do artigo 104 da petição inicial, requereu que se oficiasse ao Conselho Superior da OA para mandar apensar o Processo Disciplinar [PD] R/8/06, pelo que, antes de se ordenar a citação dos réus, a secção devia ter levado o processo concluso ao juiz para mandar oficiar ao Conselho Superior a remessa do PD a tribunal até esta acção transitar em julgado, pelo que é nulo todo o processado a partir da entrada da petição inicial;2- O recorrente sempre esteve convencido, em face das posições tomadas na petição inicial, na resposta às excepções e nas alegações, que o PD R/8/06 estava apenso à presente acção;3- Sem o PD R/8/06 a juíza a quo não tinha matéria para decidir como decidiu;4- No PD do Conselho de Deontologia de Coimbra o J... requereu que se fizesse exame à escrita do recorrente, sendo tal pedido indeferido com o argumento de que havia violação da confidencialidade da escrita, protegida legalmente;5- E o Governo pretendeu que se violasse tal confidencialidade das escritas dos cidadãos, e o AC do Tribunal Constitucional nº442/2007 de 14.08.2007, pronunciou-se pela inconstitucionalidade de tais normas;6- A decisão do Conselho de Deontologia de Coimbra constitui caso julgado material, dado que J... não interpôs o competente recurso, pelo que nos termos do artigo 675º do CPC, havendo duas decisões contraditórias, cumprir-se-á a que transitou em julgado em primeiro lugar. No caso concreto, foi a decisão do Conselho de Deontologia de Coimbra;7- O recorrente alegou que o Conselho Superior tinha tomado uma decisão discricionária, porquanto não fundamentou o seu acórdão, sendo nulo este acórdão nos termos do artigo 668º do CPC, e também a juíza a quo não se pronunciou sobre este ponto, pelo que é nula a sua decisão;8- Assim, o recorrente sentiu-se prejudicado, tinha e tem todo o interesse em agir, como ensinam os tratadistas;9- Indicam-se como violados, entre outros, os artigos 29º, 61º, e 374º do CPP, os artigos 3º, 3º-A, 668º e 675º do CPC, a Lei Tributária e os artigos 20º, 32º, 268º e 278º da CRP;10- Assim, nos termos expostos, deve conceder-se provimento a este recurso, devendo ordenar-se a apensação, e a final absolver-se o recorrente, só assim se fazendo justiça.A entidade recorrida contra-alegou, apresentando as seguintes conclusões:1- No prazo concedido para a contestação, e em conformidade com o disposto no artigo 84º do CPTA, a entidade recorrida procedeu à junção aos autos do processo instrutor, não se mostrando, como tal, verificada a nulidade arguida pelo recorrente no ponto 1 das suas conclusões;2- Ao contrário do arguido pelo recorrente, a recorrida procedeu à remessa aos presentes autos do procedimento administrativo no âmbito do qual foi proferido o acórdão impugnado;3- Porventura, a confusão do recorrente advém do facto de ter ocorrido uma renumeração do processo instrutor aquando da subida do recurso interposto pelo participante para o Conselho Superior, pois que o referido processo instrutor obteve inicialmente o número 77/04, tendo-lhe sido posteriormente atribuído o número R/8/06; 4- Tal como resulta explícito do teor do acto impugnado, não foi por este determinada a condenação do recorrente, e a consequente aplicação de sanção disciplinar, pelo que, não se mostram feridos, ainda que de forma indelével, os princípios da presunção de inocência e do in dubio pro reo que regem o processo disciplinar;5- Ou seja, o acórdão do Conselho Superior da OA, proferido no âmbito do PD R/8/06 não constitui um acto impugnável, já que o acto em causa não produz ainda efeitos na esfera jurídica do autor, não definindo ainda a sua situação disciplinar, que permanece em aberto, nem causando ao autor consequências lesivas [ademais não alegadas];6- Pelo que bem andou a sentença recorrida em considerar que se mostrava verificada a excepção dilatória de inimpugnabilidade do acto impugnado, não enfermando de qualquer erro de julgamento;7- E nem se diga, como faz o recorrente, que este tinha todo o interesse em agir porquanto o acórdão impugnado contrariou o caso julgado produzido pela decisão do Conselho de Deontologia de Coimbra;8- Em primeiro lugar, não cuida o recorrente de especificar qual a decisão do Conselho de Deontologia que, no seu entender, constitui caso julgado, sendo certo que o único acórdão que foi produzido por esse órgão foi legal e tempestivamente impugnado pelo participante;9- Por outro lado, perpassado o processo instrutor apenso aos autos, não é possível vislumbrar qualquer requerimento ou decisão com o teor referido pelo recorrente no ponto 4 das suas conclusões;10- Efectivamente, o participante, por requerimento junto a folha 99, limitou-se a requerer que fosse solicitado ao aqui recorrente que juntasse aos autos […] documentos comprovativos das contas que alega ter efectuado com o participante [recibos das seguradoras, notas de despesas, recibos verdes, etc.]. Por despacho datado de 08.10.2004, proferido pela Relatora, foi indeferida tal prova com fundamento na circunstância de que o […] recibo da seguradora e recibo verde já se encontram juntos aos autos;11- Tão pouco assiste razão ao recorrente quando fundamenta o seu interesse em agir no alegado carácter discricionário da decisão contida no acórdão impugnado por falta de fundamentação;12- Em boa verdade, o acto impugnado encontra-se devidamente fundamentado de facto e de direito, cumprindo de resto o disposto no artigo 125º do CPA. É clara a motivação do referido acto, o qual, fundamentando-se na omissão da realização de diligências probatórias essenciais à descoberta da verdade, revogou o acórdão proferido pelo Conselho de Deontologia de Coimbra e, em consequência, ordenou a baixa do processo com vista à produção de prova complementar.Termina pedindo a manutenção da sentença recorrida.O contra-interessado [J...] contra-alegou, concluindo deste modo:1- A sentença recorrida decidiu bem, não merecendo qualquer reparo;2- Soçobram as asserções conclusivas do recorrente;3- Não foram violadas quaisquer normas ou preceitos, nem os indicados pelo recorrente, nem quaisquer outros. Termina, também, pedindo que seja mantida a decisão judicial recorrida.O Ministério Público pronunciou-se [artigo 146º nº1 do CPTA] pelo não provimento do recurso jurisdicional.De FactoÉ o seguinte o teor da decisão judicial recorrida:[…] O acto impugnado nos presentes autos é o Acórdão do Conselho Superior da Ordem dos Advogados – acto vertido no documento junto com à petição inicial e constante de folha 253 do PA apenso – proferido no âmbito do PD R/8/06 instaurado pela OA ao advogado J..., autor nos presentes autos. Como resulta do seu teor, por tal acórdão foi revogado o acórdão do Conselho Deontológico de Coimbra datado de 23.09.2005, que havia absolvido o autor, e foi ordenada a baixa do processo disciplinar a fim de ser realizada diligência considerada essencial. Por conseguinte, o acórdão do Conselho Superior, aqui impugnado, está inserido no procedimento disciplinar instaurado ao autor, não lhe tendo posto ainda fim, antes o mandando prosseguir a fim de ser ainda produzida prova. Não constitui, pois, o acto decisório do procedimento disciplinar. E se bem que estejam hoje afastados os anteriores paradigmas do contencioso administrativo, designadamente a definitividade do acto, e que assim seja admissível, nos termos do disposto no artigo 51º nº1 do CPTA, a impugnação de actos administrativos inseridos num procedimento administrativo, é condição da sua impugnabilidade que os mesmos sejam dotados de eficácia externa. Com efeito dispõe o artigo 51º nº1 do CPTA o seguinte: “Ainda que inseridos num procedimento administrativo, são impugnáveis os actos administrativos com eficácia externa, especialmente aqueles cujo conteúdo seja susceptível de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos”. À luz do novo contencioso administrativo, e como afirma Mário Aroso de Almeida [in O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, Coimbra, Fevereiro 2003, página 117] “O elemento decisivo da noção de acto administrativo impugnável é a eficácia externa”, e [a página 119] “Decisivo, portanto, para que um acto administrativo possa ser considerado impugnável é que os efeitos que ele se destina a introduzir na ordem jurídica sejam susceptíveis de se projectar na esfera jurídica de qualquer entidade, privada ou pública, […] em condições de fazer com que para elas possa resultar um efeito útil de remoção do acto da ordem jurídica”. O conceito de acto administrativo impugnável começa por pressupor, pois, um conceito material de acto administrativo. Ora, o artigo 120º do CPA diz considerarem-se actos administrativos “as decisões dos órgãos da administração que ao abrigo de normas de direito público visem produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta”. E a doutrina tem consolidado o conceito de acto administrativo como “acto jurídico unilateral praticado por um órgão da administração no exercício do poder administrativo e que visa a produção de efeitos jurídicos sobre uma situação individual num caso concreto” [ver Freitas do Amaral, in Direito Administrativo, volume III, página 66], ou como “medida ou prescrição unilateral da Administração que produz directa, individual e concretamente efeitos de direito administrativo vinculantes de terceiros” [ver Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e Pacheco de Amorim, in Código de Procedimento Administrativo Comentado, 2ª edição, Almedina, Janeiro de 2003, página 550]. A esta luz, é forçoso concluir que o acórdão do Conselho Superior da OA, proferido no âmbito do PD R/8/06 movido ao autor, não constitui um acto impugnável, já que não produz ainda efeitos na esfera jurídica do autor, não definindo ainda a sua situação disciplinar, que permanece em aberto, nem causando ao autor consequências lesivas [ademais não alegadas]. E a tal não obsta o disposto no artigo 6º nº3 do Estatuto da Ordem dos Advogados, invocado pelo autor para sustentar a impugnabilidade do acto, cuja redacção é a seguinte: “dos actos praticados pelos órgãos da Ordem dos Advogados cabe, ainda, recurso contencioso para os tribunais administrativos, nos termos gerais de direito”. É que os actos praticados pelos órgãos da OA são contenciosamente impugnáveis, nos termos gerais de direito, ou seja, e actualmente, nos termos das disposições legais contidas CPTA.E, como já vimos, à luz do disposto no artigo 51º nº1 do CPTA o acto impugnado na presente acção não é um acto administrativo impugnável. O que constitui excepção dilatória que obsta ao conhecimento do mérito da acção e determina a absolvição do réu da instância – artigo 89º nº1 alínea c) do CPTA. Pelo exposto, julgo verificada a excepção da inimpugnabilidade do acto impugnado, e em consequência absolvo o réu da instância - artigos 51º nº1 e 89º nº1 alínea c) do CPTA, e artigo 288º nº1 alínea e) do CPC. De DireitoI. Cumpre apreciar as questões suscitadas pelo recorrente, o que deverá ser efectuado dentro das balizas estabelecidas, para o efeito, pela lei processual aplicável – ver artigos 660º nº2, 664º, 684º nº3 e nº4, e 690º nº1, todos do CPC, aplicáveis ex vi 140º do CPTA, e ainda artigo 149º do CPTA, a propósito do qual são tidas em conta as considerações interpretativas tecidas por Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa (Lições), 8ª edição, páginas 459 e seguintes, e por Mário Aroso de Almeida e Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, página 737, nota 1.II. O autor da acção administrativa especial pediu ao TAF de Coimbra que anulasse o acórdão do Conselho Superior da Ordem dos Advogados [15.09.2006] que decidiu revogar o acórdão do Conselho Deontológico de Coimbra [23.09.2005], e ordenar a baixa do processo disciplinar contra ele instaurado na sequência de participação do aqui contra-interessado [J...], a fim de ser realizada diligência considerada essencial. Alega, para o efeito, que a decisão administrativa impugnada menospreza a prova por ele feita no processo disciplinar, desrespeita os princípios do in dubio pro reo [artigo 32º da Constituição da República Portuguesa] e da confidencialidade [então artigo 17º do Código de Procedimento Tributário, aprovado pelo DL nº154/91 de 23.04, e agora artigo 64º da Lei Geral Tributária aprovada pelo DL nº398/98 de 17.12], e carece da devida fundamentação [artigos 154º do Estatuto da Ordem dos Advogados, 374º do Código de Processo Penal, e 659º do Código de Processo Civil].Em sede de saneador [artigo 87º CPTA], e conhecendo de excepção dilatória por ele oficiosamente suscitada, o TAF de Coimbra, após ter cumprido o contraditório, considerou que o acórdão posto em causa era contenciosamente inimpugnável, e, em conformidade, absolveu a OA da instância [artigos 51º nº1 e 89º nº1 alínea c) do CPTA e 288º nº1 alínea e) do CPC].O autor da acção administrativa impugnatória, ora na veste de recorrente, reage a esta decisão judicial, concluindo, em suma, pela nulidade dos presentes autos, a partir da petição inicial, por não ter sido solicitado o respectivo procedimento administrativo [PA] antes da citação do réu [conclusões 1ª a 3ª], pela nulidade da sentença recorrida por falta da devida e necessária fundamentação [conclusões 7ª e 8ª], e concluindo, ainda, que a decisão judicial nela tomada padece de erro de julgamento de direito [conclusões 4ª a 6ª e 9ª].III. Invoca o recorrente jurisdicional a nulidade de tudo o que foi processado na acção administrativa especial a partir da entrada em juízo da petição inicial, e isto pelo facto de ter requerido, nesse articulado, que fosse solicitado ao Conselho Superior da OA o envio a tribunal, a fim de ficar apenso aos autos até neles ser proferida a decisão final, o procedimento disciplinar em causa, e isso não ter sido feito.Constata-se, pela análise da presente acção impugnatória, que o seu autor, na parte final da petição inicial, requer que se oficie ao Conselho Superior da Ordem dos Advogados para enviar para este tribunal o processo R/8/06, a fim de ser apensado a esta acção, enquanto ela não transitar em julgado [sic], sendo que esse procedimento administrativo acabou por ser junto ao processo judicial aquando da apresentação da contestação da OA, e foi a ele apenso [ver folha 62 e 67 dos autos].Tudo se passou, portanto, nos termos normais ordenados no artigo 84º nº1 do CPTA [segundo o qual com a contestação, ou dentro do respectivo prazo, a entidade demandada é obrigada a remeter ao tribunal o processo administrativo, quando exista, e todos os demais documentos respeitantes à matéria do processo de que sela detentora, que ficarão apensados aos autos], não se mostrando, no caso, necessária a adopção de outro tipo de procedimento, sendo que tão pouco se pode concluir do referido requerimento do autor que este o solicitou ou justificou.Verifica-se, assim, que não foi adoptada pelo tribunal recorrido qualquer conduta processualmente anormal, que de alguma forma pudesse, sequer, suscitar a hipótese de irregularidade, quanto mais de nulidade [artigos 193º a 208º do CPC supletivamente aplicáveis ao CPTA], como quer o autor.Deve, pois, ser julgada improcedente esta invocada nulidade do processo.Invoca o recorrente a nulidade da sentença recorrida por falta de fundamentação [artigo 668º nº1 alínea b) do CPC].Nos termos do artigo 668º nº1 alínea b) do CPC a sentença é nula quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.A jurisprudência dos tribunais superiores vem concluindo, de forma praticamente uniforme, que a nulidade da sentença por falta de fundamentação apenas ocorre quando se verifique uma completa ausência dessa fundamentação, e não quando esta seja incompleta ou deficiente, pois só no primeiro caso o destinatário da sentença fica na ignorância das razões, de facto ou de direito, pelas quais foi tomada tal decisão, e o tribunal superior fica impedido de sindicar a lógica inerente ao silogismo judiciário que a ela presidiu – ver, por todos, AC STJ 26.02.2004, Rº03B3798, e AC STA de 26.07.2000, Rº46382.Ora, no presente caso não se configura, assim o cremos, a falta completa de fundamentação de facto e de direito da sentença.E se isto é bastante óbvio no que respeita à fundamentação de direito, na qual o tribunal recorrido se limitou a conhecer, de forma coerente e bastante, da excepção dilatória que tinha antes suscitado, o certo é que, também no tocante à fundamentação de facto, muito embora a sentença recorrida não contemple uma parte formalmente dedicada a essa matéria, ela não deixa de chamar à colação, e ter na devida conta, a factualidade considerada pertinente e suficiente para fundamentar a decisão tomada, e que se reduz, na sua perspectiva, ao conteúdo do acórdão impugnado [vertido no documento junto com a petição inicial e constante de folha 253 do PA]. Deve, pois, ser julgada improcedente esta invocada nulidade da sentença.Para além destas duas nulidades invocadas pelo recorrente, e julgadas improcedentes, uma delas directamente dirigida à sentença recorrida, e outra que acabaria por afectá-la como acto subsequente à petição inicial, constata-se que ele, embora de uma forma assaz nebulosa, porque juridicamente pouco precisa, acaba imputando erro de julgamento de direito à decisão judicial recorrida, que, recorde-se, julgou procedente a excepção da inimpugnabilidade contenciosa do acórdão proferido pelo Conselho Superior da OA [15.09.06], e absolveu esta entidade da instância.Antes de mais, circunstanciemos o acto impugnado nesta acção administrativa especial, em ordem a aferirmos se estamos ou não perante um acto impugnável contenciosamente. Resulta do PA [apenso aos autos], que por acórdão de 23.09.2005, o Conselho de Deontologia de Coimbra da OA aprovou o relatório final da relatora do processo disciplinar movido ao ora recorrente [aí arguido], e decidiu absolvê-lo das infracções disciplinares pelas quais vinha acusado [folhas 185 a 191 PA]. No entanto, o aí participante, agora contra-interessado, inconformado com esta decisão administrativa, da qual foi notificado através de ofício datado de 30.09.2005 [folha 194 PA], dela interpôs recurso gracioso, em 07.10.2005, para o Conselho Superior da OA [artigos 132º nº1, 133º nº1 e nº3, 134º nº2, do Estatuto da Ordem dos Advogados (EOA) na versão decorrente da sexta alteração produzida pela Lei nº80/2001 de 20.07, e 205º dos EOA aprovado pela Lei 15/2005 de 26.01], o qual, através do seu acórdão de 15.09.2006, decidiu revogar aquela decisão de absolvição, e ordenou a baixa do processo disciplinar ao Conselho de Deontologia de Coimbra a fim de ser realizada diligência probatória considerada necessária [ver folhas 249 a 253 do PA]. Nos termos dos artigos do EOA aplicáveis ao caso concreto [note-se que, de acordo com o artigo 205º da Lei nº15/2005 de 26.01 o novo EOA só se aplica aos processos disciplinares instaurados após a sua entrada em vigor], os actos praticados pelos órgãos da OA no exercício das suas atribuições admitem os recursos hierárquicos previstos no presente Estatuto [artigo 5º nº1 do EOA na versão decorrente da sexta alteração produzida pela Lei nº80/2001 de 20.07], dos actos definitivos e executórios dos órgãos da OA cabe recurso contencioso para os tribunais administrativos, nos termos gerais de direito [artigo 5º nº3 do EOA na versão decorrente da sexta alteração produzida pela Lei nº80/2001 de 20.07], e das deliberações dos conselhos de deontologia ou das suas secções cabe recurso para o conselho superior [artigo 132º nº1 do EOA na versão decorrente da sexta alteração produzida pela Lei nº80/2001 de 20.07], sendo o prazo para a sua interposição de 10 dias a contar da notificação ou de o 15 dias a contar da afixação do edital [artigo 133º nº3 do EOA na versão decorrente da sexta alteração produzida pela Lei nº80/2001 de 20.07].Da conjugação destas normas, nomeadamente da conjugação do referido artigo 5º, nº1 e nº3, com a norma do também referido artigo 132º, nº1, parece dever concluir-se que o recurso interposto em 07.10.2005 para o Conselho Superior da OA, pelo respectivo participante no processo disciplinar [agora contra-interessado], configura um recurso hierárquico necessário, e que o acórdão que a respeito veio a ser proferido pelo Conselho Superior da OA em 15.09.06, configura decisão administrativa definitiva e executória [usando a terminologia do então EOA] para efeitos de recurso aos tribunais. Efectivamente, cremos que a expressa limitação da abertura da via contenciosa aos actos definitivos e executórios [artigo 5º nº3 do EOA na versão decorrente da sexta alteração produzida pela Lei nº80/2001 de 20.07, em consonância com o que estipulava o artigo 25º da LPTA], mesmo interpretada de acordo com o que ao momento já consagrava a Lei Fundamental [artigo 268º nº4 CRP], exige, como pressupostos da impugnabilidade do acto junto dos tribunais administrativos, que o mesmo seja verticalmente definitivo e dotado de lesividade actual, isto é, exige que nos deparemos com um acto que não esteja sujeito a recurso hierárquico necessário, e que seja dotado, já, de eficácia externa lesiva da esfera jurídica do recorrente. É este, pois, o sentido interpretativo a dar às referidas normas do EOA [na versão decorrente da sexta alteração produzida pela Lei nº80/2001 de 20.07] que são aplicáveis ao caso sub judice, e que, como podemos constatar com bastante facilidade, não coincidem inteiramente com as normas que foram consagradas no CPTA [artigos 51º nº1 e 54º nº1 alínea b)].Sabemos que este novo código [CPTA] teve como pano de fundo, a respeito da impugnabilidade contenciosa do acto administrativo, e como não poderia deixar de ser, a norma constitucional do artigo 268º nº4, que continuava a garantir aos administrados o direito a impugnar junto dos tribunais quaisquer actos administrativos que os lesem, independentemente da sua forma. Trata-se de uma garantia impositiva, mas não limitativa. Isto é, a norma constitucional impõe ao legislador ordinário que respeite a impugnabilidade contenciosa dos actos lesivos, mas dela não decorre que apenas tais actos sejam impugnáveis junto dos tribunais. Na senda do legislador constitucional, o CPTA veio consagrar, como princípio geral, o seguinte: ainda que inseridos num procedimento administrativo, são impugnáveis os actos administrativos com eficácia externa, especialmente aqueles cujo conteúdo seja susceptível de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos – ver artigo 51º nº1 do CPTA.Este princípio geral definiu o acto administrativo impugnável, portanto, como sendo o dotado de eficácia externa, remetendo a lesividade [subjectiva] para mero critério [talvez o mais importante] de aferição dessa impugnabilidade. Destarte, cabendo no conceito legal de acto impugnável todos os actos lesivos de direitos e interesses legalmente protegidos, resulta respeitada a garantia constitucional impositiva, que acaba, no entanto, por ser estendida pelo legislador ordinário a todos aqueles actos que, mesmo não sendo lesivos de direitos subjectivos, são dotados de eficácia externa. Com este conceito, não é apenas o critério da definitividade e executoriedade [anteriormente consagrado no artigo 25º da LPTA] que acaba sendo ultrapassado, enquanto definidor da impugnabilidade contenciosa, mas também o é o próprio critério da lesividade, seja ela subjectiva ou objectiva – como se sabe, a eficácia externa tanto abarca a lesividade subjectiva [lesão de direitos ou interesses legalmente protegidos dos administrados] como a lesividade objectiva [lesão da legalidade objectiva] que pode ser impugnada no exercício de acção pública [artigo 55º nº1 alíneas b) e e) do CPTA] ou de acção popular [artigo 55º nº2 do CPTA].Além disso, sublinhamos, a própria eficácia externa, enquanto definidora de impugnabilidade contenciosa, não tem de ser actual, podendo ser uma eficácia externa potencial desde que seja seguro ou muito provável que o acto irá produzir efeitos. Na verdade, e como já defendemos [ver AC do TCAN de 29.05.08, Rº1006/05.9BEPRT], esta interpretação extensiva do nº1 do artigo 51º do CPTA [actos administrativos com eficácia externa] não só é permitida pela letra da lei, como acaba sendo imposta pela sua conjugação com o disposto no artigo 54º nº1 alínea b) do mesmo código – reza esta norma que um acto administrativo pode ser impugnado ainda que não tenha começado a produzir efeitos jurídicos, quando: […] b) Seja seguro ou muito provável que o acto irá produzir efeitos […].Temos, portanto, que ao abrigo do actual regime, consagrado no CPTA [desde Janeiro de 2004], não só é contenciosamente impugnável o acto administrativo dotado de eficácia externa actual, como também o é o acto administrativo dotado de eficácia externa ainda potencial, desde que seja seguro ou muito provável que a virá a ter, sendo que a sua capacidade subjectivamente lesiva apenas virá colocar essa sua impugnabilidade sob a alçada da garantia constitucional.Em consonância com isto, o actual EOA [Lei nº15/2005 de 26.01] deixou de prescrever que dos actos definitivos e executórios dos órgãos da OA cabe recurso contencioso para os tribunais administrativos, nos termos gerais de direito, para se limitar a dizer que os actos praticados pelos órgãos da OA no exercício das suas atribuições admitem os recursos hierárquicos previstos no presente Estatuto [artigo 6º nº1] e que dos actos praticados pelos órgãos da OA cabe, ainda, recurso contencioso para os tribunais administrativos, nos termos gerais de direito [artigo 6º nº3]. Ou seja, cremos que a impugnação contenciosa de qualquer acto emanado de órgãos da OA passou a exigir, somente, a verificação dos critérios consagrados no actual CPTA: ter eficácia externa, sobretudo lesiva de direitos ou interesses legalmente protegidos, e isto, mesmo que se trate de acto inserido num procedimento administrativo [artigo 51º nº1 do CPTA].Perante esta síntese sobre os pressupostos da impugnabilidade do acto administrativo, quer em face do EOA aplicável ao presente caso [EOA na versão decorrente da sexta alteração produzida pela Lei nº80/2001 de 20.07], quer em face da lei actual [EOA aprovado pela Lei nº15/2005 de 26.01, e artigo 51º nº1 do CPTA], somos obrigados a concluir que, decisivo para a apreciação e decisão do erro de julgamento invocado pelo recorrente, é saber se a decisão tomada pelo acórdão de 15.09.2006 do Conselho Superior da OA é actualmente lesivo da sua esfera jurídica [a lesividade potencial, nos termos decorrentes da conjugação dos artigos 51º nº1 e 54º nº1 alínea b) do CPTA, não vinha sendo admitida durante a vigência do artigo 25º da LPTA, mesmo interpretado de acordo com o artigo 268º nº4 da CRP].Cremos que esta lesividade não pode nem deve ser aferida em termos meramente abstractos, mas antes tendo em conta os vícios concretos que são imputados pelo autor da acção impugnatória ao acórdão impugnado, ou seja, menosprezo pela prova por ele feita no âmbito do procedimento disciplinar, desrespeito pelos princípios do in dubio pro reo e da confidencialidade, e falta da devida fundamentação. Isto significa, em termos de causa de pedir, que o autor da acção especial, ora recorrente, para além de alegar não entender, de forma clara e bastante, quais são os motivos da revogação do acórdão que o absolveu [falta de fundamentação], entende também que esta revogação acaba por lhe impor um ónus probatório que não lhe compete como arguido, e por violar, como escreve, a confidencialidade das escritas dos cidadãos.Com razão de fundo, ou sem ela, não é assunto que importe de momento apreciar, o certo é que a revogação da decisão absolutória, proferida pelo Conselho Superior da OA, embora com a finalidade de complementar a instrução do procedimento disciplinar, acaba por se reflectir, já, e de forma negativa, na esfera jurídica do recorrente. Na verdade, este, por via dessa revogação, deixa de estar absolvido da acusação que contra ele foi formulada, para continuar arguido em processo disciplinar pendente, e correndo o sério risco de vir a ser nele condenado. É que, não podemos deixar de sublinhar, o simples facto da prova produzida ter sido considerada insuficiente, e ter sido ordenada a produção de diligência considerada indispensável, aponta desde logo para a ocorrência de dúvida sobre a bondade da decisão absolutória.O recorrente, deixa de ter o estatuto de absolvido, com todo a paz de espírito pessoal que isso significa, e com a sua credibilidade profissional bastante recuperada perante a clientela, para arcar, de novo, com o peso e a intranquilidade gerada por uma acusação, com todas as consequentes repercussões a nível profissional. Nem se diga que estes efeitos factuais lesivos, derivados do acto impugnado, não foram alegadas pelo autor da acção impugnatória, pois que, como factos notórios que são, não carecem de alegação e de prova [artigo 514º do CPC supletivamente aplicável ao abrigo do artigo 1º do CPTA]. Importa frisar, ainda, que o acórdão impugnado, que revogou a decisão absolutória do recorrente, configura um acto administrativo perfeitamente destacável do todo procedimental em que se insere, de tal forma que, a não ser agora impugnado contenciosamente pelo recorrente, sobre ele viria a recair a força de caso resolvido. Em suma, cremos que o acórdão de 15.09.2006, proferido pelo Conselho Superior da OA, que revogou o acórdão de 23.09.2005 do Conselho de Deontologia de Coimbra que absolveu o ora recorrente da acusação disciplinar contra ele formulada, a fim de se proceder a diligência de prova considerada indispensável, constitui uma decisão administrativa dotada de eficácia externa, e actualmente lesiva dos interesses legalmente protegidos do recorrente. Como tal, deve ser considerado acto administrativo contenciosamente impugnável. Na medida em que assim não entendeu e decidiu, a sentença recorrida [saneador/sentença] deve ser revogada, bem como deve a presente acção impugnatória prosseguir os seus trâmites normais, em ordem ao conhecimento do respectivo mérito, caso nada mais obste a tal. DECISÃO Nestes termos, decidem os juízes deste tribunal, em conferência, o seguinte: - Conceder provimento ao recurso jurisdicional, e, em conformidade, revogar a decisão judicial recorrida; - Ordenar a baixa dos autos ao TAF de Coimbra, para aí prosseguirem a sua tramitação, caso nada mais obste a tal. Custas pela entidade recorrida e pelo contra-interessado, com taxa de justiça fixada em 6 UC, já reduzida a metade – artigos 446º do CPC, 189º do CPTA, 73º-A, 73º-D nº3, e 73º-E nº 1 alínea a) do CCJ. Porto, 6 de Novembro de 2008Ass. José Augusto Araújo VelosoAss. Maria Isabel São Pedro SoeiroAss. Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia

Providência cautelar

Tribunal Central Administrativo Sul - Contencioso Administrativo
Contencioso:
Administrativo
Data:
25-11-2008
Processo:
04569/08
Nº Processo/TAF:
00035/08.5BEPDL
Sub-Secção:
2º. Juízo
Magistrado:
Clara Rodrigues
Descritores:
PROVIDÊNCIA CAUTELAR DE SUSPENSÃO DE EFICÁCIA E INTIMAÇÃO PARA ABSTENÇÃO DE UMA CONDUTANULIDADE NOVA SENTENÇA EXPURGADA DOS VÍCIOS QUE MOTIVARAM ANULAÇÃO ANTERIOR (NÃO)
Texto Integral:
Venerando Juiz Desembargador RelatorA Magistrada do MºPº junto deste Tribunal Central Administrativo Sul, notificada nos termos e para efeitos dos artºs 146º nº1 e 147º do CPTA, vem emitir parecer sobre o mérito do presente recurso jurisdicional, nos seguintes termos:I – O presente recurso vem interposto da sentença proferida a fls. 195 e segs., pelo TAF de Ponta Delgada, que julgou improcedente a presente Providência Cautelar de suspensão de eficácia e intimação para abstenção de uma conduta, concernente à homologação da decisão final e preenchimento da vaga do concurso externo de ingresso para admissão a estágio na carreira técnica superior de 2ª classe do quadro de pessoal do Serviço de Desenvolvimento Agrário de São Jorge. Nas conclusões das suas alegações de recurso, a recorrente imputa à sentença recorrida, praticamente os mesmos vícios que apontou aquando do primeiro recurso jurisdicional, nomeadamente, e em resumo, violação de normas legais e processuais, que implicam a nulidade da mesma, sendo possível deduzir - se, a nosso ver, e de acordo com o art. 146º nº 4 do CPTA, que se tratará da nulidade do art. 668º nº 1 al. b) CPC (quanto à alegada falta de fundamentação de facto e de direito) ou do art. 712º nº 4 e 5 do CPC (quanto à mesma alegada falta de fundamentação de facto) de violação do exercício do contraditório; do art. 118º nºs 2 e 4 do CPTA (quanto ao facto do Mmº Juiz a quo não se ter pronunciado sobre a produção de prova requerida na p.i.) e do art. 659º nº 1 do CPC (quanto à alegada falta de sintetização das pretensões formuladas e fixação das questões a solucionar). A ora recorrida contra - alegou pugnando pela improcedência do recurso e manutenção do julgado. II – Na decisão em recurso foram dados como provados, com fundamento no acordo das partes e nos documentos juntos aos autos, os factos constantes de fls. 196 a 198, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.III – Anulada que foi a sentença proferida a fls. 86 e segs, pelo Acórdão deste TCAS, com os fundamentos que dele constam, conforme fls. 172 e segs., veio o Mmº Juiz a quo a proferir a sentença de fls. 198 e segs., de forma a expurgar os vícios que levaram à anulação da anterior.Ora, relativamente à falta de fundamentação de facto, invocada pela recorrente, verifica - se que na nova sentença proferida foi especificada, por parágrafos, a matéria de facto com relevância para a decisão, com indicação das fls. dos autos em que os documentos, que serviram à fundamentação, se mostram juntos, bem como tendo consignado, no final dos factos descritos que a sua prova resultou (além dos documentos juntos), ainda do “acordo das partes”, referindo - se notória e decorrentemente, este “acordo” àqueles factos dados como provados nos primeiros parágrafos, onde não se indicou, imediatamente a seguir, o seu fundamento probatório.Constatando - se ainda que na actual sentença foram descritos os factos que sustentaram o direito aplicado, no que se refere aos vícios invocados na p. i.Assim, afigura - se - nos que é quanto basta para se ter por cumprido o disposto no art. 659º nºs 2 e 3 do CPC ex vi do art. 1º do CPTA, inexistindo presentemente qualquer nulidade derivada da ora alegada “falta de fundamentação de facto”, nomeadamente do art. 668º nº 1 al. b) CPC ou do art. 712º nº 4 e 5 do CPC.Também na sentença agora em recurso, o Mmº Juiz a quo se pronunciou sobre a desnecessidade da inquirição das testemunhas arroladas, face aos elementos que fundamentam a matéria de facto, pelo que face ao disposto no art. 118º do CPTA e concordando - se com tal critério, tal disposição legal, em nosso entender não se mostra violada.Mostra - se, pois, a nosso ver, cumprida a decisão do Acórdão proferido por este TCAS, tendo sido expurgados, na nova sentença, os vícios que fundamentaram a sua anulação, ao contrário do alegado pelo recorrente. IV - Quanto à alegada nulidade por violação do contraditório e à alegada falta de sintetização das pretensões formuladas e fixação das questões a solucionar, sobre as mesmas já o Acórdão deste TCAS, proferido a fls. 172 e segs., se havia pronunciado no sentido da sua inexistência, por remessa expressa para o Parecer do MºPº de fls. 149 e segs., junto naquele Acórdão, cuja validade e actualidade se mantém, face à nova sentença de 1ª instância, ora em recurso.Por outro lado, embora se nos afigure que a recorrente não imputou qualquer outro vício à sentença, nomeadamente o de “erro de julgamento”, sempre concluímos, para o caso de se entender o contrário, pela nossa concordância face ao decidido sobre os pressupostos das als. a), b) e c) do art. 120º do CPTA, cujos requisitos, no caso em apreço, entendemos também não se verificarem.V – Assim, em face do exposto e em conclusão, emitimos parecer no sentido da improcedência do presente recurso jurisdicional, mantendo-se a sentença recorrida.

Contencioso pré- contratual

Tribunal Central Administrativo Sul - Contencioso Administrativo
Contencioso:
Administrativo
Data:
03-12-2008
Processo:
04616/08
Nº Processo/TAF:
01169/08.1BELSB
Sub-Secção:
2º. Juízo
Magistrado:
Maria Antónia Soares
Descritores:
CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUALSUSPENSÃO DE EFICÁCIAMANIFESTA ILEGALIDADE DO ACTODESNECESSIDADE DE PONDERAÇÃO DE INTERESSES
Texto Integral:
Parecer do Ministério Público ao abrigo do nº1 do artº 146º do CPTAVem o presente recurso jurisdicional interposto pela Entidade Requerida, Instituto Português de Sangue, da sentença que considerou procedente o pedido de suspensão de eficácia contra si formulado pela Requerente, “empresa de trabalho temporário”, da deliberação de 24-4-08, do Conselho Directivo daquele Instituto, que, no âmbito do Concurso Público nº 1/90003/ 2008,autorizou a adjudicação à Select-Recursos Humanos, para prestação de serviços para cedência temporária de trabalhadores - pessoal administrativo, Técnico de Informática, motoristas e auxiliares de apoio e vigilância - ao Centro Regional de Sangue de Lisboa, na modalidade de contrato a termo resolutivo certo, até 31-12-08, com vista a colaborarem nas actividades de colheita de sangues, A sentença recorrida deu como verificado o pressuposto contido na alínea a) do artº 120º do CPTA, aplicável ao contencioso pré-contratual por força do nº6 do seu artº 132º, ou seja, considerou ilegal o acto suspendendo, o que tornaria evidente a procedência da pretensão formulada no processo principal.Não se conformou, porém, a Entidade requerida e ora Recorrente, alegando essencialmente que o processo cautelar regulado no artº 132º do CPTA não se destina à apreciação da legalidade dos actos, mas sim a impedir os seus efeitos de molde a possibilitar a sua impugnação em sede de acção principal. Em consequência, considera que, em simultâneo com a eventual necessidade de correcção de ilegalidades haveria que, em nome do princípio da proporcionalidade, equacionar e ponderar os interesses em presença com vista a aferir da lesão causada com a suspensão para as partes no processo, nos termos do nº6 do citado artº 132º.No entanto, não foram alegados factos pela Requerente que permitam fazer essa ponderação de interesses, ao contrário do que aconteceu consigo que alegou que o deferimento da suspensão colocará em risco a existência de stoks de sangue e porá em risco a saúde pública nacional com particular incidência na zona centro do país. E isto porque os profissionais a contratar “são fundamentais para a realização das actividades e operações de colheita de sangue, sem os quais os profissionais e as equipas multidisciplinares encarregues da mesma não realizam essa colheita, dado que estamos perante unidades de colheita multidisciplinares, onde vigora a “solidariedade por divisão do trabalho”.Contra-alegou a Empresa Requerente ora Recorrida, defendendo, essencialmente, a manutenção do julgado.Vejamos quem tem razão.Estabelece o artº 132º do CPTA o seguinte:1 - Quando esteja em causa a anulação ou declaração de nulidade ou inexistência jurídica de actos administrativos relativos à formação de contratos, podem ser requeridas providências destinadas a corrigir a ilegalidade ou a impedir que sejam causados outros danos aos interesses em presença, incluindo a suspensão do procedimento de formação do contrato. 2 - Para os efeitos do disposto no número anterior, são equiparados a actos administrativos os actos praticados por sujeitos privados, no âmbito de procedimentos pré-contratuais de direito público. 3 - Aplicam-se, neste domínio, as regras do capítulo anterior, com ressalva do disposto nos números seguintes. 4 - O requerimento deve ser instruído com todos os elementos de prova. 5 - A autoridade requerida e os contra-interessados dispõem do prazo de sete dias para responderem.6 - Sem prejuízo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 120.º, a concessão da providência depende do juízo de probabilidade do tribunal quanto a saber se, ponderados os interesses susceptíveis de serem lesados, os danos que resultariam da adopção da providência são superiores aos prejuízos que podem resultar da sua não adopção, sem que tal lesão possa ser evitada ou atenuada pela adopção de outras providências. 7 - Quando, logo no processo cautelar, o juiz considere demonstrada a ilegalidade de especificações contidas nos documentos do concurso que era invocada como fundamento do processo principal, pode determinar a sua correcção, decidindo, desse modo, o fundo da causa, segundo o disposto no artigo 121.ºDo sublinhado por nós, afigura-se-nos que decorre com suficiente clareza que, aplicando-se as regras relativas às demais providências cautelares, tal como nestas acontece, também no caso das providências relativas ao contencioso pré- contratual a manifesta ilegalidade do acto determina, só por si, o decretamento da suspensão de eficácia sem necessidade de apreciação dos requisitos contidos nas alínea b) e c) do nº1 do artº 120º do CPTA e, consequentemente, sem necessidade de apreciação da ponderação de interesses a que alude o nº2 do mesmo artigo.De facto, o nº1 do artigo descrito põe em alternativa a apreciação da legalidade ou ( e não “e”) os danos dos interesses em presença. E o nº6 estabelece que a apreciação dos interesses em presença se faz sem prejuízo do disposto na alínea a) do nº1 do artº 120º do CPTA.É também este o entendimento expresso na anotação 5. ao artº 132º do CPTA in “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos” de Mário de Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, ao aí referir-se que “… quando o tribunal considere evidente que a pretensão do requerente da providência irá ser julgada procedente no processo principal, deve conceder a providência sem mais indagações”.Assim, uma vez que não vem impugnada a sentença na parte em que decidiu a verificação do pressuposto contido na alínea a) do nº1 do artº 120º do CPTA, nem posta em causa a razão da suspensão como meio de assegurar a utilidade da sentença a proferir no processo principal, deverá ser, nos termos expostos, negado provimento ao presente recurso jurisdicional com a consequente manutenção da sentença recorrida que decretou a suspensão de eficácia do acto de adjudicação em análise.

Acordão STA, declaração de ilegalidade por omissão

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:
0819/08
Data do Acordão:
15-10-2008
Tribunal:
1 SECÇÃO
Relator:
SANTOS BOTELHO
Descritores:
RECURSO DE REVISTAPRESSUPOSTOSLEGITIMIDADE ACTIVA
Sumário:
É de admitir, por versar questão de relevância jurídica, a revista interposta de acórdão do TCA que manteve decisão do TAF que julgou os recorrentes parte ilegítima no âmbito da acção que intentaram, visando a declaração de ilegalidade por omissão de normas administrativas, quando essa questão da legitimidade tenha de passar pela densificação do conceito de prejuízo “directamente resultante da situação de omissão” a que alude o nº 1 do artigo 77º do CPTA, pressuposto este a ser apreciado por referência a parâmetros essencialmente normativos quer os contidos no CPTA quer os decorrentes das garantias contenciosas acolhidas no texto constitucional, portanto com um alcance que extravasa significativamente do caso concreto e poderá servir de referência interpretativa da norma em causa noutras situações.
Nº Convencional:
JSTA0009604
Nº do Documento:
SA1200810150819
Recorrente:
A... E OUTROS
Recorrido 1:
MFIN E DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E OUTRO
Votação:
UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral
Texto Integral:
Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo: 1- RELATÓRIO1.1. A… e Outros vêm interpor recurso de revista, ao abrigo do n.º 1 do artigo 150.º do CPTA, do Acórdão do TCA Sul, de 15-05-2008, que, negou provimento ao recurso jurisdicional por si interposto da decisão do TAF de Almada, de 25-01-2006, que, julgando procedente a excepção da ilegitimidade dos AA, absolveu os RR. da instância - cfr. fls. 176.Na sua alegação os Recorrentes formulam as seguintes conclusões:“ A – Os ora recorrentes têm prejuízo directo com a ausência de regulamentação da norma do Estatuto do Militar da GNR que prevê a possibilidade de os militares licenciados frequentarem um tirocínio (curso) integrarem a classe dos oficiais.B – A interpretação sobre o que se deve entender por “…prejuízo directamente resultante da situação de omissão…” baseia-se em doutrina e jurisprudência antiga e contemporânea do advento do Código Administrativo (1940) e do Regulamento do Supremo Tribunal Administrativo (1957), não atendendo aos objectivos do nosso legislador ao consagrar as acções administrativas especiais de declaração de ilegalidade por omissão de regulamentação.C – A interpretação do Tribunal recorrido sobre o que se deve entender por “…prejuízo directamente resultante da situação de omissão…” torna praticamente impossível o recurso pelos cidadãos e este tipo de garantia pois a inexistência de uma norma regulamentar não é susceptível de por si só causar prejuízo.D – A decisão recorrida infringe a tutela jurisdicional efectiva dos direitos ou interesses legalmente protegidos consagrada nos n.ºs 4 e 5 do artigo 268.º da Constituição.” – cfr. fls. 284.Para os Recorrentes as questões enunciadas nas conclusões acabadas de transcrever são de importância fundamental em termos jurídicos, sendo que, por outro lado, a admissão do recurso também se justifica em prol de uma melhor aplicação do direito. 1.2 Nas suas contra-alegações o Recorrido Ministério da Administração Interna vem sustentar, designadamente, a não admissão da revista, por se não verificarem os pressupostos do nº 1, do artigo 150º do CPTA (cfr. fls. 293-302).1.3. Por sua vez, o também Recorrido Ministério das Finanças e da Administração Pública, tendo contra-alegado, pronunciou-se sobre a não admissibilidade do recurso de revista, nos seguintes termos:“ 3- Mas, salvo o devido respeito, não se nos afigura assistir razão aos recorrentes. Com efeito, o presente recurso de revista é inadmissível, desde logo porque interposto em 3.º grau de jurisdição, perfeitamente inadmissível e porque não se verificam os requisitos de que a lei, maxime o Artº 150.º, n.º 1, do CPTA faz depender a interposição do mesmo. Na verdade, o que deve entender-se por “prejuízo directo” ou, na versão do n.º 1 do Artº 77º do CPTA “um prejuízo directamente resultante da situação de omissão” não pode ser tido de forma alguma como uma questão de importância fundamental, pela sua relevância jurídica ou social de que se fala no Artº, nº 1, do CPTA.”“ Por outro lado, também não deixa de ser menos certo que a admissão do presente recurso, a verificar-se, não seria seguramente necessária para uma melhor aplicação do direito.(…)“ Termos em que, por não se verificarem os pressupostos processuais previstos no Art.º 150.º, n.º1, do CPTA, para o recurso (excepcional) de revista, deverá rejeitar-se liminarmente, o presente recurso, com as legais consequências. “ – cfr. fls. 308-3101.4. Cumpre decidir.2- FUNDAMENTAÇÃO2.1. O recurso de revista a que alude o n.º 1, do artigo 150.º do CPTA, que se consubstancia na consagração de um duplo grau de recurso jurisdicional, ainda que apenas em casos excepcionais, tem por objectivo possibilitar a intervenção do STA naquelas situações em que a questão a apreciar assim o imponha, devido à sua relevância jurídica ou social quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.Por outro lado, se atendermos à forma como o Legislador delineou o recurso de revista, em especial, se olharmos aos pressupostos que condicionam a sua admissibilidade, temos de concluir que o mesmo é de natureza excepcional, não correspondendo à introdução generalizada de uma nova instância de recurso, na medida em que das decisões proferidas pelos TCA’s em sede de recurso não cabe, em regra, recurso de revista para o STA. Temos assim, que de acordo com o já exposto, a intervenção do STA só se justificará em matérias de maior importância sob pena de se generalizar este recurso de revista o que, se acontecesse, não deixaria de se mostrar desconforme com os fins obtidos em vista pelo Legislador (cfr., a “Exposição de Motivos”, do CPTA). Vejamos, então. 2.2 Como resulta dos autos, os agora Recorrentes, invocando a sua qualidade de militares da GNR, no activo, que completaram cursos superiores e pretendendo ingressar em quadros previstos no Estatuto do Militar da GNR para os que não sendo oficiais tenham cursos superiores, intentaram contra o Ministério das Finanças e da Administração Pública e o Ministério da Administração Interna uma acção administrativa especial visando a declaração de ilegalidade por omissão de normas administrativas, peticionado a condenação do R. a “aprovar a regulamentação prevista no nº 6 do artigo 195º do Estatuto do Militar da GNR no prazo de seis meses” – cfr. fls. 13. Porém o TAF de Sintra, na sua decisão, de 25-01-06, viria a absolver da instância os RR., com base na ilegitimidade dos AA, aqui Recorrentes, nos termos no nº 1, do artigo 77º do CPTA, já que, em síntese, a falta da norma que os AA pretendiam ver suprida não lhes provocaria uma prejuízo directo para a sua esfera jurídica, uma vez que existiriam “mais pressupostos aleatórios de que dependerá o objectivo dos AA.”, como seja, o processo de recrutamento e a existência de lugar em quadro que ainda faltaria aprovar, não existindo, assim, um prejuízo directo por parte dos AA., agora Recorrentes. Tal decisão foi, posteriormente, sufragada pelo TCA Sul, por via do seu Acórdão, de 15-05-08, que, assim, manteve a pronúncia emitida pelo TAF quanto à ilegitimidade dos AA. (cfr. fls. 236-240). Ora, em face do que quadro em que se moveu o Acórdão recorrido temos que a questão a dirimir no âmbito da presente revista se apresenta como de especial relevância jurídica, por passar, designadamente, pela densificação do conceito de prejuízo “directamente resultante da situação de omissão”, a que alude o nº 1, do artigo 77º do CPTA, para efeitos de legitimidade activa dos AA, pressuposto este que, eventualmente, poderá ser apreciado por referência a parâmetros essencialmente normativos quer os contidos no CPTA quer os decorrentes das garantias contenciosas acolhidas no texto constitucional, portanto com um alcance que extravasa significativamente do caso concreto e poderá servir de referência interpretativa da norma em causa noutras situações, sendo que, na situação em análise, a questão a que se reportam os Recorrentes se anuncia algo complexa, envolvendo a realização de operações exegéticas de uma certa dificuldade, o que tudo reclama a intervenção deste STA.É, assim, de concluir que, no caso dos autos, se verificam os pressupostos de admissão da revista. 3 – DECISÃONestes termos, acordam em admitir o recurso de revista do Acórdão do TCA Sul, de 15-05-08, devendo proceder-se à distribuição dos presentes autos.Sem custas.Lisboa, 15 de Outubro de 2008. – Santos Botelho (relator) - Rosendo José – Angelina Domingues.

Acordão TCA Norte, Acção administrativa especial condenação a prática do acto devido

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:
00012/07.3BEMDL
Secção:
1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:
10-07-2008
Tribunal:
TAF do Porto
Relator:
Drº José Augusto Araújo Veloso
Descritores:
ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL. CONDENAÇÃO PRÁTICA ACTO DEVIDO. PRAZO. CADUCIDADE DIREITO ACÇÃO.
Sumário:
I. O artigo 67º do CPTA reconduz as condições de admissibilidade do pedido de condenação à prática de acto administrativo legalmente devido às seguintes situações: falta de decisão expressa de requerimento no prazo legal [nº1 alínea a)], recusa da prática do acto devido [nº1 alínea b)], e recusa da apreciação de requerimento dirigido à prática do acto [nº1 alínea c)]; II. No primeiro caso, está em causa uma omissão, melhor, uma situação de inércia administrativa face à pretensão formulada pelo administrado, constituindo o processo uma forma de reagir contra a violação do dever legal de decidir; os segundo e terceiro casos já não têm a ver com uma omissão, antes pressupondo a prática de um acto expresso de recusa: a recusa da prática do acto devido, ou a recusa da apreciação do próprio requerimento;III. Relativamente a prazos para reagir judicialmente a essas inércia ou recusas, estipula o artigo 69º do CPTA que em situações de inércia da Administração, o direito de acção caduca no prazo de um ano contado desde o termo do prazo legal estabelecido para a emissão do acto ilegalmente omitido [nº1], e que tendo havido indeferimento, o prazo de propositura da acção é de três meses, e corre desde a notificação do acto, sendo aplicável o disposto nos artigos 59º e 60º [nº2 e nº3];IV. A procedência da excepção da caducidade do direito de acção, que obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa, conduz à absolvição do réu da instância, e não do pedido.** Sumário elaborado pelo Relator
Data de Entrada:
16-04-2008
Recorrente:
Sindicato...
Recorrido 1:
Ministro da Justiça, Ministério da Justiça e Instituto de Reinserção Social
Votação:
Unanimidade
Meio Processual:
Acção Administrativa Especial para Condenação à Prática Acto Devido (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:
Nega provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
Negar provimento ao recurso
1
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:RelatórioSindicato ... [S...] – em representação da sua associada D... – interpõe recurso da decisão judicial proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal [TAF] do Porto – em 01.10.2007 – que absolveu do pedido as entidades rés [Ministro da Justiça, Ministério da Justiça e Instituto de Reinserção Social] com fundamento na caducidade do direito de acção – a sentença recorrida culminou acção administrativa especial em que o autor, em representação da sua associada, pedia a condenação dos réus a revogarem o acto de homologação da lista de classificação final dos candidatos ao concurso interno de acesso geral para assistente administrativo principal [Aviso de Abertura nº9767/2004 publicado no nº249 da II série do DR de 22.10.2004].Conclui as suas alegações da forma seguinte:1- O recorrente não concorda com a sentença recorrida, ao declarar que o seu direito de acção caducou por decurso do prazo legal;2- O recorrente interpôs o recurso hierárquico, enviado sob registo postal ao Ministro da Justiça, em 22.02.2006;3- Conforme disposto no artigo 43º nº2 alínea b) e artigo 44º do DL nº204/99 de 11.07;4- Porém, o Ministro da Justiça não apreciou o recurso hierárquico, remetendo a sua apreciação, quanto à tempestividade e outros vícios alegados, para o Instituto de Reinserção Social [IRS];5- Nenhum dos réus apreciou o recurso hierárquico interposto, sendo certo que a associada do autor tem direito à emissão de um acto expresso;6- Acrescendo que tal acto deve ser no sentido de deferimento do recurso interposto, revogando o acto recorrido por ilegal;7- Porém, o tribunal a quo entendeu que houve indeferimento do recurso hierárquico;8- O recorrente interpôs precisamente uma acção administrativa de condenação à prática de acto devido;9- E isto, porque não foi emitido um acto expresso no sentido de deferir ou indeferir o recurso hierárquico, quanto à sua substância e razões invocadas pelo recorrente;10- Os recorridos não se pronunciaram sobre os vícios apontados ao concurso: o Ministro da Justiça limitou-se a remeter as razões invocadas pelo autor para o Instituto de Reinserção Social, para este se pronunciar sobre elas;11- Daqui decorre pois, que não houve indeferimento do recurso, já que ainda não havia pronúncia quanto ao mérito da pretensão formulada pelo autor no recurso hierárquico;12- E não havendo pronúncia quanto ao mérito, vedada estava a impugnação de acto não lesivo de interesses e cujo fundamento lhe era desconhecido;13- Ora, sendo assim [como decorre do artigo 9º do CPA] o recorrente interpôs a acção tendo em vista a prática de acto expresso que se pronunciasse quanto ao mérito do seu recurso, e não que houvesse um reenvio para outro órgão tendo em vista tal decisão, o que afinal não veio a acontecer;14- Posto isto, como o recurso hierárquico foi interposto em 22.02.06 e acção administrativa tendente a obter o acto foi interposta em 05.01.07, esta é tempestiva e legal;15- É que o prazo para interpor tal acção é de um ano, após o termo do prazo do acto ilegalmente omitido [ver artigo 69º nº1 do CPTA];16) A decisão judicial recorrida violou, por erro de interpretação, o disposto no artigo 9º do CPA e 69º nº1 nº2 e nº3 do CPTA, devendo ser revogada no sentido proposto do ora recorrente.O Ministro da Justiça contra-alegou, concluindo assim:1- A sentença recorrida não padece do invocado vício de erro de interpretação de direito sustentado pelo recorrente;2- Não foi violado o dever de pronúncia/dever de decisão ínsito no artigo 9º do CPA, porque as questões constantes da petição de recurso hierárquico foram apreciadas no parecer da Auditoria Jurídica do Ministério da Justiça elaborado em 16.06.2006, que mereceu a concordância do Secretário de Estado Adjunto e da Justiça em 23.06 do mesmo ano;3- Não poderá, assim, fazer-se apelo [como faz o sindicato recorrente] ao artigo 69º do CPTA para efeitos de prazo de caducidade do direito de acção;4- Bem andou a sentença recorrida, pois, ao julgar procedente a suscitada excepção peremptória da caducidade do direito de acção, e ao absolver a entidade demandada do pedido.O Ministério Público pronunciou-se [artigo 146º nº1 do CPTA] pelo não provimento do recurso jurisdicional.De FactoOs factos considerados provados na decisão judicial recorrida são os seguintes:1- A associada do autor foi opositora ao concurso aberto pelo Aviso de Abertura nº9767/2004 [publicado no nº249 da II série de 22.10] para preenchimento de 83 lugares na categoria de assistente administrativo principal do quadro de pessoal do Instituto de Reinserção Social [como resulta da análise dos documentos de folhas 2 a 39 do PA e que aqui se dão por reproduzidos para todos os efeitos];2- Elaborada a lista de classificação final, foi a mesma publicada no nº19 da II série do DR de 26.01.2006, posicionando a associada do autor em 107º lugar da mesma, tendo sido homologada pelo Presidente do Instituto de Reinserção Social [como resulta da análise dos documentos de folhas 40 a 140 do PA e que aqui se dão por reproduzidos para todos os efeitos];3- O autor, em representação da sua associada, interpôs recurso hierárquico do acto homologatório referido em 2), o qual veio a ser indeferido por despacho datado de 23.06.2006 do Secretário de Estado Adjunto da Justiça [conforme resulta da análise dos documentos de folhas 144 a 158 do PA e que aqui se dão por reproduzidos para todos os efeitos];4- Tal despacho foi objecto de notificação pessoal à associada do autor por intermédio de correio registado com aviso de recepção em 25.07.2006, o qual não foi reclamado pela mesma, em tempo útil, junto da Estação dos CTT de Bragança [como resulta dos documentos de folhas 160 a 162 do PA e que aqui se dão por reproduzidos para todos os efeitos];5- A autora foi novamente notificada, desta vez ao seu pedido, do despacho referido em 3) no dia 28.08.2006 [como resulta da análise dos documentos de folhas 164 e 165 do PA que aqui se dão por reproduzidos para todos os efeitos];6- A presente acção deu entrada no Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela no dia 05.01.2007 [conforme carimbo aposto no rosto da petição inicial].De DireitoI. Cumpre apreciar as questões suscitadas pelo recorrente, o que deverá ser efectuado dentro das balizas estabelecidas, para o efeito, pela lei processual aplicável – ver artigos 660º nº2, 664º, 684º nº3 e nº4, e 690º nº1, todos do CPC, aplicáveis ex vi 140º do CPTA, e ainda artigo 149º do CPTA, a propósito do qual são tidas em conta as considerações interpretativas tecidas por Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa (Lições), 8ª edição, páginas 459 e seguintes, e por Mário Aroso de Almeida e Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, página 737, nota 1.II. O sindicato autor da acção administrativa especial pediu ao TAF de Mirandela [que se declarou territorialmente incompetente e enviou o processo para o TAF do Porto] que condenasse o MINISTRO DA JUSTIÇA, o MINISTÉRIO da JUSTIÇA e o então INSTITUTO DE REINSERÇÃO SOCIAL [actual DIRECÇÃO-GERAL DE REINSERÇÃO SOCIAL] a revogar o despacho de homologação da lista de classificação final dos candidatos ao concurso interno de acesso geral para assistente administrativo principal que foi aberto pelo IRS [INSTITUTO DE REINSERÇÃO SOCIAL].Articulou, para o efeito, que o recurso hierárquico que interpôs em representação da sua associada [ao abrigo dos artigos 43º e 44º do DL nº204/98 de 11.07] do despacho homologatório da lista de classificação final dos candidatos [na qual a sua associada ocupava a 107ª posição] não chegou a ser decidido por qualquer dos demandados, sendo que o deverá ser, mediante decisão administrativa expressa que o defira, e que revogue o despacho impugnado com fundamento em erro nos pressupostos de facto e de direito, violação de lei e vício de forma.O TAF do Porto veio a entender, porém, que o referido recurso hierárquico foi indeferido pelo despacho de 23.06.2006 do SECRETÁRIO DE ESTADO ADJUNTO DA JUSTIÇA, notificado à associada do sindicato autor em 28.08.2006, e que quando este recorreu à via judicial, em 05.01.2007, já tinham decorrido os três meses concedidos por lei para o poder fazer [artigo 69º nº2 do CPTA]. Assim, julgando procedente a excepção da caducidade do direito de acção suscitada pelos réus, absolveu-os do pedido.Discordando desta decisão judicial, o recorrente imputa-lhe erro de julgamento, por entender que no caso o prazo de caducidade era de um ano [artigo 69º nº1 do CPTA] e não de três meses [artigo 69º nº2 do CPTA], dado que, como defende, estamos perante um caso de inércia e não de indeferimento do recurso hierárquico interposto.Uma vez que o recorrente não põe em causa a matéria de facto dada como provada na decisão judicial recorrida, quer quanto à sua fidelidade quer quanto à sua suficiência, constitui único objecto deste recurso jurisdicional a apreciação e decisão do erro de julgamento de direito, que se reconduz à questão da caducidade do direito de acção referido à acção administrativa especial dirigida a uma condenação à prática de acto devido.III. O actual contencioso administrativo permite que a acção administrativa especial possa ser utilizada para obter a condenação da entidade competente à prática, dentro de determinado prazo, de um acto administrativo ilegalmente omitido ou recusado [artigo 66º nº1 do CPTA], e esclarece que ainda que a prática do acto devido tenha sido expressamente recusada, o objecto do processo é a pretensão do interessado e não o acto de indeferimento, cuja eliminação da ordem jurídica resulta directamente da pronúncia condenatória [artigo 66º nº2 do CPTA]. O artigo 67º do CPTA fixa as condições de admissibilidade do pedido de condenação à prática de acto administrativo legalmente devido, reconduzindo-as às situações de falta de decisão expressa de requerimento no prazo legal [nº1 alínea a)], recusa da prática do acto devido [nº1 alínea b)], e recusa da apreciação de requerimento dirigido à prática do acto [nº1 alínea c)]. No primeiro caso, está em causa uma omissão, melhor, uma situação de inércia administrativa face à pretensão formulada pelo administrado, constituindo o processo judicial uma forma de reagir contra a violação do dever legal de decidir [artigo 9º do CPA]; os segundo e terceiro casos já não têm a ver com uma omissão, antes pressupõem a prática de um acto administrativo expresso de recusa: a recusa da prática do acto devido, ou a recusa da apreciação do próprio requerimento – ver, a respeito, Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 2005, páginas 340 e seguintes. Relativamente a prazos para reagir judicialmente a essas inércia ou recusas, estipula o artigo 69º do CPTA que em situações de inércia da Administração, o direito de acção caduca no prazo de um ano contado desde o termo do prazo legal estabelecido para a emissão do acto ilegalmente omitido [nº1], e que tendo havido indeferimento, o prazo de propositura da acção é de três meses, e corre desde a notificação do acto, sendo aplicável o disposto nos artigos 59º e 60º [nº2 e nº3]. No presente caso, apesar de não se queixar da matéria de facto dada como provada na decisão judicial recorrida, apontando erro de julgamento ao facto vertido na 2ª parte do seu ponto 3 [segundo o qual o recurso hierárquico foi indeferido por despacho datado de 23.06.2006 do Secretário de Estado Adjunto da Justiça], o recorrente vem defender que estamos perante uma situação de inércia administrativa face à sua pretensão impugnativa, e não perante o indeferimento dessa mesma pretensão.E é esta, efectivamente, a questão nuclear do recurso, de forte componente factual: saber se estamos perante situação de inércia da Administração, ou perante indeferimento do recurso hierárquico. Da resolução desta questão deriva, na verdade, a inequívoca aplicação do nº1 [inércia] ou do nº2 [indeferimento] do artigo 69º do CPTA. É claro que, face à referida conformação do recorrente com a factualidade provada, uma vez que não lhe imputou qualquer erro de julgamento, estaríamos legitimados a passar ao largo da apreciação da componente factual da identificada questão nuclear, aceitando como adquirido, nos autos, que o recurso hierárquico foi indeferido [2º parte do ponto 3 da matéria de facto provada].Mesmo assim, faremos do tema um breve cotejo, sobretudo para sublinhar que é incompreensível a insistência do recorrente na defesa de uma atitude de inércia da Administração, uma vez que se torna deveras claro, pela consulta do processo administrativo [apenso aos autos], ter sido o recurso hierárquico indeferido pelo despacho de 23.06.06 do Secretário de Estado Adjunto e da Justiça, indeferimento este que se alicerça numa apreciação do mérito do recurso gracioso e que foi devidamente notificado à associada do recorrente [ponto 5 da matéria de facto provada].Na verdade, na sequência dos pareceres nº123/DHR/2006 de 14.03 e nº198/DHR/2006 de 08.05 [ambos emitidos pelos serviços do IRS, sendo que no primeiro se propunha a rejeição do recurso hierárquico com base na sua intempestividade, e no segundo, apesar de se analisar o respectivo mérito, continuava a manter-se aquela posição, e subsidiariamente a de indeferimento de mérito], veio a ser emitido em 16.06.06 parecer pela Auditoria Jurídica do Ministério da Justiça no qual, após ter sido analisado cada um dos vícios apontados no recurso hierárquico ao despacho homologatório impugnado, se concluiu da seguinte forma: A- O recurso foi interposto dentro do prazo de 10 dias úteis posteriores à notificação à ora recorrente, pelo que, sendo tempestivo, deverá ser admitido. B- Improcedem todos os vícios invocados na petição de recurso, nos termos sobreditos, pelo que deverá ser proferida decisão de indeferimento do recurso [folhas 153 a 158 do PA, dadas como reproduzidas no ponto 3 da matéria de facto provada].E foi na sequência deste parecer, e manuscrito em 23.06.06 na sua primeira página, que o Secretário de Estado Adjunto e da Justiça [Conde Rodrigues] despachou: Com os fundamentos constantes do parecer da Auditoria Jurídica deste Ministério, datado de 16 de Junho de 2006, que acolho e aqui dou por integralmente reproduzido, julgo improcedente o presente recurso hierárquico [folha 153 do PA, dada por reproduzida no ponto 3 da matéria de facto provada].Estamos, pois, e sem margem para quaisquer dúvidas, perante o indeferimento do recurso hierárquico interposto pelo recorrente em representação da sua associada, razão pela qual o prazo para reagir judicialmente, através de acção especial, era o do nº2 do artigo 69º do CPTA [ver, também, artigo 58º nº2 alínea b)], ou seja, o prazo de 3 meses contados a partir da notificação do acto.Tendo, a associada do sindicato recorrente, sido notificada do indeferimento em 28.08.06 [ponto 5 da matéria de facto provada], deveria ter interposto a acção administrativa especial até 30.11.2006 [ver, a respeito da contagem deste prazo, na jurisprudência o AC STA de 08.11.2007, Rº703/07, cujos critérios adoptamos, e na doutrina Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Cadilha, in Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 2007, 2ª edição revista, página 348, e Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, in Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 2004, volume I, páginas 381 e 382. Ver, ainda, sobre a dedução na contagem do período de férias judiciais, o artigo 12º da Lei nº3/99 de 13.01 na redacção dada pela Lei nº42/05 de 29.08].Uma vez interposta a presente acção administrativa especial apenas em 05.01.2007 [ponto 6 da matéria de facto provada], obviamente que o foi extemporaneamente, ou seja, numa altura em que o direito de acção da associada do autor já tinha caducado. O que conduz à absolvição da instância dos réus, e não à sua absolvição do pedido, como, erradamente, decidiu o tribunal recorrido [a caducidade do direito do autor obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa – ver artigo 493º do CPC aplicável supletivamente ao abrigo do artigo 1º do CPTA].Deve, portanto, ser negado provimento ao recurso jurisdicional, e mantida a sentença recorrida, com a actual fundamentação, e com esta última correcção.DECISÃONestes termos, acordam, em conferência, os Juízes deste Tribunal, no seguinte:- Negar provimento ao recurso jurisdicional e manter a decisão judicial recorrida com os presentes fundamentos, embora alterando a absolvição dos réus para absolvição da instância.Sem custas, dada a isenção legal subjectiva de que goza o sindicato recorrente [ver artigos 2º do CCJ, 189º do CPTA e 4º, nº3 do DL nº84/99, de 19/03].D.N.Porto, 10 de Julho de 2008Ass. José Augusto Araújo VelosoAss. Maria Isabel São Pedro SoeiroAss. Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia

AC. do TAC do Sul - Condenção à prática do acto devido-caducidade da acção

Acórdãos TCAS
Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:
02774/07
Secção:
Contencioso Administrativo - 2º Juízo
Data do Acordão:
11-12-2008
Relator:
José Gomes Correia
Descritores:
ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE CONDENAÇÃO À PRÁTICA DE ACTO DEVIDO- VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA IGUALDADE -CADUCIDADE DO DIREITO DE ACÇÃO
Sumário:
I- A violação do princípio da igualdade só tem autonomia no âmbito dos actos administrativos praticados no exercício de poderes discricionários, funcionando como limite interno da discricionariedade;II- Na actividade vinculada, esse princípio é consumido pelo princípio da legalidade; III- A violação do princípio da igualdade não se resolve através da nulidade, mas, na medida em que consubstancia uma violação dos limites internos da actuação administrativa, é caracterizável como violação de lei, sancionável apenas com a anulabilidade, só não sendo assim se ferir o núcleo do conteúdo essencial do direito fundamental consagrado no art. 13º da CRP, o que ocorre se atinge o cerne do direito vertido nas categorias do nº 2 desta disposição constitucional em que «se colocam discriminações ilegítimas baseadas no sexo, língua, religião, convicções políticas, religiosas, etc., ou em outras categorias subjectivas traduzidas por “direitos especiais de igualdade” como os que estão contemplados no art. 36º, nº 4 da CRP» (cfr., exemplificativamente e por mais recente, ac. do STA de 19-04-2007, proc. nº 809/06);IV- Fora destes casos de ofensa do núcleo do conteúdo essencial desse direito fundamental, sancionáveis com nulidade nos termos da al. d) do nº 2 do art.133º do CPA, a acção administrativa especial de condenação à prática do acto devido, fundada na ilegalidade de um indeferimento por violação do princípio da igualdade, sempre terá de ser proposta no prazo estabelecido no nº 2 do art. 69º do CPTA.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA 1ª SECÇÃO DO 2º JUÍZO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SULI- RELATÓRIOO presente recurso vem interposto da sentença que julgou “verificada a excepção de caducidade do direito de acção e, em consequência, absolveu “o R. da instância, nos termos do art. 89º/1, h) do CPTA”, proferida, a fls 68/70, da acção administrativa especial intentada no TAF de Lisboa por BRANCA ...¸ Inspectora da Polícia Judiciária (PJ), contra o MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, em que aquela pede, com fundamento na invalidade do despacho do Director Nacional Adjunto de 11-02-2004, a condenação do Réu a pagar-lhe o subsídio de instalação devido por se encontrar em comissão de serviço na Directoria de Faro da P.J..Para tanto, a Recorrente invoca que a sentença recorrida se encontra “ferida de nulidade, por não fazer correcta interpretação e aplicação da lei, nomeadamente dos preceitos ínsitos no artigo 5º e 133º do CPA, e artigo 13º da CRP”, devendo ser revogada e substituída por outra que julgue a tempestividade da acção, condenando o Réu nos termos peticionados, já que:- Na petição inicial, alegou concretamente que o acto impugnado viola o princípio da igualdade enunciado no art. 13º da CRP, o que implica a sua nulidade por ofensa do conteúdo essencial de um direito fundamental, tal como determinado pela al. d) do nº 2 do art. 133º do CPA, sendo incorrecta a interpretação vertida na sentença “de que o que poderá estar em causa nestes autos é uma ofensa ao princípio da igualdade enquanto princípio administrativo e não enquanto direito fundamental”.O ora Recorrido contra-alegou, sustentando que o recurso não merece provimento por ser pacífico o entendimento que a sentença sob recurso perfilhou, extraído do disposto na al. d) do nº 2 do art. 133º do CPA, de que apenas se verifica a nulidade com fundamento nesta disposição se o acto for ofensivo do conteúdo essencial de um direito fundamental, o que não se preenche com «o pedido formulado pela ora Recorrente de invalidade do acto “...por incorrecta interpretação e aplicação dos normativos aplicáveis”, pese embora a referência feita a que “...num outro caso, idêntico ao seu, a Polícia Judiciária procedeu ao abono do subsídio de instalação e que essa situação é violadora do princípio da igualdade”».Notificado o Ministério Público nos termos e para os efeitos do nº 1 do art. 146º do CPTA, nada disse.Colhidos os vistos legais, vem o processo à conferência para julgamento.
*II- OS FACTOSAo abrigo do nº 6 do art. 713º do CPC, ex vi do art. 140º do CPTA, remete-se para a factualidade dada por assente a fls 68 e 69, sob as alíneas A) a E) do nº 2 da sentença recorrida, que se tem aqui por transcrita.
*III- O DIREITOComo se anunciou no Ponto I, a Recorrente impugna a decisão judicial que julgou verificada a excepção de caducidade do direito de acção e, em consequência, absolveu o Réu da instância, fundamentando a sua discordância no argumento de que, na petição inicial, alegou que o despacho do Director Nacional-Adjunto da PJ que lhe indeferiu o pedido de atribuição do subsídio de instalação viola o art. 13º da CRP, sendo nulo por ofensa do conteúdo essencial de um direito fundamental, o que implica que a acção seja tempestiva por a nulidade ser invocável a todo o tempo.Antes de passarmos à apreciação do mérito do presente recurso, impõe-se, por razões de rigor jurídico, fazer uma correcção.A Recorrente, na alegação de recurso, deixou consignado que a sentença recorrida se encontra “ferida de nulidade, por não fazer correcta interpretação e aplicação da lei, nomeadamente dos preceitos ínsitos no artigo 5º e 133º do CPA, e artigo 13º da CRP”. Considerando que as hipóteses de nulidade da sentença são, por aplicação supletiva do art. 1º do CPTA, as previstas taxativamente nas alíneas a) a e) do nº 1 do art. 668º do CPC, nenhuma delas invocada no presente recurso, impõe-se-nos dizer que a alegação de que a sentença fez errada interpretação e aplicação daqueles preceitos legais constitui a invocação de um erro de julgamento e não de uma nulidade da decisão recorrida.Prestado este esclarecimento, cumpre apreciar o mérito do recurso.Depreende-se das alegações de recurso que a Recorrente defende que a acção administrativa especial por si intentada não está sujeita ao prazo estabelecido no nº 2 do art. 69º do CPTA, contrariamente ao que foi decidido na sentença recorrida, por ter sido invocado que o acto administrativo em que o pedido de condenação do Réu se funda ser nulo nos termos da al. d) do nº 2 do art. 133º do CPA, por, ao violar o princípio da igualdade, ofender o conteúdo essencial de um direito fundamental, sendo a nulidade invocável a todo o tempo por força do disposto no art. 134º do mesmo diploma legal. Ora, a sentença recorrida, após esclarecer que “A presente acção administrativa especial não é uma acção de impugnação de um acto, como parece resultar da alegação das partes, mas sim uma acção de condenação à prática do acto devido, atendendo ao pedido formulado pela A. e ao facto de o acto em causa consubstanciar um acto de indeferimento (arts 66º e 67º do CPTA)”, vem dizer que, “Neste caso, em que houve indeferimento expresso, o prazo para intentar a acção é de três meses, nos termos do nº 2 do art. 69º do CPTA, devendo, no entanto entender-se que este prazo não se aplica às situações em que o acto de indeferimento seja nulo, por força do disposto no art. 134º do CPA...”.Contudo, entendeu que “o que a Autora invoca é a violação do princípio da igualdade enquanto princípio geral do procedimento administrativo, não aduzindo quaisquer factos que pudessem levar à conclusão de que haveria ofensa do conteúdo essencial do direito fundamental consagrado no art. 13º da Constituição”, sendo que “...a questão a decidir não se prende com a igualdade (...) mas sim com saber qual é a correcta interpretação das normas legais aplicáveis no caso”, razão por que a Autora dispunha do prazo de 3 meses para pedir a condenação do R. à prática do acto devido com fundamento no acto de indeferimento. Assim, tendo a acção sido proposta muito depois de decorrido esse prazo, concluiu que se verificava a excepção de caducidade do direito de acção.Resulta das transcrições anteriores que a sentença recorrida considerou que, face ao alegado pela Autora, o vício de que o acto que indeferiu o pedido de atribuição do subsídio de instalação poderia enfermar seria o de violação de lei por errada interpretação e aplicação das disposições legais que regulam a atribuição de tal subsídio, o que, consubstanciando um vício meramente gerador de anulabilidade, implicaria, em conformidade com o nº 2 do art. 69º do CPA, que a Autora tivesse de ter proposto a acção no prazo de três meses a contar da notificação desse acto.Vejamos.O vício de violação do princípio da igualdade só tem autonomia no âmbito dos actos administrativos praticados no exercício de poderes discricionários, funcionando como limite interno da discricionariedade, pois relativamente aos actos praticados pela Administração no exercício de poderes vinculados, o tratamento desigual dado a dois casos iguais reconduz-se necessariamente a um vício de errada interpretação e aplicação da lei, pelo menos, em um deles. Ou seja, na actividade vinculada, aquele princípio é consumido pelo princípio da legalidade. O acto de indeferimento do pedido de atribuição do subsídio de instalação insere-se no âmbito da actividade vinculada da Administração, pelo que, no caso, está desde logo afastada a relevância jurídica da invocação do vício de violação do princípio da igualdade.O que poderia ocorrer, a verificar-se uma igualdade entre a situação da Recorrente e do seu colega a que foi atribuído esse subsídio, seria uma de duas hipóteses: ter sido feita errada interpretação e aplicação da norma que prevê a atribuição do subsídio de instalação no acto que indeferiu a pretensão da Recorrente ou, então, no acto que atribuiu esse subsídio ao colega. Na primeira hipótese, o acto de indeferimento aqui em causa, ao não ter concedido o subsídio concedido ao colega da Recorrente, enfermaria de vício de violação de lei por violar as disposições legais que regulam a atribuição do subsídio e não por violar o princípio da igualdade; na segunda hipótese, a eventual ilegalidade na atribuição do subsídio ao referido colega não consubstanciaria uma violação do princípio da igualdade por não haver igualdade na ilegalidade.Portanto, a sentença recorrida não merece censura ao concluir que “...a questão a decidir não se prende com a igualdade (...) mas sim com saber qual é a correcta é interpretação das normas legais aplicáveis no caso”, sendo também acertada a observação de que não foi alegada pela Autora qualquer factualidade com potencialidades para ofender o conteúdo essencial do direito fundamental consagrado no art. 13º da CRP, configurando-se a violação do princípio da igualdade, tal como vem invocada na petição inicial, como uma “violação do princípio da igualdade enquanto princípio geral do procedimento administrativo”.Ainda que a sentença não o diga expressamente, isto só pode ter sido escrito com o intuito de demonstrar que uma eventual ilegalidade do acto em causa que fosse integrada por uma violação do princípio da igualdade, nunca poderia ter a virtualidade de ofender o núcleo do conteúdo essencial do direito de igualdade consagrado no art. 13º da CRP e, consequentemente, de determinar a nulidade de tal acto que permitisse a instauração da presente acção a todo o tempo, com base no disposto no art. 134º do CPA.Com efeito, a jurisprudência sempre afirmou, antes e depois do CPA, que a violação do princípio da igualdade não se resolve através da nulidade, mas, na medida em consubstancia uma violação dos limites internos da actuação administrativa, é caracterizável como violação de lei, sancionável apenas com a anulabilidade. E só não será assim quando fira o núcleo do conteúdo essencial do direito fundamental consagrado no citado art. 13º, o que ocorre se atinge o cerne do direito vertido nas categorias do nº 2 desta disposição constitucional em que, como é referido designadamente no ac. do STA de 19-04-2007 (na senda da jurisprudência aí citada), proc. nº 809/06, «se colocam discriminações ilegítimas baseadas no sexo, língua, religião, convicções políticas, religiosas, etc., ou em outras categorias subjectivas traduzidas por “direitos especiais de igualdade” como os que estão contemplados no art. 36º, nº 4 da CRP».Serve tudo isto para dizer que o alegado na petição inicial não é susceptível de configurar uma qualquer ofensa do núcleo do conteúdo essencial do direito fundamental à igualdade consagrado no art. 13º da CRP, que, nos termos da al. d) do nº 2 do art. 133º do CPA, é sancionável com nulidade. Assim, demonstrando-se que as ilegalidades apontadas ao acto administrativo em que a Recorrente fundamentou o pedido de condenação do ora Recorrido (ou que, mesmo sem ter sido invocada, devesse ser conhecida oficiosamente pelo Tribunal) não tinham virtualidades para determinar a sua nulidade mas tão só a sua anulabilidade, está fora de questão que o prazo para a interposição da acção só podia ser o estabelecido no nº 2 do art. 69º do CPTA.Tendo a acção sido instaurada pela Autora, ora Recorrente, muito depois do termo desse prazo, é inevitável concluir que, ao julgar verificada a excepção de caducidade do direito de acção, a sentença recorrida não incorreu em qualquer erro de julgamento.
*IV DECISÃOPor todo o exposto, acordam negar provimento ao presente recurso, confirmando a sentença recorrida.Custas pela Recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC.
*Lisboa, 11/12/2008(Gomes Correia)(Carlos Araújo)(Fonseca da Paz)

Acórdão do TCA do Norte - Acção Administrativa Especial e Condenação á Prática do Acto Devido

Processo: 00236/04.5BECBR
Secção: 1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do acórdão: 25-10-2007
Tribunal: TAF de Coimbra
Relator: Dr. José Augusto Araújo Veloso
Descritores: Acção administrativa especial
Condenação à prática do acto devido
Objecto
Dver de decidir
Recurso hierarquico

Súmario:
I.De acordo com o CPTA, a acção administrativa especial tem por objecto, além do mais, pretensões emergentes da prática ou omissão ilegal de actos administrativos, nela podendo ser formulados, como pedidos principais, o de anulação de acto administrativo [ou de declaração da sua nulidade ou inexistência jurídica] e o de condenação à prática de um acto administrativo legalmente devido, sendo que o primeiro deles pode ser cumulado com o pedido de condenação à prática do acto devido em substituição, total ou parcial, do acto praticado;
II. Assim, a acção administrativa especial para condenação à prática de acto legalmente devido constitui uma subespécie da própria acção administrativa especial, sempre que através desta se visa obter a condenação do demandado à prática, dentro de determinado prazo, de um acto administrativo ilegalmente omitido ou recusado;
III. O artigo 67º do CPTA fixa as condições de admissibilidade do pedido de condenação à prática de acto administrativo legalmente devido, reconduzindo-as às situações de falta de decisão expressa de requerimento no prazo legal, recusa da prática do acto devido, e recusa da apreciação de requerimento dirigido à prática do acto. No primeiro caso, está em causa uma omissão, melhor, uma situação de inércia administrativa face à pretensão formulada pelo administrado; os segundo e terceiro casos já não têm a ver com uma omissão, antes pressupondo a prática de um acto expresso de recusa: a recusa da prática do acto devido ou a recusa da apreciação do próprio requerimento;
IV. O dever legal de decidir pode conhecer graus sucessivos ou crescentes de substanciação, e nem sempre significa, sequer, a necessidade de exame do mérito da pretensão formulada pelo particular, sendo que essa crescente substanciação está patente nas várias condições impostas por lei para a utilização da acção administrativa especial de condenação à prática de acto legalmente devido. Na verdade, se no caso de inércia administrativa a violação do dever legal de decidir se ostenta de forma definitiva e manifesta, já no caso de recusa de apreciação de requerimento deparamos sempre, pelo menos, com o próprio acto de recusa, que já consubstancia uma decisão, e cuja ilegalidade terá de aferida para que o tribunal se possa decidir pela manutenção do dever de decidir sobre o mérito da pretensão;
V. Desta forma, a recusa de apreciação de requerimento dirigido à prática de acto administrativo, constituirá incumprimento do dever legal de decidir se o acto de recusa for ilegal, persistindo deste modo o dever de decidir sobre o objecto da pretensão. Caso não o seja, o dever de decidir satisfaz-se com o próprio acto de recusa;VI. No caso de recurso hierárquico necessário, o decurso do prazo concedido para decisão sem que esta tenha sido proferida pelo órgão ad quem, transforma a decisão administrativa primária em decisão final, ou seja, faz com que a decisão administrativa primária se torne eficaz e útil;VII. Esta concepção substantiva do indeferimento tácito previsto no artigo 175º nº3 do CPA acarreta, sempre que o recurso administrativo seja necessário, uma inegável consequência em termos da contagem do prazo para interposição da acção administrativa especial de condenação à prática de acto legalmente devido: quando o objecto da impugnação administrativa necessária for uma decisão de recusa de apreciação, e o órgão ad quem incorrer em inércia administrativa, só com a consolidação da conduta omissiva deste segundo órgão se poderá desencadear o prazo de propositura da acção de condenação.* *Sumário elaborado pelo Relator


Acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:RelatórioO Ministério da Economia e o G..., Lda. recorrem, a título principal e a título subordinado, respectivamente, do acórdão proferido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal [TAF] de Coimbra – em 19.04.05 – que condenou o primeiro [ME] a emitir, em 30 dias, decisão sobre o pedido formulado pela segunda [G...] em 04.09.02, relativo à atribuição de ponto de recepção do parque eólico da Tocha [artigos 12º nº1 do DL nº312/2001 de 10.12 e 71º do CPTA].O ME conclui as suas alegações da forma seguinte:
1- O tribunal a quo veio considerar que a pretensão da G... deveria ter sido, a título principal, a reacção ao acto expresso de indeferimento do conhecimento do pedido de ponto de recepção, de 27.01.2003, nos termos do disposto na alínea c) do artigo 67° do CPTA, e não - como efectivamente foi - a reacção à omissão de pronúncia sobre o recurso hierárquico interposto pela G..., nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do artigo 67º do mesmo diploma;
2- Todavia, o tribunal, no momento da prolação da decisão, não podia corrigir oficiosamente a pretensão apresentada pela G... na sua petição inicial;
3- Assim, a decisão recorrida, na medida em que pressupõe tal correcção, viola de forma flagrante, desde logo, o princípio do pedido e o princípio da estabilidade objectiva da instância;
4- Ainda nesse mesmo contexto, a decisão recorrida enferma, igualmente, de excesso de pronúncia, nos termos e para os efeitos do disposto no nº2 do artigo 660º e da alínea d) do nº1 do artigo 668º ambos do CPC, sendo, nessa medida, nula, porquanto conhece de uma pretensão que legalmente não podia conhecer [ao abrigo do disposto na alínea c) do nº1 do artigo 67º do CPTA], na medida em que a mesma não foi formulada pela autora na sua petição inicial;
5- Por outro lado, a errada identificação, na petição inicial, da pretensão da autora, não correspondendo a uma mera deficiência ou irregularidade formal desse articulado, não podia ser assim objecto de correcção oficiosa, como indevidamente foi;
6- Sendo que, em todo o caso, e ainda que a mesma pudesse ser alvo de correcção oficiosa — o que apenas se admite para efeitos de mero raciocínio, sem conceder — o certo é que a mesma nunca poderia ter lugar na decisão final, como no caso em apreço veio a acontecer;
7- A decisão recorrida viola, pois, o disposto no artigo 88º do CPTA;
8- Acresce que, se a pretensão sub judice fosse a decisão de arquivamento do pedido de atribuição do ponto de recepção, então a respectiva acção de condenação teria sido apresentada fora de tempo, aplicando-se in casu o disposto nos artigos 297º do Código Civil e 69º nº2 do CPTA;
9- A decisão recorrida viola ainda o disposto no artigo 11º nºs 1-3-5 do DL nº312/01, porquanto pressupõe que o acto de arquivamento emitido em 27.01.2003, pelo Subdirector-Geral de Energia, foi exercido no âmbito dos poderes discricionários previstos no nº5 do artigo 11º;
10- Ora, tal interpretação é incorrecta, porquanto, no caso em apreço, o pedido de atribuição de ponto de recepção apresentado pela autora não se encontrava instruído com os elementos obrigatórios constantes do Anexo II do DL nº312/01, pelo que tinha necessariamente de ser indeferido, em cumprimento do artigo 11º nºs 1-3 do mesmo diploma;
11- O disposto no nº5 do artigo 11º do diploma em questão não podia pois ser aplicado ao caso em apreço, porquanto os elementos em falta não eram simples informações complementares, antes documentos obrigatórios nos termos e para os efeitos do disposto no Anexo II acima mencionado;
12- Assim, no caso em análise, não se trata de saber se a Administração tratou os promotores segundo o princípio da igualdade ou não — na medida em que não estamos perante poderes discricionários da Administração, atento o facto de os mesmos não se encontrarem previstos nos nºs 1-3 do artigo 11º do DL nº312/01 - como comummente se refere neste tipo de casos, não existe no nosso ordenamento, um suposto direito à igualdade na ilegalidade;
13- Refira-se, ainda, que face aos documentos constantes dos autos, o tribunal deveria, além do mais, ter considerado provado, com relevância para a decisão da causa, que os documentos que a autora pretendeu juntar em momento posterior ao da entrada do pedido de atribuição foram produzidos depois de esgotado o prazo de 70 dias legalmente concedido para apresentar o pedido de atribuição de pontos de recepção de energia;
14- Por último, importa clarificar que as actuações da DGE [Direcção Geral de Energia], relativamente a outros promotores, em nada violaram a lei, uma vez que os casos em que aquela admitiu documentos após a apresentação do respectivo pedido de atribuição de ponto de recepção foram sempre casos de documentos elaborados antes do decurso do prazo de 70 dias legalmente fixado para a apresentação dos mesmos;
15- Em suma, ao considerar que a decisão de arquivamento do Subdirector-Geral da Energia, em causa nos presentes autos, violou o princípio da igualdade, a decisão recorrida violou o disposto no artigo 11º do DL nº312/01.
Termina pedindo a revogação da decisão judicial recorrida.O G... [recurso subordinado] conclui assim as suas alegações:
1- O acórdão recorrido não merece censura quando considerou ilegal, por violação do princípio da igualdade, o acto que ordenara o arquivamento do pedido de atribuição do ponto de recepção de energia eólica, proferido pelo Subdirector-Geral de Energia em 07.01.2003 e mantido pela entidade demandada através do indeferimento tácito do recurso hierárquico interposto, nem quando condenou o ME a proferir, através do órgão competente, um acto a decidir o pedido de atribuição de tal ponto de recepção de energia;
2- Porém, já andou mal o acórdão recorrido quando julgou improcedentes os demais vícios imputados ao acto de arquivamento do ponto de recepção de energia, podendo-se afirmar que o acórdão em apreço enferma de nulidade e de erro de julgamento, razão pela qual se interpõe o presente recurso subordinado;
3- Com efeito, decidiu a acção sem ter respondido e conhecido uma questão jurídica suscitada pelo autora - questão da ilegalidade do acto de arquivamento do ponto de recepção de energia por a caução ter sido prestada no prazo legal, suscitada nos artigos 20º a 24º da petição inicial - pelo que enferma da nulidade prevista na alínea d) do nº1 do artigo 668º do CPC;
4- Acresce que o acórdão recorrido errou ainda ao considerar improcedente o vício de violação do artigo 12º do Código Civil e dos artigos 140º e 141º do CPA, porquanto,- A lei só vale para o futuro, pelo que todos os pedidos de ligação à rede pública efectuados antes da entrada em vigor do DL nº312/01 e que não se encontrassem em qualquer das situações do seu artigo 22º continuavam a ser apreciados e decididos nos termos da regulamentação constante do DL nº198/88, conforme resulta do facto de o DL nº312/01 não determinar a caducidade de tais pedidos nem prescrever a obrigatoriedade de se formularem novos pedidos; - O pedido formulado pela autora em 1998 não havia sido objecto de qualquer indeferimento expresso, antes se encontrando a aguardar disponibilidade da rede pública de energia, pelo que a tal pedido não era aplicável o disposto no artigo 22º do DL nº312/01; - O DL nº198/88 assegurava aos requerentes a atribuição de um ponto de ligação à rede pública logo que esta tivesse disponibilidade e não previa a possibilidade de arquivamento do pedido com base na não prestação de uma caução, pelo que o arquivamento do pedido formulado em 1998 com base num diploma de 2001 e, sobretudo, numa altura em que já existia disponibilidade da rede pública de energia, implica, a revogação de um interesse legalmente protegido e a aplicação de um diploma a situações anteriores ao início da sua vigência;
5- O acórdão recorrido enferma igualmente de erro de julgamento ao não ter considerado que o acto que ordenara o arquivamento do ponto de ligação à rede pública era ilegal por violação do disposto no nº5 do artigo 11º do DL nº312/01, uma vez que, ao contrário do defendido pelo tribunal a quo, esta norma não envolve uma mera faculdade mas antes uma obrigatoriedade da DGE, em caso de insuficiência de instrução do pedido de atribuição do ponto de recepção, solicitar ao promotor as informações complementares, de forma a que tal pedido fique instruído e possa ser analisado, pelo que é notório que o pedido de atribuição do ponto de recepção de energia só poderia ser indeferido se, perante a insuficiência da instrução de tal pedido, a autora tivesse sido notificada para juntar os documentos em falta e não o fizesse no prazo que lhe for concedido [ver, neste sentido, igualmente os artigos 76º nº1 e 91º do CPA].Termina pedindo o provimento do recurso subordinado.O Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso principal, ficando prejudicado o conhecimento do recurso subordinado.De FactoSão os seguintes os factos considerados provados no acórdão recorrido:1- Datado de 10.11.1998, foi remetido pela G..., Lda. - à C...,SA, com o assunto “Parque Eólico da Tocha; Pedido de Ligação à rede de parque eólico”, requerimento com o seguinte teor: “Depois de efectuado um estudo preliminar das condições de desenvolvimento de um parque eólico para o local indicado nas plantas em anexo, vimos solicitar o seguinte:
1) condições para ligação à rede C...
2) local mais conveniente para a ligação
3) possibilidade de ligação de uma potência de 10 MW
4) outras condições que no vosso entender seja conveniente apresentar nesta fase do processo.Incluímos as informações respeitantes ao requerente e uma descrição sumária do estudo de viabilidade
a) Requerente do processo é a empresa G..., na qualidade de proprietário, através do seu sócio-gerente, Engº R..., com sede na Rua ..., Coimbra.
b) Pessoa para contactos: L... (telefone ... e fax ...)” - documento de folha não numeradas do PA;
2- Datada de 29.05.1999, foi remetida pela C..., SA à G..., Lda. - em referência ao seu requerimento de 10.11.1998, e com o assunto “Parque Eólico da Tocha”, comunicação com o seguinte teor: “Em resposta à carta em referência, que nos mereceu a melhor atenção, vimos informar V. Exas. que não é possível considerar a ligação desse parque à rede da C..., devido a compromissos já assumidos com a ligação de outros sistemas de produção à nossa rede de distribuição em MT e AT.
No entanto se algum dos Promotores envolvidos desistir do pedido voltaremos de novo à presença de V. Exas” – documento de folha não numeradas do PA;
3- Datado de 26.12.1999, foi remetido pela G..., Lda - ao Ministro da Industria e Energia, o requerimento com o seguinte teor: “G..., Lda., com sede na rua ..., Coimbra, número de contribuinte PT ..., desejando estabelecer na Praia da Tocha, concelho de Cantanhede, um Parque Eólico com a potência instalada de 10 MW, de harmonia com o projecto em anexo, vem solicitar a V. Exa. a necessária autorização para o estabelecimento da instalação de produção independente de energia eléctrica, ao abrigo do disposto no DL 168/99.
Pede deferimento” - documento de folha não numeradas do PA;
4- Datada de 21.12.2001, foi remetida pela E..., SA à G..., Lda. - com o assunto “Pedido de ligação do Parque Eólico da Tocha; Processo nº981153”, comunicação com o seguinte teor: “A publicação do DL nº312/2001 de 10.12, veio estabelecer novos procedimentos para a ligação dos electroprodutores do Sistema Eléctrico Independente.
Nesta circunstância o pedido de ligação em epígrafe, que se encontra na situação de “recusado”, deve ser formulado nos termos da nova legislação, nomeadamente no que diz respeito aos procedimentos previstos no artigo 10º do diploma atrás citado, caso ainda mantenha interesse na referida ligação” - documento de folha não numeradas do PA;
5- Datado de 14.01.2002, foi remetido pela G..., Lda. - à Direcção Geral de Energia, com o assunto “Pedido de informação prévia; Parque Eólico da Tocha”, requerimento com o seguinte teor: “Nos termos do DL nº312/01, vimos por este meio solicitar a V/ Exas. pedido de informação prévia sobre a possibilidade de ligação do Parque Eólico da Tocha às redes do SEP.
Nos termos do nº3 do artigo 10º incluímos a seguinte informação:
a) Identificação do Requerente: Empresa G..., Lda. - na qualidade de proprietário [...]
b) [...]
c) O local pretendido para o ponto de recepção é a sub-estação 60/15 kV da Tocha, e a data a partir da qual se pretende beneficiar da ligação é o dia 1 de Janeiro de 2003.
Refira-se que o presente pedido reafirma, nos termos do DL nº312/01, o pedido anteriormente efectuado em 10/11/1998 [Processo nº981153], nos termos do DL nº189/88, com a redacção dada pelos Decretos-Lei 168/99 e 538/99 [cópia da correspondência com E.../C... anexa], sem prejuízo dos direitos anteriormente adquiridos“ - documento de folha não numeradas do PA;
6- Datada de 24.06.2002, foi remetida à G..., Lda. - pela Direcção Geral de Energia e subscrita pelo Director-Geral, comunicação com o assunto “Parque Eólico da Tocha” e com a referência Reg.300, com o seguinte teor: “No âmbito da aplicação do DL nº312/01, de 10 de Dezembro, junto se envia ficha contendo a informação relativa ao pedido de informação prévia [PIP], sobre a possibilidade da instalação mencionada em epígrafe ser ligada à rede do Sistema Eléctrico Público.
A resposta ao PIP tem por base, por um lado, as infra-estruturas da rede de transporte e da rede de distribuição existentes e planeadas, bem como os compromissos de ligação existentes até ao final do ano de 2001.Relativamente ao vosso pedido no qual se enquadra a v/ instalação informa-se que o número total de PIP concorrentes na zona de rede 21 [Mogafores/Anadia] é de 3, a que corresponde a potência total de ligação de 113800 kva. A capacidade disponível na zona de rede em causa é de 47 000 kva, indicando-se, a título informativo a capacidade de recepção prevista para a rede até 2010.O ponto de recepção para ligação da instalação deverá ser solicitado nos termos do diploma acima citado, não constituindo a presente informação qualquer garantia de obtenção de ponto de recepção. No caso da potência total dos pedidos ultrapassar a capacidade de recepção existente ou previsional, haverá necessidade de aplicar os critérios de selecção previstos na legislação.Por último, e no caso de lhe ser atribuído ponto de recepção, convirá disponibilizar-se para aceitar eventuais soluções de ligações à rede, conjuntamente com outros promotores, as quais conduzam à optimização de infra-estruturas e a menores impactes na ocupação do território.Neste contexto, aproveita-se, também, para remeter informação relativa aos pedidos concorrentes na zona de rede em causa, com a respectiva caracterização relevante, sem prejuízo da consulta à nossa página da Internet onde estarão inseridos, a curto prazo, os dados relativos a todos os pedidos recebidos” - documento de folha não numeradas do PA;7- Datado de 04.09.2002, foi remetido pela G..., Lda. - à Direcção Geral de Energia requerimento com o seguinte teor: “G..., Lda. – [...] desejando estabelecer um Parque Eólico com uma potência instalada de 10760 kva, na sua propriedade, sita na proximidade da Praia da Tocha, freguesia da Tocha, concelho de Cantanhede e distrito de Coimbra, de harmonia com o projecto em anexo, vem solicitar a V. Exa. a necessária autorização para o estabelecimento da instalação de produção independente de energia eléctrica, ao abrigo do disposto no DL nº312/01 de 10 de Dezembro.
Pede deferimento” – documento de folha não numeradas do PA;
8- Do “Memorando de Entendimento” da reunião realizada na Direcção Geral de Energia em 06.11.2002, com o assunto “atribuição de pontos de recepção na zona de rede 21” extrai-se o seguinte: Sobre o assunto em epígrafe decorreu uma reunião na DGE na qual participaram os promotores das instalações de produção em regime especial, a E... e a DGE, conforme lista de presenças anexa.A DGE explanou os limites e critérios que enquadram o processo de atribuição de pontos de recepção [PR] e notou conveniência para optimizar o processo de uma atitude cooperante por parte dos promotores, disponibilizando-se por seu lado para actuar como facilitador de entendimentos com a finalidade de cumprir os objectos de política nacional relativamente à produção de energia em regime especial.A metodologia de base para decisão assenta sinteticamente na limitação da capacidade a conceder à capacidade disponível e planeada em 2007 e nas limitações técnicas existentes ao nível da ligação à rede pública de distribuição, dando-se prioridade às ampliações de instalações existentes sem alteração da rede e à cogeração.A DGE apresentou a seguinte proposta:• É atribuída ao conjunto de promotores a capacidade de 90 MVA, prevista para 2007 (estando 47 MVA disponíveis e 43 MVA planeados para os quais não há garantias de ligação nas datas previstas sendo necessário apresentar caução para reserva de potência).• Considerou-se que estão desde já reunidas as condições para atribuir PR ao registo nº377 da empresa A... & CIA, com a potência de 1 080 kva.• Os 88 920 kva remanescentes serão distribuídos pelas restantes entidades, aos seus projectos eólicos, na proporção das potências pedidas [78,9%].• No que se refere ao pedido de PR da G..., verificando-se que a empresa não entregou parecer da Câmara e entregou comprovativo de utilização dos terrenos [com data de 5 de Novembro] nesta reunião, será posto superiormente a questão para validação ou não do pedido de PR. A empresa lembrou que a DGE não solicitou qualquer dos elementos mencionados.Ficou assente que os promotores, com parques eólicos, deverão adequar os seus processos junto da DGE, até 30 de Novembro, a fim de ser validada tecnicamente a solução encontrada junto da EDP. Depois da validação da ligação por parte da DGE os promotores deverão, quando for o caso; entregar todos os elementos necessários para a instrução do processo, no prazo de 30 dias após a referida validação.Outras questões tratadas:• Os promotores dos parques eólicos foram elucidados da necessidade de sujeitar a sua instalação ao princípio de interruptibilidade, a aplicar nos vazios de anos húmidos, por um período de horas que será definido muito brevemente;• 0 promotor G... declarou não concordar com a proposta de distribuição da potência disponível para produção de energia eólica proporcionalmente às potências pedidas pelos promotores, por não salvaguardar a antiguidade e os direitos adquiridos dos pedidos feitos ao abrigo da anterior legislação, e reafirmados na primeira quinzena de Janeiro de 2002 ao abrigo do DL nº312/01.• Sobre a posição expressa no ponto anterior, a DGE informa que a legislação aplicável, DL nº312/01, não prevê qualquer disposição para atender pedidos efectuados ao abrigo da legislação anterior, pelo que não poderia ser dado qualquer preferência a esses pedidos – documento de folha não numeradas do PA;
9- A autora entregou à Direcção Geral de Energia, em 02.11.2002, o “Contrato-Promessa de Cessão de Exploração de Terrenos” em que são outorgantes a Comissão de Comportes dos Baldios da Freguesia da Tocha e a G..., Lda., datado de 05.11.2002 - documento de folha não numeradas do PA;10- A autora entregou à Direcção Geral de Energia, em 03.12.2002, o parecer favorável da Câmara Municipal de Cantanhede referente à instalação de Parque Eólico na Tocha - documento de folha não numeradas do PA;11- A autora obteve em 17.07.2002 da Caixa Geral de Depósitos, “garantia bancária” no valor de 26.900€, da qual se extrai o seguinte:“Caixa Geral de Depósitos [...] presta a favor da Direcção Geral de Energia, uma Garantia Bancária destinada a garantir o cumprimento das obrigações resultantes do disposto no artigo 11º do DL nº312/01 de 10 de Dezembro e da Portaria nº62/02, de 16 de Janeiro, pela qual se estabelece o procedimento de atribuição de pontos de recepção de energia eléctrica, relativamente ao Parque Eólico da Tocha, com o número de registo 300 da DGE e de 10,76 MW de potência” - documento de folha não numeradas do PA;
12- Datado de 27.01.2003, foi remetida à G..., Lda. - pela Direcção Geral de Energia e subscrita pelo Subdirector-Geral, carta registada com aviso de recepção, com o assunto “Atribuição de ponto de recepção; Parque Eólico da Tocha” e sob a referência “Reg.300”, com o seguinte teor: “Sob o assunto em epígrafe, e após apreciação do processo supracitado, cumpre-me informar o seguinte:
1) Nos termos do artigo 11º do DL nº312/01, de 10 de Dezembro, após a notificação do pedido de informação prévia, devem os promotores, no prazo máximo de 70 dias, formular junta da DGE o pedido de atribuição do ponto de recepção de energia eléctrica instruído com todos os elementos necessários constantes do Anexo II do citado diploma.
2) Dado que a notificação a essa empresa, relativa ao Reg.300, foi efectuada em 2002-06-24, o prazo máximo para entrega de todos os elementos terminou em 2002-10-07.
Nos termos do exposto, verifica-se não ter essa empresa dado cumprimento à legislação no que respeita à apresentação, no prazo nela previsto, de todos os elementos constantes do Anexo II. Em causa está a não apresentação do comprovativo do direito para utilização do espaço de implantação da instalação. Acresce ainda não ter essa empresa apresentado o parecer da Câmara Municipal onde se localiza o parque eólico.
A aceitação de documentos constantes do Anexo II, validados posteriormente ao termo do prazo legal para apresentação dos mesmos, originaria um tratamento de não equidade relativamente a outras entidades concorrentes, o que não é aceitável. Nestes termos, não pode a DGE dar sequência ao pedido de atribuição de ponto de recepção em causa, sendo o processo arquivado e devolvida a correspondente garantia bancária” - documento de folha não numeradas do PA;
13- Tem sido prática seguida pelos serviços dependentes do Ministério da Economia, designadamente pela Direcção Geral de Energia, aceitar a junção de documentos após a apresentação do pedido de atribuição dos pontos de recepção de energia - documento de folha não numeradas do PA;14- A autora endereçou ao Director-Geral da Energia em 05.03.2003, requerimento através do qual interpôs, para o Ministro da Economia, recurso hierárquico “do despacho do Subdirector-Geral de Energia que em 27.01.03 mandou arquivar o processo de atribuição de ponto de recepção de energia eléctrica para o Parque Eólico da Tocha” - documento de folha não numeradas do PA;15- O recurso hierárquico referido supra sob o nº14 dos factos assentes e o Processo Instrutor foram remetidos pela Direcção Geral de Energia para o Gabinete Jurídico do Ministério da Economia, que os recebeu em 16.04.2003 - documento de folha não numeradas do PA;16- Não foi proferida decisão sobre o Recurso Hierárquico referido supra sob o nº15 dos factos assentes. De DireitoI. Cumpre apreciar as questões suscitadas pelos recorrentes no recurso principal e no recurso subordinado [sendo caso disso], o que deverá ser efectuado dentro das balizas estabelecidas, para o efeito, pela lei processual aplicável – ver artigos 660º nº2, 664º, 684º nº3 e nº4, e 690º nº1, todos do CPC, aplicáveis “ex vi” 140º do CPTA, e ainda artigo 149º do CPTA, a propósito do qual são tidas em conta as considerações interpretativas tecidas por Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa (Lições), 8ª edição, páginas 459 e seguintes, e por Mário Aroso de Almeida e Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, página 737, nota 1.II. Comecemos pela apreciação do recurso principal interposto pelo ME, fazendo, antes de mais, o devido enquadramento das suas quinze conclusões.A autora [G...] pediu ao TAF de Coimbra que declarasse que o réu [ME] omitiu a prática, no prazo legal, do acto que por lei devia praticar, dado ser competente para decidir o recurso hierárquico necessário por ela interposto do acto do Director Geral de Energia [DGE] que mandou arquivar o seu pedido de 04.09.02; que declarasse a ilegalidade da decisão que determinou o arquivamento do pedido formulado em 04.09.02; que condenasse o ME a decidir, em 15 dias, o pedido de atribuição de ponto de recepção de energia eléctrica para o Parque Eólico da Tocha, reconstituindo a situação que teria existido se o despacho de arquivamento não tivesse sido proferido [o que implica que a entidade demandada seja condenada a proceder à atribuição do ponto de recepção de energia eléctrica para o referido parque eólico com efeitos reportados à data do arquivamento], e estipulasse, desde já, uma sanção pecuniária compulsória para o caso de incumprimento. Alegou, para tanto, que em 10.11.98 solicitou ao gestor da rede pública [ao abrigo do DL nº189/88 de 27.05] as informações necessárias para instalar uma unidade de produção de energia no Parque Eólico da Tocha; que em 14.01.02 [na sequência da publicação do DL nº312/2001 de 10.12] solicitou informação prévia sobre a possibilidade de ligação do Parque Eólico da Tocha às redes do serviço eléctrico público, não significando isso uma renúncia aos direitos decorrentes do pedido de 1998; que em 04.09.02 requereu a atribuição de ponto de recepção de energia eléctrica para o dito parque; que em 06.11.02 entregou o comprovativo de utilização dos respectivos terrenos; que em 28.11.02 entregou parecer da câmara municipal onde se localiza o parque eólico [Câmara Municipal de Cantanhede]; que por ofício de 27.01.03 o Subdirector-Geral da Direcção Geral de Energia [DGE] mandou arquivar o seu requerimento de 04.09.2002 por não apresentação atempada do comprovativo do direito de utilização do terreno e do parecer da respectiva câmara municipal; que em 06.03.2003, interpôs recurso hierárquico necessário desta decisão para o ME; que não tendo sido notificada, até á data, de qualquer decisão desse recurso hierárquico, o mesmo se presume tacitamente indeferido ao abrigo dos artigos 109° e 175° nºs 1 e 3 do CPA.Sustenta que este indeferimento tácito é manifestamente ilegal e injusto, uma vez que representa uma ilegal omissão ou recusa da prática de um acto devido por lei; que o arquivamento do pedido de atribuição do ponto de recepção de energia eléctrica não só é ilegal como representa a denegação de um direito que lhe assistia; que não existe norma que permita o arquivamento do pedido quando não está devidamente instruído, e que apenas se poderia proceder a esse arquivamento depois de ela ter sido expressamente notificada para juntar os documentos em falta; que o arquivamento foi determinado sem esta prévia notificação e numa altura em que o requerimento já estava devidamente instruído. Sustenta, ainda, atribuindo nome juris a estas alegações, que o despacho de arquivamento de 27.01.03 procedeu á revogação ilegal de acto constitutivo de direitos [artigos 140º e 141º do CPA e 12º do Código Civil], e à violação dos princípios da legalidade [artigos 61º da CRP, 76º do CPA e 11º nº1 e nº5 do DL nº312/01 de 10.12] e da igualdade [artigo 13º da CRP e 6º do DL nº312/01 de 10.12]. O TAF de Coimbra, no acórdão recorrido, após ter procedido ao enquadramento legal da cumulação de pedidos efectuada na petição inicial à luz do âmbito de aplicação da acção administrativa especial [artigos 4º, 66º e 67º do CPTA], conclui que dos três pedidos formulados pela G... os dois primeiros são instrumentais do terceiro, que é o principal e se consubstancia num pedido de condenação à prática de acto administrativo legalmente devido alicerçado no pressuposto da recusa de apreciação do requerimento dirigido à sua prática [artigo 67º nº1 alínea c) do CPTA].Para o efeito, foi entendido no acórdão recorrido que o autor do despacho de 27.01.03 pôs fim ao procedimento administrativo sem se ter pronunciado sobre o mérito do requerimento de 04.09.02, e que esse despacho de primeiro grau foi mantido pelo indeferimento tácito formado a nível de segundo grau, na medida em que o recurso hierárquico interposto para o ME não foi decidido no prazo de trinta dias [artigo 175º nº1 e nº3 do CPA].Atento este enquadramento jurídico, entendeu o acórdão que o objecto do processo era constituído, pois, pela pretensão da G... em ver condenado o ME à prática do acto legalmente devido, já que desta pronúncia decorreria a eliminação da ordem jurídica do acto de arquivamento de 27.01.03 mantido pelo indeferimento tácito [artigo 66º nº1 e nº2 do CPTA]. Mas, esclareceu, a procedência da pretensão condenatória depende da procedência da pretensão anulatória do despacho de 27.01.03, pois que só se esta for procedente é que poderá o tribunal pronunciar-se sobre aquela. E nestes termos passou a conhecer dos vícios imputados pela G... ao despacho de arquivamento de 27.01.03, tendo concluído que este não revoga acto constitutivo de direitos [artigos 140º e 141º do CPA e 12º do Código Civil] nem viola o princípio da legalidade [artigos 61º da CRP, 76º do CPA e 11º nº1 e nº5 do DL nº312/01 de 10.12] mas viola, isso sim, o princípio da igualdade [artigo 13º da CRP e 6º do DL nº312/01 de 10.12]. Reagindo ao teor deste acórdão, o ME começa por discordar da determinação que nele foi feita do objecto do processo, sustentando que o tribunal a quo procedeu a uma correcção oficiosa indevida da pretensão vertida na petição inicial, correcção essa que considera violar os princípios do pedido e da estabilidade da instância [conclusões 1 a 3], causar a nulidade do acórdão [conclusão 4], violar o artigo 88º do CPTA [conclusões 5 a 7] e ter ainda como consequência a indevida falta de aplicação do disposto nos artigos 297º e 69º nº2 do CPTA [conclusão 8]. Defende, por fim, que o acórdão recorrido erra na interpretação e aplicação do artigo 11º nºs 1-3-5 do DL nº312/01 ao considerar violado o princípio da igualdade [conclusões 9 a 12 e 14 a 15] e desconsidera indevidamente um facto provado e pertinente para a boa decisão da causa [conclusão 13].III. É manifesto, face ao teor da petição inicial da G..., que esta sociedade pretendeu intentar uma acção administrativa especial [AAE] de condenação à prática de acto legalmente devido [ver folhas 1 a 11 dos autos]. De acordo com a actual lei de processo administrativo [CPTA], a AAE tem por objecto [além do mais] pretensões emergentes da prática ou omissão ilegal de actos administrativos [artigo 46º nº1 do CPTA], nela podendo ser formulados, como pedidos principais, o de anulação de acto administrativo [ou de declaração da sua nulidade ou inexistência jurídica] e o de condenação à prática de um acto administrativo legalmente devido [artigo 46º nº2 alíneas a) e b)], sendo que o primeiro deles pode ser [nomeadamente] cumulado com o pedido de condenação à prática do acto devido em substituição, total ou parcial, do acto praticado [artigo 4º nº2 alínea c) e 47º nº2 alínea a) do CPTA].Tendo em conta os elementos literal e sistemático [artigo 9º do CC], há que sublinhar, assim, que a AAE para condenação à prática de acto legalmente devido constitui uma subespécie da própria AAE sempre que através desta se visa obter a condenação do demandado à prática, dentro de determinado prazo, de um acto administrativo ilegalmente omitido ou recusado [artigo 66º nº1 do CPTA]. Já no caso de o respectivo interessado ter em vista a anulação de acto administrativo [declaração da sua nulidade ou inexistência jurídica], ainda que cumulada com pedido de condenação substitutiva do acto praticado [artigo 4º nº2 alínea c) e 47º nº2 alínea a) do CPTA], estaremos face a uma AAE tout court. Importa retirar, desde já, a seguinte conclusão: uma vez que a G... intentou expressamente uma AAE de condenação à prática de acto legalmente devido, isso significa que não elegeu como objecto do processo uma pretensão anulatória, mas antes uma pretensão condenatória, ou seja, a condenação da entidade ré à prática de um acto administrativo que reputa de ilegalmente omitido ou recusado. O artigo 67º do CPTA fixa as condições de admissibilidade do pedido de condenação à prática de acto administrativo legalmente devido, reconduzindo-as às situações de falta de decisão expressa de requerimento no prazo legal [nº1 alínea a)], recusa da prática do acto devido [nº1 alínea b)], e recusa da apreciação de requerimento dirigido à prática do acto [nº1 alínea c)]. No primeiro caso, está em causa uma omissão, melhor, uma situação de inércia administrativa face à pretensão formulada pelo administrado; os segundo e terceiro casos já não têm a ver com uma omissão, antes pressupondo a prática de um acto expresso de recusa: a recusa da prática do acto devido ou a recusa da apreciação do próprio requerimento – ver, a respeito, Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 2005, páginas 340 e seguintes. E esclarece o artigo 66º nº2 do CPTA que ainda que a prática do acto legalmente devido tenha sido expressamente recusada, o objecto do processo é a pretensão do interessado e não o acto de indeferimento, cuja eliminação resulta directamente da pronúncia condenatória.O dever legal de decidir encontra sede constitucional no artigo 52º nº1 da CRP, e é densificado pelo nº1 do artigo 9º do CPA, que trata do princípio da decisão como princípio geral [entre outros] da actuação administrativa – segundo este preceito os órgãos da administração têm o dever de se pronunciar sobre todos os assuntos da sua competência que lhes sejam apresentados pelos particulares em defesa de interesses pessoais ou de interesses meta individuais.Constatamos que o dever legal de decidir pode conhecer graus sucessivos ou crescentes de substanciação, e nem sempre significa, sequer, a necessidade de exame do mérito da pretensão formulada pelo particular. Desde logo, caso a entidade administrativa conheça oficiosamente da falta de um pressuposto procedimental [artigo 83º do CPA] o dever de decidir ficará satisfeito com uma decisão de extinção do procedimento por impossibilidade de apreciação do seu objecto.Esta crescente substanciação está patente, cremos, nas várias condições impostas por lei para a utilização da AAE de condenação à prática de acto legalmente devido. Na verdade, se no caso de inércia administrativa [alínea a) do nº1 do artigo 67º] a violação do dever legal de decidir se ostenta de forma definitiva e manifesta, já no caso de recusa de apreciação de requerimento [alínea c) do nº1 do artigo 67º] deparamos sempre, pelo menos, com o próprio acto de recusa, que já consubstancia uma decisão, e cuja ilegalidade terá de aferida para que o tribunal se possa decidir pela manutenção do dever de decidir sobre o mérito da pretensão. Desta forma, a recusa de apreciação de requerimento dirigido à prática de acto administrativo [alínea c) do nº1 do artigo 67º do CPTA], constituirá incumprimento do dever legal de decidir se o acto de recusa for ilegal, persistindo deste modo o dever de decidir sobre o objecto da pretensão. Caso não o seja, o dever de decidir satisfaz-se com o próprio acto de recusa.Assim, removido este estorvo ao conhecimento da pretensão formulada pela autora, e uma vez que estamos perante o exercício de poderes discricionários [pois que a atribuição do ponto de recepção não resulta directamente da lei, mas antes envolve juízos próprios do exercício da função administrativa], temos que a densificação do conteúdo do acórdão condenatória proferido pelo tribunal recorrido passava [em maior ou menor medida] pela identificação e afirmação das ilegalidades de que enfermava o acto de recusa, sendo este accertamento judicial que projecta um efeito preclusivo mais ou menos amplo sobre o subsequente reexercício do poder por parte da Administração – ver, a propósito, Mário Aroso de Almeida, O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, Coimbra, 4ª edição, 2005, páginas 228. É legítimo, assim, retirar a seguinte conclusão: apesar da AAE intentada pela G... ter como objecto uma pretensão condenatória, e não uma pretensão anulatória, isso não significa que não tenha de ser apreciada a legalidade do acto de recusa em causa, dado que a ilegalidade deste constitui condição de procedência do pedido de condenação.O que vimos dizendo pressupõe que a decisão administrativa de recusa de conhecimento do mérito da pretensão formulada pela aqui recorrida [requerimento de 04.09.02] é consubstanciada pelo despacho de 27.01.03 do Subdirector-Geral que ordenou o arquivamento do processo [sem conhecer do mérito da pretensão formulada] por apresentação extemporânea de documentos. Na verdade, configurando o recurso administrativo interposto deste despacho para o ME um recurso hierárquico necessário [ver, por todos, AC STA/Pleno de 09.07.1997, Rº35880; AC STA/Pleno de 13.04.2000, Rº45398; AC STA/Pleno de 25.02.2002, Rº47947; AC STA/Pleno de 06.06.2002, Rº39459; AC STA/Pleno de 02.10.2002, Rº46985; AC STA/Pleno de 01.04.2004, Rº41160; AC STA de 07.06.2006, Rº0409/05], o decurso do prazo para decisão [artigo 175º do CPA] sem que esta tenha sido proferida pelo órgão ad quem, transforma a decisão administrativa primária em decisão final, ou seja, faz com que a decisão administrativa primária se torne eficaz e útil – ver, sobre o tema, Sérvulo Correia, O incumprimento do dever de decidir, Justiça Administrativa, nº54, folhas 6 a 32; Mário Esteves de Oliveira, Pedro Gonçalves, Pacheco de Amorim, Código do Processo Administrativo, Almedina, Coimbra, 2ª edição, páginas 492, 797 e 798; AC STA de 24.11.2004, Rº903/04.Usando as palavras de Sérvulo Correia [trabalho citado, folha 22] a inércia não vale como acto: é apenas uma ausência de pronúncia, a falta da regulação pretendida para uma situação concreta sem que a Administração haja sequer recusado essa pretensão. Mas, se a inércia respeita a um pretendido acto secundário e existe um acto primário negativo, subsiste o acto primário, visto que nada se alterou após a sua emissão.E é também neste sentido que vai a jurisprudência firmada no acórdão de 24.11.2004 do STA, segundo a qual, terminado o prazo de decisão da impugnação administrativa e constituída a situação de inércia, o acto primário objecto daquela impugnação se converte em acto final do procedimento, iniciando-se o decurso do prazo para utilização do meio contencioso.Assim sendo, como cremos ser, esta concepção substantiva do indeferimento tácito previsto no artigo 175º nº3 do CPA acarreta, sempre que o recurso administrativo seja necessário, uma inegável consequência em termos da contagem do prazo para interposição da AAE de condenação à prática de acto legalmente devido: quando o objecto da impugnação administrativa necessária for uma decisão de recusa de apreciação [como no nosso caso], e o órgão ad quem incorrer em inércia administrativa [como no nosso caso], só com a consolidação da conduta omissiva deste segundo órgão se poderá desencadear o prazo de propositura da acção de condenação. De facto, a impugnação administrativa não chegou a suspender este prazo [nos termos do artigo 59º nº4 e 69º nº3 do CPTA] devido ao seu carácter necessário, que impediu que ele pudesse começar a correr antes de ter sido esgotado o meio procedimental.Adquirido que estamos perante uma AAE de condenação à prática de acto legalmente devido, baseada num acto de recusa de apreciação do mérito da pretensão, o prazo de três meses para propositura da acção de condenação [artigo 69º nº2] teria começado a contar logo que perfeito o prazo de 30 dias concedido para decisão do recurso hierárquico [artigo 175º nº1 do CPA].Como já deixamos dito, a G... instaurou expressamente uma AAE para condenação do ME à prática do acto legalmente devido, invocando como pressuposto da mesma quer a omissão de decisão do recurso hierárquico necessário dentro do prazo legal, quer, ainda, a ilegalidade do acto de arquivamento de 27.01.03.Trata-se, assim, de um pedido confuso, porque baseado numa indecisão da autora sobre o verdadeiro pressuposto do seu pedido condenatório: se a inércia do órgão ad quem ou se a recusa do órgão a quo. Impunha-se que esta relativa confusão, instalada ao nível do pedido, fosse esclarecida e resolvida apelando à expressa vontade da autora em ver condenado o réu na prática de acto devido. O que o tribunal recorrido fez, dentro dos parâmetros legais que deixamos consignados.Resta concluir, portanto, que o julgador a quo não corrigiu a pretensão judicial deduzida pela autora, apenas se tendo limitado a interpretá-la, tarefa em que foi bem sucedido, e com a qual nem excedeu os seus poderes de pronúncia nem desrespeitou o pedido da autora ou a necessária estabilidade da instância.Improcedem, destarte, as primeiras sete conclusões formuladas pelo ME.IV. Queixa-se o recorrente principal, ainda, de que a forma como o tribunal recorrido entendeu os pedidos deduzidos pela autora impediu que fosse julgada extemporânea a interposição desta acção [artigos 297º do CC e 69º nº2 do CPTA]. Só que esta excepção [da caducidade do direito de acção] nunca foi suscitada na acção pelo demandado ME, que o fez a primeira vez na qualidade de recorrente principal.Estipula o artigo 87º do CPTA que no despacho saneador o juiz deve conhecer obrigatoriamente [ouvido o autor] de todas as questões que obstem ao conhecimento do objecto do processo [nº1 alínea a)], e que as questões prévias que não tenham sido apreciadas no despacho saneador não podem ser suscitadas nem decididas em momento posterior do processo [nº2]. O legislador consagrou, assim, uma situação de verdadeiro caso julgado tácito, que resulta de as partes não terem suscitado nos articulados questões prévias que poderiam ter posto fim ao processo, e de o juiz não ter apreciado oficiosamente essas questões [caso lhe competisse] na fase do saneador – ver, a respeito, Mário Aroso de Almeida e Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 2005, páginas 444 e 445. Resulta, pois, sem mais delongas, ser descabida a invocação, apenas em sede de recurso jurisdicional, de questão que não foi, nem tinha de ser [porque ultrapassada a fase do saneamento], conhecida no acórdão recorrido.Deve improceder, também, a oitava conclusão tirada pelo ME nas suas alegações. V. Por fim, sustenta o recorrente ME que o acórdão recorrido erra na interpretação e aplicação do artigo 11º nºs 1-3-5 do DL nº312/01 de 10.12 ao considerar violado o princípio da igualdade, e desconsidera indevidamente um facto provado e pertinente para a boa decisão da causa [facto: que os documentos que a autora pretendeu juntar em momento posterior ao da entrada do pedido de atribuição foram produzidos depois de esgotado o prazo de 70 dias legalmente concedido para apresentar o pedido de atribuição de pontos de recepção de energia].O julgador a quo considerou que o despacho administrativo que ordenou o arquivamento da pretensão da G..., com fundamento na apresentação extemporânea de documentos, violava o princípio da igualdade, e fê-lo da forma seguinte:Sustenta, a autora que ocorre ainda a violação do princípio da igualdade previsto no artigo 13º da CRP e no artigo 6º do DL nº312/2001 de 10.12. Alega, para tanto, que um dos princípios fundamentais consagrados na CRP é o princípio da igualdade entre os cidadãos, o que significa que a Administração deve tratar de forma igual o que é substancialmente igual e de forma desigual o que se apresenta como desigual; que semelhante princípio constitui um dos princípios estruturantes por que se deve reger a gestão da capacidade de recepção das redes do sistema eléctrico de serviço público, por força do artigo 6° do DL nº312/2001; que o arquivamento do pedido de atribuição de ponto de recepção de energia se fundamentou na não entrega atempada de determinados documentos, mas que a prática seguida pelos serviços na dependência da entidade demandada, designadamente pela DGE, tem sido a de aceitar a junção de documentos após a apresentação do pedido de atribuição dos pontos de recepção de energia, e que o próprio memorando de entendimento celebrado em 28.11.02 entre a DGE e alguns promotores, permite que haja uma entrega posterior de determinados documentos que deveriam ter sido apresentados com o pedido de atribuição do ponto de recepção de energia. Pretende, por conseguinte, a autora, que a decisão de arquivamento do seu pedido de atribuição de ponto de recepção de energia, fundamentada no facto de os dois documentos em causa não terem sido por ela apresentados juntamente com o pedido, mas só em momento posterior, esgotado o prazo legal de 70 dias, viola o princípio da igualdade. Ora, já concluímos supra que o despacho de arquivamento do pedido, sem ter sido antecedido de convite à autora para juntar os documentos em falta, não é violador do princípio da legalidade, por a lei não exigir da Administração tal conduta. Mas subsiste a questão de saber se é lícita a rejeição daquele requerimento, com fundamento na apresentação extemporânea dos documentos em falta, por violação do princípio da igualdade.Tendo ainda em atenção que, à data da rejeição daquele requerimento a autora havia entretanto entregue os documentos em causa. É que se extrai do teor do despacho de 27.01.2003 do Subdirector-Geral da DGE o seguinte: «Dado que a notificação a essa empresa, relativa ao Reg.300, foi efectuada em 24.06.2002, o prazo máximo para entrega de todos os elementos terminou em 07.10.2002». E ainda o seguinte: «nos termos do exposto, verifica-se não ter essa empresa dado cumprimento à legislação no que respeita à apresentação, no prazo nela previsto, de todos os elementos constantes do Anexo II.» E também o seguinte: «a aceitação de documentos constantes do Anexo II, validados posteriormente ao termo do prazo legal para apresentação dos mesmos, originaria um tratamento de não equidade relativamente a outras entidades concorrentes, o que não é aceitável. Nestes termos, não pode a DGE dar sequência ao pedido de atribuição de ponto de recepção em causa, sendo o processo arquivado e devolvida a correspondente garantia bancária.»É que o que releva dos factos dados como provados nos autos não é o facto de a Administração ter arquivado o processo e rejeitado [liminarmente] o pedido de atribuição de ponto de recepção com fundamento na sua deficiente instrução sem antes ter convidado a autora a apresentar os documentos em falta, mas o facto de tal decisão ter sido proferida quando ao processo já haviam sido juntos os documentos em falta. Pode assim, concluir-se – e é o que resulta inequivocamente do teor do despacho de 27.01.2003 – que o fundamento da decisão de arquivamento do processo foi a apresentação extemporânea daqueles documentos. Com efeito, entendeu o Subdirector-Geral da DGE que o pedido não foi instruído com todos os documentos, como devia nos termos do nº1 do artigo 11º do DL nº312/2001, de 10.12, e que os mesmos não foram sequer apresentados dentro do prazo de 70 dias. E fundamenta aquela sua decisão em que a aceitação de documentos constantes do Anexo II posteriormente ao termo do prazo legal para a sua apresentação originaria um tratamento de não equidade relativamente a outras entidades concorrentes.Porém, resulta provado nos presentes autos que tem sido prática seguida pelos serviços dependentes do ME, designadamente pela DGE, aceitar a junção de documentos após a apresentação do pedido de atribuição dos pontos de recepção de energia.E como alega a autora, o próprio DL nº312/2001 de 10.12, materializa o princípio da igualdade de tratamento como critério a observar na sua aplicação. Ora, de harmonia com o disposto no artigo 13º da CRP, e em conformidade com o seu acolhimento pelo artigo 5º do CPA no que respeita à actuação da Administração no seu relacionamento com os particulares, uma das vertentes da vinculação da Administração pelo princípio da igualdade compreende [como se pode ler na Constituição Anotada de Gomes Canotilho e Vital Moreira] a “autovinculação [casuística] da Administração no âmbito dos seus poderes discricionários, devendo ela utilizar critérios substancialmente idênticos para a resolução de casos idênticos, sendo a mudança de critérios, sem qualquer fundamento material, violadora do princípio da igualdade”. Assim, o princípio da igualdade exige o tratamento igual de situações iguais, mas também impõe que seja tratado desigualmente aquilo que é jurídico e materialmente desigual, na medida da sua desigualdade. Como já foi dito supra, a Administração tem o poder discricionário [conferido pelo nº5 do artigo 11º do DL nº312/2001 de 10.12] de convidar os promotores a suprirem as insuficiências da instrução do pedido de atribuição de ponto de recepção, através da entrega [ainda que para além do prazo legal] dos elementos em falta. No caso, a Administração não usou esse poder. E a requerente autora remeteu, por impulso próprio, aqueles documentos. Ora, resultando provado que tem sido prática da DGE aceitar a junção de documentos após a apresentação do pedido de atribuição dos pontos de recepção de energia, e não decorrendo dos autos a existência de mudança naquela actuação, o arquivamento do pedido da autora com esse mesmo fundamento é violador do princípio da igualdade. Procede, assim, a alegada violação do princípio da igualdade.Este julgamento parece-nos estar correcto.Não há necessidade, agora, de voltar a escalpelizar os vectores do princípio da igualdade cuja aplicação se impunha neste caso concreto, porque o acórdão recorrido já o fez suficientemente [artigos 13º da CRP e 6º nº1 do DL nº312/01 de 10.12].Importa, apenas, e numa tentativa de adicionar alguma achega esclarecedora à fundamentação apresentada, chamar a atenção para o facto de a leitura conjugada dos nº1 alínea b) nº3 e nº5 do artigo 11º do DL nº312/01 de 10.12, nos levar a concluir que o prazo máximo de 70 dias configura, no tocante à junção dos documentos constantes do anexo II, um prazo não preclusivo, na medida em que a DGE, perante a eventual insuficiência da instrução do pedido, pode solicitar ao promotor informações complementares.Foi precisamente no modo como foi usando desta possibilidade, que a DGE se foi auto-vinculando a um determinado procedimento, cuja não observância destoa no caso da G... em termos violadores do princípio da igualdade de tratamento dos promotores.Note-se, por fim, que uma vez que ao tempo do despacho de arquivamento [27.01.03] já estavam juntos aos autos os documentos em falta [comprovativo do direito para utilização do espaço de implantação da instalação e parecer da câmara municipal onde se localiza o parque eólico], é, no fundo, a extemporaneidade da sua junção que motiva tal desfecho. E sendo assim, pouco importa, na verdade, se os documentos foram emitidos antes ou depois do termo do prazo de 70 dias, até porque a sua emissão não dependia apenas do promotor em causa.Devem, por conseguinte, improceder também as últimas sete conclusões tiradas pelo recorrente principal. VI. A G... não interpôs um recurso independente mas sim subordinado, como dissemos, discordando do acórdão recorrido na medida em que julgou improcedentes os outros vícios que imputou ao despacho de arquivamento mantido pelo ME.Como recurso subordinado que é, o seu conhecimento apenas se impõe ao tribunal ad quem no caso de ser dado provimento ao recurso principal [ou independente]. O que não acontece.Assim, consideramos prejudicado o conhecimento do recurso subordinado interposto pela recorrente G....DECISÃO Nestes termos, decidem os juízes deste tribunal, em conferência, negar provimento ao recurso interposto pelo Ministério da Economia, mantendo o acórdão recorrido com a actual fundamentação.
Custas pelo recorrente ME com taxa de justiça reduzida a metade – artigos 189º do CPTA, 446º do CPC, 18º nº2 e 73º-E nº1 alínea a) do CCJ. Porto, 25 de Outubro de 2007
Ass. José Augusto Araújo Veloso
Ass. Maria Isabel São Pedro Soeiro
Ass. Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia