quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

AC. do TAC do Sul - Condenção à prática do acto devido-caducidade da acção

Acórdãos TCAS
Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:
02774/07
Secção:
Contencioso Administrativo - 2º Juízo
Data do Acordão:
11-12-2008
Relator:
José Gomes Correia
Descritores:
ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE CONDENAÇÃO À PRÁTICA DE ACTO DEVIDO- VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA IGUALDADE -CADUCIDADE DO DIREITO DE ACÇÃO
Sumário:
I- A violação do princípio da igualdade só tem autonomia no âmbito dos actos administrativos praticados no exercício de poderes discricionários, funcionando como limite interno da discricionariedade;II- Na actividade vinculada, esse princípio é consumido pelo princípio da legalidade; III- A violação do princípio da igualdade não se resolve através da nulidade, mas, na medida em que consubstancia uma violação dos limites internos da actuação administrativa, é caracterizável como violação de lei, sancionável apenas com a anulabilidade, só não sendo assim se ferir o núcleo do conteúdo essencial do direito fundamental consagrado no art. 13º da CRP, o que ocorre se atinge o cerne do direito vertido nas categorias do nº 2 desta disposição constitucional em que «se colocam discriminações ilegítimas baseadas no sexo, língua, religião, convicções políticas, religiosas, etc., ou em outras categorias subjectivas traduzidas por “direitos especiais de igualdade” como os que estão contemplados no art. 36º, nº 4 da CRP» (cfr., exemplificativamente e por mais recente, ac. do STA de 19-04-2007, proc. nº 809/06);IV- Fora destes casos de ofensa do núcleo do conteúdo essencial desse direito fundamental, sancionáveis com nulidade nos termos da al. d) do nº 2 do art.133º do CPA, a acção administrativa especial de condenação à prática do acto devido, fundada na ilegalidade de um indeferimento por violação do princípio da igualdade, sempre terá de ser proposta no prazo estabelecido no nº 2 do art. 69º do CPTA.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA 1ª SECÇÃO DO 2º JUÍZO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SULI- RELATÓRIOO presente recurso vem interposto da sentença que julgou “verificada a excepção de caducidade do direito de acção e, em consequência, absolveu “o R. da instância, nos termos do art. 89º/1, h) do CPTA”, proferida, a fls 68/70, da acção administrativa especial intentada no TAF de Lisboa por BRANCA ...¸ Inspectora da Polícia Judiciária (PJ), contra o MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, em que aquela pede, com fundamento na invalidade do despacho do Director Nacional Adjunto de 11-02-2004, a condenação do Réu a pagar-lhe o subsídio de instalação devido por se encontrar em comissão de serviço na Directoria de Faro da P.J..Para tanto, a Recorrente invoca que a sentença recorrida se encontra “ferida de nulidade, por não fazer correcta interpretação e aplicação da lei, nomeadamente dos preceitos ínsitos no artigo 5º e 133º do CPA, e artigo 13º da CRP”, devendo ser revogada e substituída por outra que julgue a tempestividade da acção, condenando o Réu nos termos peticionados, já que:- Na petição inicial, alegou concretamente que o acto impugnado viola o princípio da igualdade enunciado no art. 13º da CRP, o que implica a sua nulidade por ofensa do conteúdo essencial de um direito fundamental, tal como determinado pela al. d) do nº 2 do art. 133º do CPA, sendo incorrecta a interpretação vertida na sentença “de que o que poderá estar em causa nestes autos é uma ofensa ao princípio da igualdade enquanto princípio administrativo e não enquanto direito fundamental”.O ora Recorrido contra-alegou, sustentando que o recurso não merece provimento por ser pacífico o entendimento que a sentença sob recurso perfilhou, extraído do disposto na al. d) do nº 2 do art. 133º do CPA, de que apenas se verifica a nulidade com fundamento nesta disposição se o acto for ofensivo do conteúdo essencial de um direito fundamental, o que não se preenche com «o pedido formulado pela ora Recorrente de invalidade do acto “...por incorrecta interpretação e aplicação dos normativos aplicáveis”, pese embora a referência feita a que “...num outro caso, idêntico ao seu, a Polícia Judiciária procedeu ao abono do subsídio de instalação e que essa situação é violadora do princípio da igualdade”».Notificado o Ministério Público nos termos e para os efeitos do nº 1 do art. 146º do CPTA, nada disse.Colhidos os vistos legais, vem o processo à conferência para julgamento.
*II- OS FACTOSAo abrigo do nº 6 do art. 713º do CPC, ex vi do art. 140º do CPTA, remete-se para a factualidade dada por assente a fls 68 e 69, sob as alíneas A) a E) do nº 2 da sentença recorrida, que se tem aqui por transcrita.
*III- O DIREITOComo se anunciou no Ponto I, a Recorrente impugna a decisão judicial que julgou verificada a excepção de caducidade do direito de acção e, em consequência, absolveu o Réu da instância, fundamentando a sua discordância no argumento de que, na petição inicial, alegou que o despacho do Director Nacional-Adjunto da PJ que lhe indeferiu o pedido de atribuição do subsídio de instalação viola o art. 13º da CRP, sendo nulo por ofensa do conteúdo essencial de um direito fundamental, o que implica que a acção seja tempestiva por a nulidade ser invocável a todo o tempo.Antes de passarmos à apreciação do mérito do presente recurso, impõe-se, por razões de rigor jurídico, fazer uma correcção.A Recorrente, na alegação de recurso, deixou consignado que a sentença recorrida se encontra “ferida de nulidade, por não fazer correcta interpretação e aplicação da lei, nomeadamente dos preceitos ínsitos no artigo 5º e 133º do CPA, e artigo 13º da CRP”. Considerando que as hipóteses de nulidade da sentença são, por aplicação supletiva do art. 1º do CPTA, as previstas taxativamente nas alíneas a) a e) do nº 1 do art. 668º do CPC, nenhuma delas invocada no presente recurso, impõe-se-nos dizer que a alegação de que a sentença fez errada interpretação e aplicação daqueles preceitos legais constitui a invocação de um erro de julgamento e não de uma nulidade da decisão recorrida.Prestado este esclarecimento, cumpre apreciar o mérito do recurso.Depreende-se das alegações de recurso que a Recorrente defende que a acção administrativa especial por si intentada não está sujeita ao prazo estabelecido no nº 2 do art. 69º do CPTA, contrariamente ao que foi decidido na sentença recorrida, por ter sido invocado que o acto administrativo em que o pedido de condenação do Réu se funda ser nulo nos termos da al. d) do nº 2 do art. 133º do CPA, por, ao violar o princípio da igualdade, ofender o conteúdo essencial de um direito fundamental, sendo a nulidade invocável a todo o tempo por força do disposto no art. 134º do mesmo diploma legal. Ora, a sentença recorrida, após esclarecer que “A presente acção administrativa especial não é uma acção de impugnação de um acto, como parece resultar da alegação das partes, mas sim uma acção de condenação à prática do acto devido, atendendo ao pedido formulado pela A. e ao facto de o acto em causa consubstanciar um acto de indeferimento (arts 66º e 67º do CPTA)”, vem dizer que, “Neste caso, em que houve indeferimento expresso, o prazo para intentar a acção é de três meses, nos termos do nº 2 do art. 69º do CPTA, devendo, no entanto entender-se que este prazo não se aplica às situações em que o acto de indeferimento seja nulo, por força do disposto no art. 134º do CPA...”.Contudo, entendeu que “o que a Autora invoca é a violação do princípio da igualdade enquanto princípio geral do procedimento administrativo, não aduzindo quaisquer factos que pudessem levar à conclusão de que haveria ofensa do conteúdo essencial do direito fundamental consagrado no art. 13º da Constituição”, sendo que “...a questão a decidir não se prende com a igualdade (...) mas sim com saber qual é a correcta interpretação das normas legais aplicáveis no caso”, razão por que a Autora dispunha do prazo de 3 meses para pedir a condenação do R. à prática do acto devido com fundamento no acto de indeferimento. Assim, tendo a acção sido proposta muito depois de decorrido esse prazo, concluiu que se verificava a excepção de caducidade do direito de acção.Resulta das transcrições anteriores que a sentença recorrida considerou que, face ao alegado pela Autora, o vício de que o acto que indeferiu o pedido de atribuição do subsídio de instalação poderia enfermar seria o de violação de lei por errada interpretação e aplicação das disposições legais que regulam a atribuição de tal subsídio, o que, consubstanciando um vício meramente gerador de anulabilidade, implicaria, em conformidade com o nº 2 do art. 69º do CPA, que a Autora tivesse de ter proposto a acção no prazo de três meses a contar da notificação desse acto.Vejamos.O vício de violação do princípio da igualdade só tem autonomia no âmbito dos actos administrativos praticados no exercício de poderes discricionários, funcionando como limite interno da discricionariedade, pois relativamente aos actos praticados pela Administração no exercício de poderes vinculados, o tratamento desigual dado a dois casos iguais reconduz-se necessariamente a um vício de errada interpretação e aplicação da lei, pelo menos, em um deles. Ou seja, na actividade vinculada, aquele princípio é consumido pelo princípio da legalidade. O acto de indeferimento do pedido de atribuição do subsídio de instalação insere-se no âmbito da actividade vinculada da Administração, pelo que, no caso, está desde logo afastada a relevância jurídica da invocação do vício de violação do princípio da igualdade.O que poderia ocorrer, a verificar-se uma igualdade entre a situação da Recorrente e do seu colega a que foi atribuído esse subsídio, seria uma de duas hipóteses: ter sido feita errada interpretação e aplicação da norma que prevê a atribuição do subsídio de instalação no acto que indeferiu a pretensão da Recorrente ou, então, no acto que atribuiu esse subsídio ao colega. Na primeira hipótese, o acto de indeferimento aqui em causa, ao não ter concedido o subsídio concedido ao colega da Recorrente, enfermaria de vício de violação de lei por violar as disposições legais que regulam a atribuição do subsídio e não por violar o princípio da igualdade; na segunda hipótese, a eventual ilegalidade na atribuição do subsídio ao referido colega não consubstanciaria uma violação do princípio da igualdade por não haver igualdade na ilegalidade.Portanto, a sentença recorrida não merece censura ao concluir que “...a questão a decidir não se prende com a igualdade (...) mas sim com saber qual é a correcta é interpretação das normas legais aplicáveis no caso”, sendo também acertada a observação de que não foi alegada pela Autora qualquer factualidade com potencialidades para ofender o conteúdo essencial do direito fundamental consagrado no art. 13º da CRP, configurando-se a violação do princípio da igualdade, tal como vem invocada na petição inicial, como uma “violação do princípio da igualdade enquanto princípio geral do procedimento administrativo”.Ainda que a sentença não o diga expressamente, isto só pode ter sido escrito com o intuito de demonstrar que uma eventual ilegalidade do acto em causa que fosse integrada por uma violação do princípio da igualdade, nunca poderia ter a virtualidade de ofender o núcleo do conteúdo essencial do direito de igualdade consagrado no art. 13º da CRP e, consequentemente, de determinar a nulidade de tal acto que permitisse a instauração da presente acção a todo o tempo, com base no disposto no art. 134º do CPA.Com efeito, a jurisprudência sempre afirmou, antes e depois do CPA, que a violação do princípio da igualdade não se resolve através da nulidade, mas, na medida em consubstancia uma violação dos limites internos da actuação administrativa, é caracterizável como violação de lei, sancionável apenas com a anulabilidade. E só não será assim quando fira o núcleo do conteúdo essencial do direito fundamental consagrado no citado art. 13º, o que ocorre se atinge o cerne do direito vertido nas categorias do nº 2 desta disposição constitucional em que, como é referido designadamente no ac. do STA de 19-04-2007 (na senda da jurisprudência aí citada), proc. nº 809/06, «se colocam discriminações ilegítimas baseadas no sexo, língua, religião, convicções políticas, religiosas, etc., ou em outras categorias subjectivas traduzidas por “direitos especiais de igualdade” como os que estão contemplados no art. 36º, nº 4 da CRP».Serve tudo isto para dizer que o alegado na petição inicial não é susceptível de configurar uma qualquer ofensa do núcleo do conteúdo essencial do direito fundamental à igualdade consagrado no art. 13º da CRP, que, nos termos da al. d) do nº 2 do art. 133º do CPA, é sancionável com nulidade. Assim, demonstrando-se que as ilegalidades apontadas ao acto administrativo em que a Recorrente fundamentou o pedido de condenação do ora Recorrido (ou que, mesmo sem ter sido invocada, devesse ser conhecida oficiosamente pelo Tribunal) não tinham virtualidades para determinar a sua nulidade mas tão só a sua anulabilidade, está fora de questão que o prazo para a interposição da acção só podia ser o estabelecido no nº 2 do art. 69º do CPTA.Tendo a acção sido instaurada pela Autora, ora Recorrente, muito depois do termo desse prazo, é inevitável concluir que, ao julgar verificada a excepção de caducidade do direito de acção, a sentença recorrida não incorreu em qualquer erro de julgamento.
*IV DECISÃOPor todo o exposto, acordam negar provimento ao presente recurso, confirmando a sentença recorrida.Custas pela Recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC.
*Lisboa, 11/12/2008(Gomes Correia)(Carlos Araújo)(Fonseca da Paz)

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