quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Omissão do dever regulamentar- Acórdão 3 de Outubro de 2006 (STA)

Acordam na 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo
1. Relatório
A... e outros, devidamente identificados nos autos, intentaram no Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa a presente ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL contra o GOVERNO, o MINISTÉRIO DA ECONOMIA e O MINISTÉRIO DAS FINANÇAS, pedindo:
a) a declaração de ilegalidade consubstanciada na omissão da aprovação do Decreto Regulamentar a que se refere o art. 14º do Dec. Lei 112/2001, no que respeita ao pessoal provido na carreira de Inspector Técnico da Direcção Geral de Turismo e, em consequência, fixar ao primeiro réu um prazo não inferior a seis meses a fim de suprir essa omissão, sob pena de pagar sanção pecuniária compulsória em montante a definir, por cada dia de atraso no cumprimento do prazo.
b) que os segundo e terceiro autores sejam declarados credores do segundo réu por responsabilidade civil decorrente do não pagamento das retribuições inerentes ás novas categorias e ao suplemento de função inspectiva desde as que se venceram em 1 de Julho de 2000 até às que se vençam na data de efectivo pagamento, e no caso dos sétimo a décimo terceiro autores até às datas das aposentações respectivas, sendo condenado no pagamento dos juros de mora, à taxa legal, desde essas datas até à de integral e efectivo pagamento a liquidar em execução de sentença, ou caso não se verifiquem os pressupostos de responsabilidade civil, ser o segundo réu declarado devedor dos segundo a décimo terceiro autores a título de enriquecimento sem causa, sendo condenado a devolver-lhes o montante do seu enriquecimento, aferido pela diferença entre o que lhes deveria ter sido pago, a título de retribuição e suplemento de função inspectiva, desde 1 de Julho de 2000 até à data de efectivo pagamento, e no caso dos sétimo a décimo terceiro autores até às datas das aposentações respectivas, pela aplicação dos índices de preços ao consumidor desde aquela data até á de integral pagamento em execução de sentença.
c) que o terceiro réu seja declarado devedor dos sétimo a décimo terceiro autores, por responsabilidade civil decorrente do não pagamento das pensão de aposentação recalculada de acordo com as novas retribuições e suplemento de função inspectiva desde as datas de aposentação até à data de efectivo pagamento, sendo condenado a pagar-lhes juros de mora à taxa legal desde essas datas até à de integral e efectivo pagamento, a liquidar em execução de sentença ou, caso se entenda não se verificarem os pressupostos de responsabilidade civil, ser o terceiro réu declarado devedor dos sétimo ao décimo terceiro autores a título de enriquecimento sem causa, ser este condenado a devolver-lhes o montante do seu enriquecimento, aferido pela diferença entre o que lhes deveria ter sido pago, a título de pensão de reforma desde a data de efectivo pagamento, pela aplicação dos índices de preços ao consumidor desde aquela data e a de integral pagamento a liquidar em execução de sentença.
No essencial fundamentaram o pedido nos seguintes termos:
Os primeiro a sexto autores encontram-se actualmente providos em lugares da carreira de Inspector Técnico de Turismo;
Porém, atenta a aprovação das leis orgânicas da Direcção Geral de Turismo (Dec. Lei 292/98, de 18 de Setembro – art. 45º) e da Inspecção Geral das Actividades Económicas (Dec. Lei 46/2004, de 3 de Março) transitaram, em 1 de Abril de 2004, para o quadro desta última;
Quer a Direcção Geral do Turismo, quer a Inspecção-geral das Actividades Económicas, são serviços ou entidades nas áreas da regulamentação, regulação, supervisão e inspecção do Ministério da Economia (cfr. art. 3º, n.º 3, 3.1. a), iii) e 3.3. ii) do Dec. Lei 186/2003, de 6 de Agosto).
Os sétimo a décimo terceiro autores aposentaram-se, respectivamente, em 28-2-2004, 31-3-2003, 25-8-2003, 31-5-2003, 30-6-2003, 31-5-2003 e 30-4-2003 com as categorias de técnico principal, técnico especialista, técnico principal, técnico especialista principal, técnico principal, técnico especialista e técnico principal;
Consequentemente, as respectivas pensões de aposentação não foram calculadas tomando em consideração o suplemento de função inspectiva;
Sendo o Ministério das Finanças a entidade que tutela a Caixa Geral das Aposentações (art. 8º al. a) do Dec. Lei 158/96, de 3 de Setembro);
Nos termos do disposto no art. 182º da CRP o Governo é o órgão superior da Administração Pública;
Competindo-lhe, nos termos do art. 199º al. c) da CRP fazer os regulamentos necessários à boa execução das leis;
Por seu turno, dispõe o art. 112º, n.º 7 do mesmo diploma que “os regulamentos do Governo revestem a forma de decreto regulamentar quando tal seja determinado pela lei que regulamentam, bem como no caso de regulamentos independentes”.
No caso em apreço, a norma legal habilitante (art. 14º, n.º 1 do Dec. Lei 112/2001, de 6 de Abril) dispõe expressamente que a aplicação do preceituado no diploma em causa faz-se por meio de decreto regulamentar;
Diploma esse que, como acima se indicou, é constitucionalmente qualificado como regulamento;
Conforme acima se indicou, os autores encontram-se prejudicados pelo facto de, ao arrepio do prazo expressamente consignado pelo n.º 2 do art. 14º do diploma supre indicado, o decreto regulamentar imprescindível à transição para a nova carreira e à execução do preceituado no art. 12º, ainda não ter sido publicado;
Dispõe o art. 77º, n.º 1 do CPTA que quem alegue um prejuízo directamente resultante da situação de omissão pode pedir ao tribunal administrativo competente que aprecie e verifique a situação de ilegalidade por omissão das normas cuja adopção, ao abrigo de disposições de direito administrativo, seja necessária para dar execução a actos legislativos carentes de regulamentação.
Dispondo o art. 46º, n.º 3 al. d) do mesmo diploma, revestir a forma de acção administrativa especial aquela em que se peça a declaração de ilegalidade da não emanação de uma norma que devesse ter sido emitida ao abrigo de disposições de direito administrativo.
Pelo que a presente acção é a própria para que o tribunal verifique a omissão e, em cumprimento do disposto no n.º 2 do art. 77º do CPTA dê conhecimento do facto ao Governo, fixando-lhe prazo não inferior a seis meses para que supra a omissão;
Sendo ainda a própria para que o Tribunal, ao abrigo do disposto no art. 3º, n.º 2 do CPTA, fixe sanção pecuniária compulsória, por cada dia de demora do cumprimento da decisão;
Assim, o primeiro réu é parte legítima para contradizer (cfr. Art. 10º do CPTA).
Dispõe ainda o art. 47º, 1 do CPTA que, em cumulação com o pedido consignado, designadamente na al. d) do n.º 2 do art. 46º, podem ser efectuados outros pedidos que com aquele apresentem uma relação material de conexão, segundo o disposto no art. 4º e, designadamente, ser pedida a condenação da Administração na reparação dos danos resultantes da omissão ilegal;
Conforme acima se referiu, o art. 19º do Dec. Lei n.º 112/2001, de 6 de Abril determina que a transição para as novas carreiras por si criadas, bem como o correspondente suplemento de função inspectiva, produz efeitos reportados a 1 de Julho de 2001;
Assim sendo, quando entrar em vigor o decreto regulamentar omitido pelo Governo, deverá o segundo réu proceder à transição dos autores para lugares de quadro em categorias das novas carreiras;
Remunerá-los de acordo com os escalões em que vierem a ser colocados;
E calcular o suplemento de função inspectiva no montante de 22,5 % da remuneração base de cada autor, desde 1 de Julho de 2000 até à data em que o cálculo ocorra;
No que respeita aos sétimo a décimo terceiro autores que, entretanto se aposentaram, deve o segundo réu efectuar os cálculos respectivos date à data da sua aposentação;
Entregando a todos os autores as quantias correspondentes;
Estas operações impostas pela lei constituem deveres de prestar a que a Administração está adstrita;
De facto, dispõe o art. 798º do C. Civil, aplicável por analogia, que “o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor”;
E o art. 562º do mesmo diploma legal estabelece que “quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”;
Assim, o cumprimento das obrigações de prestar, por parte da Administração não tutela suficientemente os direitos dos autores;
Dado que, de facto, não lhes foram disponibilizadas as quantias que deveriam receber nas datas em que teriam que as receber;
O decurso do tempo levou a que a moeda se depreciasse, pelo que, estando em causa o cumprimento de obrigações pecuniárias com prazo certo, os autores têm direito a perceberem juros de mora, à taxa legal, desde as datas em que deveriam dispor das quantias em causa até àquela em que as mesmas lhes sejam entregues;
Sem prejuízo do alegado, e caso se entenda não estarem reunidos no caso presente os pressupostos de responsabilidade civil, nem por isso a satisfação dos deveres de prestar inerentes ao cumprimento da imposição legal tutela convenientemente os direitos dos autores;
De facto, os segundo a sexto autores e o sétimo a décimo terceiro autores, estes à data do seu desligamento de serviço, têm exercido as funções inerentes à carreira em que se encontram posicionados;
Suportando os ónus que fundamentaram a concessão do subsídio de função inspectiva ora em causa, em benefício do interesse público prosseguido pela Administração;
Pelo que esta auferiu os benefícios inerentes a essa prestação, sem que, até ao momento os autores recebessem a retribuição por tal facto;
Existiu, assim, uma deslocação patrimonial, consubstanciada no valor económico da prestação de trabalho, da esfera jurídica dos autores para a da Administração, deslocação essa que a satisfação dos deveres de prestar, ainda que com efeitos retroactivos não elimina completamente, já que, como acima se referiu os autores não puderam dispor das quantias que lhes deviam ter sido abonadas nas datas em que o deviam ser;
Pelo que, a não restituição desse enriquecimento, por parte da Administração, constituiria um enriquecimento injusto por parte desta;
O princípio da proibição de enriquecimentos injustos constitui um princípio geral do Direito Administrativo emergente dos princípios da legalidade, da justiça, da imparcialidade, da igualdade, da proporcionalidade, do respeito pelos direitos e deveres dos administrados, da prossecução do interesse público, da boa administração, da repartição equitativa dos encargos públicos, da boa fé e da protecção da confiança (artigos 266º da CRP e 4º, 5º, 6º e 6º-A do CPA);
Assim, nos termos do disposto no art. 473º do C. Civil está a Administração obrigada a restituir aquilo com que injustamente se locupletou, a saber, a diferença entre a quantia que lhes abonará e aquela que lhes abonaria caso as retribuições respectivas lhes tivesse sido abonadas nas datas de vencimento;
Quantia essa que deve ser calculada nos termos do disposto no art. 551º do C. Civil, isto é, através da aplicação dos índices dos preços e de modo a estabelecer entre a prestação entregue e a relação existente na data em que a obrigação se constituiu;
No que respeita ao sétimo a décimo terceiro autores, que entretanto se aposentaram, impõe a lei (art. 12º, n.º 3 do Dec. Lei 112/2001, de 6 de Abril) que a respectiva pensão de aposentação seja recalculada sendo-lhes pagas as diferenças entre os montantes que entretanto lhes foram sendo pagos e aqueles a que têm direito por força do recalculo;
Pelo que o terceiro réu é parte legítima para contradizer este pedido.
O MINISTÉRIO DA ECONOMIA contestou a acção alegando o seguinte:
Reconhece-se que, mercê de dificuldades várias não chegou a ser publicado o decreto regulamentar de aplicação à Direcção Geral do Turismo do regime do Dec. Lei 112/2001, de 6 de Abril – enquadramento e estrutura das carreiras de inspecção da Administração Pública.
Sucede porém que a nova lei orgânica da Direcção Geral do Turismo, aprovada pelo Dec. Lei 8/2004, de 7 de Janeiro, e a nova lei orgânica da Inspecção-geral das Actividades Económicas aprovada pelo Dec. Lei 46/2004, DE 3 DE Março vieram alterar profundamente a situação existente: a primeira deixou de possuir serviços de inspecção, tendo sido transferidas para a segunda as competências em matéria de fiscalização e instrução processual (n.º 1 do art. 35º do citado Dec. Lei 46/2004).
Não faria, pois, sentido que, no momento presente, os réus na acção fossem judicialmente compelidos a publicar um decreto regulamentar de aplicação do Dec. Lei n.º 112/2001 a um serviço do Estado – a Direcção Geral do Turismo – destituída de serviços de inspecção.
O que fica dito não inviabiliza, como é óbvio a necessidade de o Ministério da Economia, vir a adoptar, por via administrativa, as soluções adequadas à salvaguarda das legítimas expectativas dos autores decorrentes do regime criado pelo aludido Dec. Lei n.º 112/2001. Não porém nos termos pretendidos pelos autores, face à perda de funções inspectivas por parte da Direcção-Geral do Turismo, decorrente da mencionada evolução legislativa entretanto ocorrida.”
A MINISTRA DE ESTADO E DAS FINANÇAS contestou a acção arguindo a excepção da incompetência do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa, por entender competente o Supremo Tribunal Administrativo, dado a mesma ter por objecto a omissão de um regulamento imputada ao Ex.mo Senhor Primeiro Ministro (art. 24º, 1 do ETAF).
Por impugnação considera que foi alterado o contexto da publicação do Dec. Lei 112/2001, de 6 de Abril foi alterado com a publicação da nova Lei Orgânica da Direcção Geral do Turismo e a Lei Orgânica da Inspecção-geral das Actividades Económicas, respectivamente pelo Dec. Lei 8/2004 de 7 de Janeiro e Dec. Lei 46/2004, de 3 de Março. Com estes diplomas as competências em matéria de fiscalização e instrução processual foram transferidas da DGT para a IGAE. Deste modo, não é possível que a DGT proceda à regulamentação de carreiras que não se enquadram na sua estrutura orgânica. Uma decisão neste sentido revelar-se-ia inútil, por impossibilidade prática da sua execução, violando ainda o princípio da legalidade.
Suscita ainda o incidente do valor da causa.
O PRIMEIRO-MINISTRO também contestou a acção, começando por suscitar a questão da incompetência do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa, por entender competente o Supremo Tribunal Administrativo.
Arguiu ainda a ilegitimidade passiva do Governo (1º réu), uma vez que, em seu entender, tanto quanto é possível extrair da petição inicial, aquilo que os autores pretendem é a adopção de uma qualquer iniciativa do membro do Governo com atribuições na sua área funcional (Ministério da Economia) destinada a suprir a sua situação estatutária em que se consideram colocados em consequência da omissão normativa censurada. Nestes termos parece ocorrer a ilegitimidade passiva do 1º Réu na presente acção administrativa especial já que o pedido dos autores não resulta satisfeito pela sua acção: por um lado, porque a iniciativa do procedimento normativo pressuposto carece de intervenção primária do Ministério da Economia; depois, ainda que assim se não entenda e sem conceder, porque o Governo enquanto órgão colegial não tem qualquer intervenção necessária na prática de regulamentos administrativos do Governo;
Quanto ao mérito considera ainda que é inútil a emissão do decreto regulamentar em causa. Com a publicação da nova Lei Orgânica da Direcção Geral de Turismo (Dec. Lei 8/2004, de 7 de Janeiro) e, sobretudo, com a publicação da nova Lei Orgânica da Inspecção-Geral das Actividades Económicas (Dec. Lei 46/2004, de 3 de Março) foram transferidas para esta inspecção as competências da DGT em matéria de fiscalização e instrução processual. Assim a Direcção Geral de Turismo não mantém, hoje, quaisquer poderes de fiscalização ou inspecção, pelo que não pode proceder à regulamentação de carreiras que não têm qualquer reflexo nos seus quadros de pessoal.
Alegam ainda não ser possível a condenação no pagamento de sanções compulsórias, visto tal não decorrer nem do art. 77º,2 do CPTA, nem das disposições relativas ao processo de execução.
Por decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa declarou-se a incompetência do tribunal e ordenou-se a remessa dos autos a este Supremo Tribunal Administrativo.
Por despacho do relator de 11 de Maio de 2005 foi decidido o incidente do valor da causa atribuindo-se ao processo o valor de €254,314,85 (duzentos e cinquenta e quatro mil, trezentos e catorze euros e oitenta e cinco cêntimos). Deste despacho foi interposto reclamação para a conferência pelos autores, da qual viriam mais tarde a desistir.
Em 25 de Janeiro de 2006, foi proferido despacho saneador, que não foi objecto de reclamação, onde se considerou o tribunal competente, que as partes tinham personalidade e capacidade judiciárias e eram legítimas. Mais se considerou que “a desnecessidade da emissão da norma regulamentar configura em nosso entender uma situação de mérito, ou seja, prende-se coma verificação da existência de uma situação de ilegalidade por omissão. Para já, não se vislumbra uma impossibilidade absoluta da satisfação do interesse do autor pelo que não é caso de modificação objectiva da instância – cfr. art. 45º do CPTA”.
Nesse despacho foi ainda determinado que os autores liquidassem os pedidos genéricos formulados.
Os autores liquidaram os respectivos pedidos.
Por despacho de fls. 512, proferido em 26-4-2006, e por não haver matéria de facto controvertida, foram as partes notificadas para alegarem por escrito.
Nas alegações de direito as partes mantiveram as posições antes assumidas e acima devidamente descriminadas. O autor António Lopes de Frias apresentou alegações autonomamente, mas defendeu, no essencial aposição que defendera (em conjunto com os demais) na petição inicial. A Presidência do Conselho de Ministros nas suas alegações voltou a pedir a absolvição da instância por ilegitimidade passiva e o Ministro das Finanças voltou também a defender que o seu chamamento ao processo decorre unicamente da má visão dos autores.
Colhidos os vistos legais, foi o processo submetido à conferência.
2. Fundamentação
2.1. Matéria de facto
Par o julgamento da presente acção consideram-se relevantes os seguintes factos e ocorrências:
a) o primeiro a sexto autores encontram-se todos providos em lugares da carreira de Inspector Técnico de Turismo da Direcção Geral de Turismo;
b) os sétimo a décimo terceiro autores encontram-se aposentados, estando à data das respectivas aposentações, providos em lugares da carreira de Inspector Técnico de Turismo da Direcção Geral de Turismo;
c) todos os autores encontravam-se providos em lugares da mesma carreira em 1 de Julho de 2000;
d) os serviços de Inspecção da Direcção Geral de Turismo foram organizados pelo Dec. Lei 74/71, de 17 de Março, sendo suas atribuições as seguintes (artigo 2º, n.º 1):
- fiscalizar, para prevenção e repressão das respectivas infracções, o cumprimento das normas legais que regulam o exercício das actividades e profissões turísticas, designadamente a exploração dos estabelecimentos hoteleiros e similares, de ou sem interesse público, das agências de viagens, dos parques de campismo, públicos ou privativos, e de outros meios complementares de alojamento, a prática de campismo fora de parques e a actividade do pessoal de informação turística;
- prestar aos restantes serviços da Direcção Geral de Turismo e ao Fundo de Turismo a colaboração que, em matéria de inspecção e fiscalização, lhes for solicitada;
- desempenhar as demais funções de inspecção e fiscalização cometidas por disposição regulamentar especial;
e) Incumbia ainda aos Serviços de Fiscalização, nos termos do art. 3º do referido diploma, o seguinte:
- inspeccionar todos os locais onde se exercessem quaisquer actividades ou profissões sujeitas à sua fiscalização;
- verificar, para efeitos da atribuição do estatuto de utilidade pública turística, o estado de conservação das instalações e o nível dos serviços dos estabelecimentos declarados de utilidade turística, e bem assim a observância de quaisquer condicionamentos estabelecidos no respectivo despacho de concessão;
- receber as reclamações apresentadas e averiguar do seu fundamento;
- proceder à instrução de processos relativos a infracções cujo conhecimento fosse da competência da então Secretaria de Estado da Informação e Turismo, pela Direcção – Geral de Turismo;
f) Para realizar as atribuições acima enumeradas, o diploma em causa, nos seus artigos 16º e 17º contemplava um conjunto de direitos, designadamente do inspector-chefe, inspectores, sub-inspectores e agentes dos Serviços de Inspecção, dos quais se destacam os de entrada e permanência, pelo tempo necessário ao exercício das suas funções, em quaisquer locais sujeitos a fiscalização e a qualquer hora do dia ou da noite, o de exigirem documentação e quaisquer registos, livros de escrituração comercial e outros elementos;
g) Estabelecendo o art. 6º do mesmo diploma que o serviço de fiscalização era de carácter permanente e a competência dos respectivos funcionários, para efeitos de tomar conhecimento de qualquer infracção ou reclamação ou para a prática de actos urgentes, não limitada territorialmente, para além de considerar urgentes os actos que tivessem em vista obstar à consumação da infracção ou que visassem a recolha de prova que de outro modo se perdesse, se tornasse contingente ou particularmente difícil;
h) Mais previam os artigos 21º a 27º do mesmo diploma que os Serviços de Inspecção eram dirigidos por um Inspector – Chefe subordinado ao Director Geral de Turismo, coadjuvado por inspectores, sob cuja hierarquia estavam sub-inspectores e agentes, prevendo ainda o respectivo conteúdo funcional;
i) O Dec. Lei 734/74, de 21 de Dezembro veio, no seu art. 4º, n.º 3, dispor que o pessoal do Serviço de Inspecção da Direcção Geral do Turismo, constava de quadro anexo, no qual se previram um lugar de inspector e três lugares de sub-inspectores;
j) Por seu turno, o Dec. Lei n.º 420/75, de 9 de Agosto, veio aprovar o quadro único permanente da Direcção Geral de Turismo, prevendo-se um lugar de Inspector, três lugares de sub-inspectores e trinta e um lugares de inspectores técnicos;
k) Em 1982, o Dec. Regulamentar n.º 32/82, de 3 de Junho, aprovou um novo quadro de pessoal, prevendo-se nove lugares de inspector técnico de 2ª classe, vinte e sete lugares de inspectores técnicos de 1ª classe e nove lugares de inspector técnico principal;
l) Sendo que, nos termos do art. 25º, n.º 4, deste regulamento, os inspectores técnicos de 2ª classe não habilitados com licenciatura transitaram para a carreira de inspector técnico;
m) O Dec. Lei 155/88, de 29 de Abril aprovou nova orgânica da Direcção Geral do Turismo, revogando designadamente, o Dec. Lei 734/74, de 21 de Dezembro e o Dec. Regulamentar n.º 32/82, de 3 de Junho (art. 64º);
n) O art. 47º do mesmo diploma reestruturou a carreira de inspector técnico, dotando-a de seis categorias a saber, de técnico de 2ª classe (nove lugares), técnico de 1ª classe (doze lugares), técnico principal (nove lugares), técnico especialista (três lugares) técnico especialista de 1ª classe (um lugar) técnico especialista principal (um lugar);
o) Em 6 de Abril de 2001, foi publicado o Dec. Lei 112/2001, que estabeleceu o enquadramento e definiu a estrutura das carreiras de inspecção da administração pública;
p) Os artigos 15º e 16º deste diploma prevêem regras de transição para as novas carreiras, dispondo o artigo 12º que o pessoal abrangido pelo mesmo tem direito a um suplemento de função inspectiva, para compensação dos ónus específicos inerentes ao seu cargo (n.º 1); que tal suplemento é fixado no montante de 22,5% da respectiva remuneração base (n.º 2), sendo abonado em doze mensalidades, relevando para efeitos de aposentação, sendo considerado no cálculo da pensão pela forma prevista na alínea b) do n.º 1 do art. 47º do Estatuto da Aposentação (n.º 3);
q) Nos termos do disposto no art. 14º do mesmo diploma, a respectiva aplicação faz-se mediante decreto regulamentar (n.º 1) a aprovar no prazo de 90 dias (n.º 2).
r) Sendo que, segundo o prescrito no art. 19º do mesmo diploma, a transição para as novas carreiras criadas pelo novo diploma, bem como o correspondente abono de suplemento de função inspectiva produzem efeitos reportados a 1 de Julho de 2000.
s) Porém, até à presente data, o decreto regulamentar a que se refere o art. 14º do Dec. Lei 112/2001, não foi publicada.
t) Consequentemente, os autores ainda não transitaram para as novas categorias criadas pelo referido diploma, nem receberam o suplemento de função inspectiva;
u) Os primeiro a sexto autores encontram-se actualmente providos em lugares da carreira de Inspector Técnico de Turismo;
v) Porém, atenta a aprovação das leis orgânicas da Direcção Geral de Turismo (Dec. Lei 292/98, de 18 de Setembro – art. 45º) e da Inspecção Geral das Actividades Económicas (Dec. Lei 46/2004, de 3 de Março) transitaram, em 1 de Abril de 2004, para o quadro desta última;
x) Quer a Direcção Geral do Turismo, quer a Inspecção-geral das Actividades Económicas, são serviços ou entidades nas áreas da regulamentação, regulação, supervisão e inspecção do Ministério da Economia (cfr. art. 3º, n.º 3, 3.1. a), iii) e 3.3. ii) do Dec. Lei 186/2003, de 6 de Agosto).
z) Os sétimo a décimo terceiro autores aposentaram-se, respectivamente, em 28-2-2004, 31-3-2003, 25-8-2003, 31-5-2003, 30-6-2003, 31-5-2003 e 30-4-2003 com as categorias de técnico principal, técnico especialista, técnico principal, técnico especialista principal, técnico principal, técnico especialista e técnico principal;
aa) Com a publicação da nova Lei Orgânica da Direcção Geral de Turismo (Dec. Lei 8/2004, de 7 de Janeiro) e, sobretudo, com a publicação da nova Lei Orgânica da Inspecção-Geral das Actividades Económicas (Dec. Lei 46/2004, de 3 de Março) foram transferidas para esta inspecção as competências da DGT em matéria de fiscalização e instrução processual
2.2. Matéria de direito
Nos presentes autos estão formuladas várias pretensões cumuladas. No entanto podemos sistematizá-las em três grupos: (i) declaração de ilegalidade de omisso regulamento; (ii) condenação ao pagamento das quantias deixadas de receber por causa dessa omissão; (iii) condenação no pagamento do dano sofrido pelo facto de não ter recebido as quantias em causa no tempo oportuno (mora).
É verdade que nas alegações finais o Ex.mo Senhor Primeiro-ministro volta a por em causa a sua legitimidade passiva, mas sem razão de ser, uma vez que a questão foi já apreciada no despacho saneador – cfr. ainda o disposto no art. 87º, 2 do CPTA que impede que as excepções possam ser conhecidas em momento posterior àquele despacho. A impossibilidade da emissão do regulamento em causa é a nosso ver uma questão de mérito, e, portanto, será apreciada na análise dos requisitos da ilegalidade por omissão de norma regulamentar.
Assim, apreciaremos as questões acima referidas, começando por abordar a questão de saber se existe uma situação de ilegalidade por omissão de normas regulamentares.
O art. 77º, n.º 1 do CPTA consagrou, pela primeira vez entre nós, a possibilidade da “declaração de ilegalidade por omissão” (é a epígrafe do artigo), nos seguintes termos: “O Ministério Público, as demais pessoas e entidades defensoras dos interesses referidos no art. 9º, e quem alegue um prejuízo resultante da situação de omissão podem pedir ao tribunal administrativo competente que aprecie e verifique a existência de situações de ilegalidade por omissão das normas cuja adopção, ao abrigo de disposições de direito administrativo, seja necessária para dar exequibilidade a actos legislativos carentes de regulamentação”.
Quanto à legitimidade a questão está assente no saneador, portanto, fixamo-nos nos requisitos de que depende a verificação de existência de uma situação de ilegalidade por omissão.
Um dos requisitos legalmente exigidos para que o tribunal declare a verificação de uma situação de ilegalidade por omissão de regulamento é a existência de um acto legislativo carente de regulamentação.
Vejamos, então, se este requisito se verifica, uma vez que tal verificação foi posta em causa nos autos.
O Dec. Lei 112/2001, de 6 de Abril estabeleceu o enquadramento (art. 1º), definiu a estrutura das carreiras de inspecção da Administração Pública (art. 5º) dispôs sobre a transição dos funcionários que já se encontravam a desempenhar funções e, além do mais, criou um “suplemento de inspecção inspectiva” (art. 12º). No art. 14º, n.º 1 dizia-se o seguinte:
“A aplicação do disposto no presente diploma aos serviços e organismos a que se refere o n.º 1 do art. 2º, faz-se em cada caso, mediante decreto regulamentar”.
E no artigo 19º do mesmo diploma dizia-se:
“A transição para as novas carreiras criadas pelo presente diploma, bem como o correspondente abono do suplemento de função inspectiva, produz efeitos reportados a 1 de Julho de 2000”.
Até hoje, relativamente aos funcionários da Direcção Geral de Turismo, não foi emitido o decreto regulamentar em causa.
Desta forma, é a nosso ver indiscutível que, para efectivação da transição para as novas carreiras e possibilidade dos destinatários poderem auferir o suplemento de função inspectiva, existe um acto legislativo que não chegou a ser regulamentado.
Também é indiscutível que sem a publicação do referido decreto regulamentar o regime instituído pelo Dec. Lei 112/2001, de 6 de Abril, não produz efeitos relativamente aos autores, pois este diploma subordinava a essa produção de efeitos à emissão de um decreto regulamentar.
Contudo, alegam os réus, que deixou de fazer sentido a emissão do regulamento pois a alteração da ordem legal fez desaparecer a sua utilidade e necessidade. Essa alteração do quadro legal, em termos sintéticos, radicou na modificação das atribuições da Direcção Geral de Turismo, organismo onde os autores desempenhavam funções inspectivas, o qual deixou de ter atribuições nessa matéria. E, sendo assim, argumentam os réus, não há neste momento necessidade de regulamentar as Carreiras de Inspecção, num organismo que não possui atribuições dessa natureza.
Esta argumentação tem na sua base efectivamente numa alteração legislativa muito significativa. Com efeito as leis orgânicas da Direcção Geral de Turismo (Dec. Lei 292/98, de 18 de Setembro – art. 45º) e da Inspecção-geral das Actividades Económicas (Dec. Lei 46/2004, de 3 de Março) atribuíram a esta última entidade, e apenas a esta, as funções inspectivas. Como se disse no preâmbulo do Dec. Lei 292/98, de 18/9 “em termos imediatos, são desde já transferidas para a Inspecção Geral das Actividades Económicas as tarefas de inspecção, com base no entendimento de que a este serviço do Ministério da Economia competem todas as funções de inspecção da actividade turística”. O art. 45º do mesmo diploma prévia, por isso, a transição dos “pessoal da carreira de inspector técnico” da Direcção Geral de Turismo para a Inspecção-geral das Actividades Económicas, que veio a ultimar-se em 1 de Abril de 2004.
A tese dos réus tem, assim, toda a razão de ser. Vejamos porquê.
Resulta do novo quadro legal que a situação actual não carece de qualquer regulamentação. A Direcção Geral de Turismo não tem atribuições em matéria de inspecção, pelo que por força da alteração do quadro legal, deixou de ser necessária a regulamentação do Dec. Lei 112/2001, de 6 de Abril, quer para as situações actuais, quer para as situações futuras. Podemos pois concluir que as situações do presente e do futuro não carecem de qualquer regulamentação. Perante o bloco de legalidade actualmente em vigor não há necessidade de regulamentar as carreiras inspectivas (inexistentes) da Direcção Geral de Turismo. Impõe-se assim a improcedência do pedido quanto à verificação da situação de ilegalidade de emissão do regulamento para situações actuais e futuras, por falta do requisito acima apontado (existência de acto legislativo – ainda - carente de regulamentação).
Não é assim no que se refere às situações passadas, dado que as mesmas foram vividas à sombra de um quadro legal, efectivamente carente de regulamentação. As situações passadas – como reconhece o Ministério da Economia na sua contestação, e como é de resto óbvio pois nunca foram regulamentadas – estão ainda em desconformidade com a ordem jurídica.
Contudo, para estas situações passadas, coloca-se uma outra questão, qual seja a de saber se é possível juridicamente emitir um regulamento cujo âmbito de aplicação sejam situações todas elas já concretizadas (e por isso sem abstracção) num universo de pessoas todas elas já identificadas (e por isso sem generalidade). Dito de outro modo, se é possível emitir um regulamento que não seja nem geral, nem abstracto.
E a resposta parece ser intuitivamente negativa, sob pena de sermos forçados a admitir a existência de um regulamento sem “normas”, o que seria uma contradição nos termos
O Acórdão do Pleno da 1ª Secção deste Supremo Tribunal de 7-6-2006, proferido no processo 01257/0, “ (…) Sem intuito de exaustão, diz o acórdão, na jurisprudência mais recente do STA, pode ver-se, e atendo-nos apenas a disposições contidas em diplomas legais de âmbito organizativo em serviços da Administração Pública, o acórdão de 11-05-89 (recurso nº 18998-Pº. Cfr. BMJ 387,627 e APDR 7-9-90,387), em cujo Sumário pode ler-se que “A Resolução n. º 67/83, do Governo Regional da Madeira, que fixou diversas medidas relativas aos funcionários que, ao abrigo do Decreto-Lei n. º 365/79, de 4 de Setembro, foram integrados no quadro do pessoal da Secretaria Regional do Equipamento Social, é um acto administrativo plural ou geral”.
O acórdão de 07-05-96 (Rec. nº 26010-Pº), configura como acto administrativo e não como acto normativo a determinação contida na Portaria n.º 150/88, de 10.3, que [ao aprovar os novos quadros de pessoal de diversas instituições, entre elas os Hospitais Civis de Lisboa e a Maternidade Dr. Alfredo da Costa] reclassifica como segundos oficiais da carreira de oficial administrativo todos aqueles que, no momento da sua entrada em vigor, fossem titulares do cargo de assistente de dados, pois que tal determinação teria destinatários certos e esgotava-se com uma única aplicação, considerando-a pois destituída de generalidade e abstracção (Sobre o tema, na jurisprudência do STA, podem ainda ver-se, entre muitos outros, os acs. do TP de 15/1/1997 (Rec. nº 20308) e de 24/6/1997 (Rec. nº 30808) - in APDR DE 28/MAI /99-, de 4/3/1997 (Rec. nº 38606), de 9/6/1998 (Rec. nº 34852, in APDR de 26/ABR/02) de 9/JAN/98 (Rec. 34852, in APDR de 26/ABR/02) e de 15/JUN/99 (rec. 44163).).
Por sua vez, o acórdão de 97.04.15 (Rec. nº 33250), considerou que o comando contido no nº 3 do artº 4º do Dec. Lei nº 334/93, de 29 de Setembro, ao estipular a transição para técnicos superiores de 2ª classe dos professores do quadro do instituto de orientação profissional com o grau de licenciatura, não corporiza um acto materialmente administrativo.
No recente acórdão de 07-07-2004, Rec.º nº 01011/02 (Reafirmando doutrina expendida em antecedente aresto de 22-04-2004 (Rec. nº 0933/02) sobre caso similar.), [estando em causa a regulação estabelecida pelo artigo 1º do D.L. 22/96, de 20 de Março, quanto aos trabalhadores das casas de cultura da juventude em funções desde a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 333/93, de 29 de Setembro, e em que, a não ser que expressamente declarassem desejar manter o seu regime de trabalho, se determinou que ficariam abrangidos pelo regime jurídico dos funcionários e agentes da Administração Pública, e que numa análise perfunctória poderia considerar-se haver recaído sobre situação similar à vertente], considerou-se que o despacho conjunto (cf. artigo 4º daquele D.L. 22/96) dos Ministros das Finanças e Adjunto, que estabelecia as condições de ingresso e acesso às categorias da função pública por parte daqueles trabalhadores, por se esgotar com uma única aplicação, embora com pluralidade de destinatários concretos, não é um acto genérico, mas acto administrativo concreto, embora plural.
Temos como a boa a doutrina expendida no acórdão de 03-11-2004-Rec. nº 0678/04, tirado a respeito de despachos respeitantes a fixação dos montantes das remunerações relativas às categorias das carreiras de regime geral da DGCI (…)”.
, fez uma resenha da jurisprudência deste Supremo Tribunal, deixando clara a ideia de que os actos plurais e concretos não são acto a normativos. Este tipo de actos, destinados a um universo de pessoas, mas todas elas bem determinadas à data da publicação (acto plural e não geral por não admitir a hipótese de outras pessoas poderem integrar a previsão da norma) a situações todas elas já ocorridas no tempo MARCELO CAETANO, Manual de direito Administrativo, Tomo I, 10º Edição, Coimbra, 1973, pág. 95, referia-se, neste aspecto, à “execução permanente”, ou seja, ao facto da norma ter uma “vigência com certa duração, no decurso da qual é aplicável a todos os casos que surgirem e caiam nos domínios regulados”. e, portanto, também todas elas já perfeitamente determinadas, em que a sua vigência se esgotava numa única aplicação devem integrar-se na categoria dos actos administrativos. Mesmo para uma visão menos exigente na qualificação dos actos normativos, (FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, Vol II, Coimbra, 2002, pág. 172/173 e nota 285 para quem o essencial do conceito de norma está “na generalidade, isto é, na não identificação dos destinatários”. ) que se baste com a generalidade, o presente caso continuaria a caber na classificação dos actos administrativos. Na verdade, no presente caso, todas as pessoas a quem se aplicaria o regulamento destinado a regular as situações já passadas, estão bem determinadas ou são imediatamente determináveis, ou seja, situações individuais e concretas.
Deste modo, e concluindo, não há qualquer situação de facto que ainda possa ser objecto de regulação através de normas regulamentares, uma vez que a situação actual e futura já não carece de qualquer regulamentação e a situação passada não é susceptível de ser regulada através de “normas gerais e abstractas”.
O art. 45º, 1 do CPTA a impossibilidade absoluta de cumprimento do dever de emitir o regulamento também implica a improcedência do pedido.
Deste modo, e concluindo, não há qualquer situação de facto que ainda possa ser objecto de regulação através de normas regulamentares, uma vez que a situação actual e futura já não carece de qualquer regulamentação e a situação passada não é susceptível de ser regulada através de “normas gerais e abstractas”.
A improcedência do pedido de declaração de ilegalidade por omissão de um regulamento por impossibilidade absoluta, faz nascer o direito à indemnização na esfera jurídica dos autores, devendo, nesse caso, o tribunal convidar as partes a acordarem, no prazo de 20 dias, no montante da indemnização devida (art. 45º, 1 do CPTA).
Deve, no entanto, esclarecer-se que a indemnização que o artigo refere é a que resulta da “expropriação do direito à execução”, e não aquela que resulta da actuação ilegítima da Administração (cfr. art. 45º, n.º 5 do CPTA)( Cfr. AROSO DE ALMEIDA e CARLOS CADILHA, Comentário ao CPTA, Coimbra, 2005, pág. 221. ). Trata-se, assim, da indemnização para ressarcimento dos danos emergentes do facto de já não poder ser emitido o regulamento.
Os autores já formularam autonomamente o pedido de indemnização imputado à omissão ilegal do regulamento, pedido cumulado na presente acção, que engloba o pedido de condenação ao pagamento das quantias deixadas de receber por causa dessa omissão ilegítima; e o pedido de condenação no pagamento do dano sofrido pelo facto de não ter recebido as quantias em causa no tempo oportuno (mora). O facto do art. 45º, n.º 5 referir a possibilidade de um pedido autónomo, não afasta que o mesmo seja cumulável. Daí que, no presente caso, tendo sido deduzido um pedido autónomo visando o ressarcimento dos danos causados pela actuação ilegítima, nada obsta a que a fixação da indemnização compreenda os dois tipos de danos: (i) danos emergentes da inexecução e (ii) danos emergentes da actuação ilícita.
Por razões de economia processual é adequado que todos pedidos de indemnização sejam julgados e fixados conjuntamente, uma vez que nada obsta a que as partes chegam a um acordo sobre o montante global da indemnização devida.
3. Decisão
Face ao exposto, os juízes da 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo acordam:
a) Julgar improcedente o pedido de declaração de ilegalidade por omissão de um regulamento;
b) Fixar, nos termos do art. 45º, 1 do CPTA, o prazo de 20 dias para as partes acordarem no montante da indemnização devida.
Sobre custas a final se tomará posição.

Lisboa, 3 de Outubro de 2006. António São Pedro (relator) – António Samagaio – João Belchior.

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