quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Competência do STA - Acórdão de 30 de Novembro de 2004 (STA)

Acordam em subsecção, na secção do contencioso administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
1.
1.1. A…, com sede na Rua do …, … …° …. …-… Lisboa, vem intentar contra a PRESIDÊNCIA DO CONSELHO DE MINISTROS ACÇÃO ADMINISTRATIVA COMUM, a tramitar segundo o processo de declaração do Código de Processo Civil, na sua forma ordinária, nos termos do art. 24°, n° 1, alínea a), iii), do ETAF e dos arts. 37°, n° 2, alínea g), 42° e 43° do CPTA, pedindo a sua condenação numa indemnização de 9119299 Euros para compensação do sacrifício sofrido em razão da entrada em vigor do POOC Sintra-Sado, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 86/2003, publicada em DR I série B de 25 de Junho.
1.2. Pelo despacho do juiz relator, de fls. 199, foi suscitada a incompetência deste STA, considerando-se competente o Tribunal Administrativo do Círculo de Almada.
1.3. Notificadas as partes, para se pronunciarem, apenas o fez a autora, reiterando a bondade da apresentação da acção neste STA, em termos que sucintamente já enunciara com a petição inicial. Arrima-se no disposto no artigo 24.º, n.º 1, alínea a), iii) do ETAF. Para a autora, “Tratando-se sempre de uma acção ou omissão imputável ao Conselho de Ministros, quer essa acção/omissão seja geradora de responsabilidade civil quer seja geradora de uma indemnização por imposição de um sacrifício de interesse público, este STA sempre será o tribunal competente para conhecer da acção que se vier a intentar por causa dessas matérias administrativas e não os TACs” (11.º). E salienta que, em todo o caso, “não propôs nenhuma acção de responsabilidade civil (...), mas sim, uma acção de condenação desta R ao pagamento de uma indemnização por expropriação de sacrifício” (13º).
Cumpre apreciar e decidir.
2.
2.1. Comecemos por retomar o texto do despacho do juiz relator.“(...)«O âmbito da jurisdição administrativa e a competência dos tribunais administrativos, em qualquer das suas espécies, é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria» (artigo 13.º do CPTA).
A autora invocou na petição (83.º) a competência deste STA por força do artigo 24.º do ETAF. Dispõe o n.º 1 daquele artigo que compete à secção do contencioso administrativo do Supremo Tribunal Administrativo, conhecer: «a) Dos processos em matéria administrativa relativos a acções ou omissões das seguintes entidades:(...)iii) Conselho de Ministros».
Afigura-se que as acções de responsabilidade, em sentido amplo, abrangendo, agora, tanto as designadas como tal, na alínea f), do n.º 2 do artigo 37.º, como as acções de condenação ao pagamento de indemnizações, da alínea g) do mesmo número e artigo, do CPTA, são da competência dos tribunais administrativos de círculo (artigo 44.º, n.º 1, do ETAF). São, na verdade, acções abrangidas pela designação genérica de acções de responsabilidade civil no ETAF de 84, nele adjudicadas à competência dos TAC.
Ora, todo o sentido da reforma do contencioso administrativo conduz a pensar que tal competência se mantém nos TAC, não sendo ela afastada pelo texto do citado artigo 24.º.
Aquele preceito reportar-se-á aos processos que cabem aos tribunais administrativos unicamente em virtude da natureza administrativa das acções ou omissões objecto do litígio; e esses processos continuam, residualmente, confiados, em primeira instância, ao STA, em razão da autoria dessas acções ou omissões.
Não será o caso da acção administrativa comum prevista no artigo 37.º, n.º 2, alínea g), do CPTA, que cabe à jurisdição administrativa independentemente de ser administrativa a fonte da responsabilidade.(...)”.Entende-se acompanhar as considerações do despacho, procedendo-se a um breve desenvolvimento.
2.2. A acção administrativa comum para efectivação de responsabilidade civil (artigo 37.º, n.º 1º, alínea f) do CPTA) e a acção administrativa comum para condenação ao pagamento de indemnizações decorrentes da imposição de sacrifícios por razões de interesse público (artigo 37.º, n.º 1º, alínea g) do CPTA) não apresentam diferenças de tramitação, pelo menos diferenças significativas, em relação às genericamente designadas acções de responsabilidade civil cobertas pelo artigo 71.º e 72.º da LPTA. A diferença mais saliente é que, no CPTA não têm de seguir, sempre, a forma ordinária do processo civil de declaração, antes seguem as formas do processo civil de acordo com o valor.Sob o regime da LPTA, e de acordo com o ETAF de 1984 (artigo 51.º, n.º 1, alínea h)), essas acções cabem na competência dos tribunais administrativos de círculo. No “Estudo de Organização e Funcionamento dos Tribunais Administrativos”, elaborado pela …, sob o patrocínio do Ministério da Justiça, e nos termos da síntese realizada por Carlos Alberto Cadilha [Cadernos de Justiça Administrativa (CJA) 23, p. 10], enunciava-se:“No que toca à distribuição de competências entre tribunais, torna-se também necessário um reajustamento que confira uma maior operacionalidade ao sistema: a competência de primeira instância do STA deve passar para o TCA e a competência do TCA para os Tacs. O STA deve funcionar como tribunal de revista e de uniformização de jurisprudência”.
Esta linha de projecto era aceite, sem dificuldade: “(...) todas as questões devem entrar como é usual, por tribunais de 1.ª instância. (...) Isto determinará que, em regra, o processo deverá correr no tribunal do domicílio do interessado.” (António Cândido de Oliveira, CJA, n.º 22, pág. 21).Posteriormente, e em Relatório de Síntese do III Seminário de Justiça Administrativa, Vieira de Andrade, referenciando o “STA como garante da estabilidade, da coerência e da qualidade da jurisprudência”, expendeu, face a preocupações manifestadas quanto às anunciadas limitações da competência do STA:“De facto, verifica-se que a Reforma se propôs conferir ao STA um estatuto mais próximo do de um tribunal supremo (semelhante ao do STJ), em termos de garantir ou possibilitar a sua intervenção nos processos mais importantes, nas questões de maior relevância jurídica e social, nas questões novas e difíceis, bem como nos casos de necessidade de uniformização da jurisprudência ou de uma melhor aplicação do direito: além de continuar a conhecer das decisões do Conselho de Ministros e do Primeiro-ministro e das altas autoridades do Estado, o STA conhece, em recurso per saltum, questões exclusivas de direito decididas pelos TACs (...)“ [CJA, n.º 28, pág. 63. Salvo, evidentemente, esclarecimento do próprio autor, afigura-se que a exposição supra de Vieira de Andrade ajuda a compreender melhor a nota 216 na sua obra “A Justiça Administrativa”, 4.ª edição, nota que tanto na petição (84.º) como no último requerimento (9.º), tem sido apresentada como suporte da defesa da competência deste STA; com efeito, nessa nota, Vieira de Andrade não afirma que também as acções que mantiveram a estrutura das acções que nos termos do ETAF de 84 cabiam aos TAC transitaram para a competência do STA; quererá dizer, antes, que o STA manteve a competência para conhecer das decisões do Conselho de Ministros, não só enquanto são impugnadas, mas enquanto podem ser objecto, ou fonte de diversos outros pedidos]. Mais tarde, Mário Aroso de Almeida (“Breve introdução à reforma do contencioso administrativo”, CJA 32, pág. 3) incidindo a atenção já sobre o ETAF aprovado pela Lei n.º 13/2002, discorreu: “Distribuição das competênciasCom o passar do tempo, foi-se tornando cada vez mais necessário e urgente proceder a uma profunda redefinição do quadro das competências dos tribunais administrativos, por forma a libertar o Supremo Tribunal Administrativo (STA) e o Tribunal Central Administrativo (TCA) das competências em primeira instância que lhes correspondiam, transferindo-as para os tribunais administrativos de círculo (TAC). Foi o que se fez com a reforma, ao eliminar as competências de primeira instância do TCA (art. 37.º do ETAF) e também quase por completo as do STA (art. 24.º do ETAF).A quase totalidade dos processos passa assim a entrar, em primeira instância, nos TAC (art. 44.º do ETAF), e tanto o TCA como o STA passam a funcionar, no essencial como tribunais de recurso.”O mesmo pensamento foi retomado nas “Linhas Gerais da Reforma do Contencioso Administrativo” (com a colaboração de Mário Aroso de Almeida e Cecília Gagliardini Graça, em “Reforma do Contencioso Administrativo, Colectânea de Legislação”, Ministério da Justiça 2003, pág. 15):“(...) O Supremo Tribunal Administrativo e os Tribunais Centrais Administrativos deixam, assim, e no essencial, de funcionar como tribunais de primeira instância, para exercerem as competências que são próprias dos tribunais superiores (...)”.
Em resumo, não se descortina que no decorrer dos trabalhos da reforma tenha havido qualquer intenção de retirar competências aos TAC para as confiar ao STA. Toda a intenção da reforma foi a inversa.Diga-se que não se poderá contrapor à intenção declarada o ganho de competência do STA que respeita às acções de regresso contra juízes e magistrados do Ministério Público que exerçam funções nele e nos tribunais centrais administrativos (artigo 24.º, n.º 1, alínea f)); esse ganho específico tem unicamente a ver com a aproximação ao regime constante na Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais para as mesmas acções contra os juízes e magistrados do Ministério Público, nos tribunais correspondentes (artigo 36.º, alínea c), da Lei 3/99, de 13 de Janeiro, republicada em anexo à Lei n.º 105/2003, de 10 de Dezembro).
2.3. Exceptuando o que releva da função política, afigura-se inquestionável que a acção administrativa comum prevista no artigo 37.º, n.º 2, alínea g), do CPTA, cabe à jurisdição administrativa, independentemente de ser administrativa a fonte da responsabilidade.Nos termos do 4.º, n.º 1, alínea g) do ETAF, compete aos tribunais administrativos e fiscais as questões em que, nos termos da lei, haja lugar a responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito público, incluindo a resultante do exercício da função jurisdicional e da função legislativa.
Neste preceito não se opera a distinção entre a responsabilidade civil em sentido estrito e a responsabilidade pelo sacrifício, mas esta há-de considerar-se incluída nele. Por isso, é também no artigo 4.º, n.º 1, g), que se deve colher a competência dos tribunais administrativos para o efeito, e não no artigo 1.º, n.º 1, do ETAF, sob pena de não haver fundamento para se julgar competente a jurisdição administrativa quando o sacrifício não decorra do exercício da função administrativa (em sentido diverso, ancorando no artigo 1.º, n.º 1, do ETAF, Mário Aroso de Almeida, “O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos”, 2.ª Edição, pág. 114).Assim, a efectivação em tribunal de responsabilidade decorrente não só da actividade administrativa como, também, da actividade jurisdicional (com a exclusão prevista na alínea a), do n.º 3 do artigo 4.º do ETAF), ou legislativa cabe à jurisdição administrativa.As acções para efectivação dessa responsabilidade seguem a forma de acção administrativa comum, não tendo especialidades em razão do tipo de actividade alegadamente danoso.
E este tipo de acções há-de caber à apreciação da mesma categoria de tribunais, sob pena de estando em causa actos ou omissões de um mesmo órgão, as acções caberem a tribunais diversos, conforme a função sob a qual as acções ou omissões foram cometidas. Quer dizer, não teria sentido que uma acção administrativa comum para efectivação de responsabilidade civil em sentido estrito, ou para condenação em indemnização por imposição de sacrifício, decorrente, por exemplo, de actividade do Conselho de Ministros, coubesse a uma ou outra categoria de tribunais, consoante a função na qual a actividade foi exercida. Se a posição que a autora sustenta fosse correcta, então, a acção com fundamento em actividade no exercício de função administrativa caberia ao STA, mas a acção com fundamento em actividade no exercício da função legislativa caberia aos TAC.Como se disse, este tipo de acções há-se seguir nos mesmos tribunais, independentemente da fonte da actividade. Por isso, a posição que aqui se acolhe é a que apresenta uma maior coerência interna. Acrescente-se que ela é, também, a que melhor corresponde ao regime do lugar paralelo da indemnização pelo sacrifício, no caso das expropriações, que, por força de lei especial, cabem aos tribunais judiciais. Nesse caso particular, qualquer que tenha sido a entidade expropriante, é pelo tribunal da comarca da situação do bem expropriado que corre o processo (cfr., artigo 51.º do Código das Expropriações).
2.4. É no quadro que se acabou de recortar que deve ser interpretado o artigo 24.º, n.º 1, alínea iii) do ETAF.Aquele preceito reporta-se aos processos que cabem aos tribunais administrativos unicamente em virtude da natureza administrativa das acções ou omissões objecto do litígio; e esses processos continuam, residualmente, confiados, em primeira instância, ao STA, em razão da autoria dessas acções ou omissões. Não é o caso da acção administrativa comum prevista no artigo 37.º, n.º 2, alínea g), do CPTA, que cabe à jurisdição administrativa independentemente de ser administrativa a função fonte da responsabilidade.Por força do artigo 44.º, n.º 1, do ETAF, e do artigo 17.º do CPTA, a presente acção cabe ao Tribunal Administrativo do Círculo de Almada.
3. Pelo exposto declara-se a incompetência deste STA, sendo competente para a acção o Tribunal Administrativo do Círculo de Almada.
Transitado, remetam-se os autos àquele tribunal.
Custas pela autora, sendo a taxa de justiça fixada em 3 UC (artigos 16.º e 73.º-A do CCJ).
Lisboa, 30 de Novembro de 2004. – Alberto Augusto Oliveira (relator) – Políbio Henriques – Rosendo José.

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